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Partidos voltam a dominar a Comissão Nacional de Eleições

O Parlamento deu início, na semana passada, ao debate da proposta de revisão da legislação eleitoral depositada pela Renamo, tendo alterado, por consenso das três bancadas, as leis da Comissão Nacional de Eleições e do Recenseamento Eleitoral, dois dos cinco instrumentos que compõem o pacote eleitoral. Porém, os novos figurinos representarão um retrocesso à profissionalização dos órgãos eleitorais uma vez que os mesmos voltam a ser dominados pelos partidos políticos, contrariamente aos apelos da sociedade civil e dos observadores.

A CNE passa a ser constituída, a nível central, por dezassete membros, sendo cinco da Frelimo, quatro da Renamo, um do Movimento Democrático de Moçambique e sete da sociedade civil, o que significa que devem cessar funções os actuais representantes das magistraturas Judicial e do Ministério Público.

Destas dezassete figuras serão escolhidos um presidente, coadjuvado por dois vice-presidentes designados pelos dois partidos políticos mais votados com assento na Assembleia da República, neste caso a Frelimo e a Renamo. Já as comissões provinciais de eleições assim como as de cidade serão compostas por 15 vogais, sendo um presidente, dois vice-presidentes. Destes, a Frelimo irá indicar três, a Renamo dois, o Movimento Democrático de Moçambique um e a sociedade civil oito.

Sobre o STAE

O Secretariado Técnico de Administração Eleitoral continuará a ter um quadro de pessoal permanente, nomeado nos termos do Estatuto Geral dos Agentes e Funcionários do Estado, mediante concurso público, aprovado pela Comissão Nacional de Eleições, sob proposta do seu director-geral e dos seus directores-gerais adjuntos.

Porém, em períodos eleitorais, que vão da marcação do recenseamento até à validação dos resultados pelo Conselho Constitucional, o quadro de pessoal deste órgão integra elementos provenientes dos partidos políticos com assento no Parlamento, com observância do princípio de igualdade e equilíbrio.

Deste modo, a nível central o STAE passará a ter 18 membros indicados pelos três partidos políticos com assento no Parlamento, sendo nove da Frelimo, oito da Renamo e um do MDM. Destes, serão indicados um director-geral, dois directores-gerais adjuntos, directores nacionais e seis directores nacionais adjuntos.

Os seis directores nacionais adjuntos serão indicados somente nos períodos eleitorais, sendo três pela Frelimo, dois pela Renamo e um pelo Movimento Democrático de Moçambique. Ainda nos períodos eleitorais, este órgão integrará dezoito técnicos provenientes dos partidos políticos com assento no Parlamento, sendo nove da Frelimo, oito da Renamo e um do MDM.

Nível provincial, de cidade ou distrital

A nível provincial, o STAE terá 15 elementos, sendo três da Frelimo, dois da Renamo, um do MDM e nove da sociedade civil. No que diz respeito à estrutura, será composto por um director-geral, dois directores provinciais, dois directores provinciais adjuntos, chefes de departamentos e seis chefes de departamentos adjuntos indicados pelos partidos políticos representados no Parlamento, sendo três da Frelimo, dois da Renamo e um do MDM. Também serão integrados seis técnicos provenientes de partidos políticos com assento na Assembleia da República, dos quais três da Frelimo, dois da Renamo e um do MDM. Esta estrutura mantém-se a nível de cidade ou distrital, substituindo-se apenas o cargo de chefe (ou adjunto) de departamentos pelo de sectores.

Retorno à partidarização e ao despesismo

Este novo figurino dos órgãos eleitorais, para além de ser oneroso aos cofres do Estado e, consequentemente, aos bolsos dos cidadãos, marca um recuo à sua profissionalização, pois os partidos políticos com assento na Assembleia da República vão ocupar mais de três quartos dos lugares.

Só para se ter uma ideia, com esta revisão, deverão ser integrados na Comissão Nacional de Eleições e no Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, a todos os níveis (central, provincial, distrital e de cidade) cerca de 1.200 representantes de formações políticas, o que acarreta custos uma vez que (alguns) têm direito a uma viatura protocolar e de afectação pessoal remuneração, residência do Estado ou subsídio de renda, viajar em classe executiva, assistência médica e medicamentosa, remuneração, subsídios e abonos.

Por exemplo, os dezassete membros da Comissão Nacional de Eleições, para além da remuneração, têm direito a um subsídio de água, luz, telefone, , empregados domésticos, despesas de representação, uma viatura protocolar e de afectação pessoal e combustível.

Já nas comissões provinciais, os membros têm um subsídio igual ao vencimento de um director provincial adjunto, viatura de afectação individual, assistência médica e medicamentosa, viajar em classe executiva, entre outras regalias. Os das comissões distritais ou de cidade recebem um subsídio igual ao de um director de serviço distrital. O presidente e os vice-presidentes têm o estatuto de secretário permanente e têm direito a uma motorizada de afectação individual.

O que dizem as bancadas

No fim da sessão, foi visível a discórdia que reinava no seio do partidos, apesar de terem aprovado as propostas por unanimidade. A Frelimo julga que as mesmas representam um retrocesso ao processo que vinha sendo levado a cabo visando a profissionalização dos órgãos eleitorais, enquanto o MDM considera-se injustiçado tendo em conta o número de representantes que deve indicar.

“Aprovámos as propostas em nome da paz e da democracia, mas as mesmas representam um retrocesso porque estávamos a caminhar para uma CNE menos partidarizada e mais técnica. Mas a Renamo veio inverter tudo, contrariando os apelos que têm sido feitos no sentido de não confundir o árbitro com o jogador. (…) não ganharam os partidos, nem as bancadas. Ganhou o povo moçambicano. As propostas podiam ter sido aprovadas em Agosto, durante a Sessão Extraordinária, mas a Renamo não as submeteu porque esperava uma Frelimo insensível. Demos o nosso voto favorável em nome da democracia e da paz. Esperamos que isso signifique o calar das armas. Os partidos devem munir-se de ideias e não de armas”, Galiza Matos Júnior, Frelimo

“As propostas visavam corresponder aos vários clamores relativos à necessidade de termos eleições livres, justas e transparentes, sob supervisão e coordenação de órgãos da administração eleitoral que respeitam os princípios de igualdade e equilíbrio nos seus actos. (…) O Parlamento mostrou, ao votar por consenso, que é possível trabalhar em conjunto em prol do povo moçambicano. Em democracia não pode haver vencedores antecipados”, Arnaldo Chalaua, Renamo

“Lamentamos o facto de não termos sido convidados a participar no diálogo na qualidade de partido com assento parlamentar e integrante dos órgãos eleitorais, mas entendemos que o consenso alcançado entre o Governo e a Renamo vai permitir o restabelecimento da normalidade no país, que esteve mergulhado numa tensão político-militar. (…) Mostramos ao mundo que é possível trabalhar-se em conjunto para o bem do país e dos moçambicanos”, José de Sousa, MDM.

Opinião dos partidos extraparlamentares

“O Parlamento deu um passo importante, mas não determinante. Os moçambicanos vão continuar a viver com medo porque o país tem dois exércitos. É necessário implementar os protocolos do Acordo Geral de Paz para que a Renamo aceite desmilitarizar-se. Sem isso estaremos a viver num clima de guerra. Por outro lado, a presença da Renamo nos órgãos eleitorais, nomeadamente na Comissão Nacional de Eleições e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, a todos os níveis, não é suficiente para garantir que os pleitos sejam livres, transparentes e justos enquanto a Polícia for instrumentalizada pela Frelimo e ou para hostilizar a oposição.

Não vejo como podemos ter eleições justas só porque a Renamo está lá representada. A Frelimo tem a Polícia, que vai continuar a agredir, prender e a matar membros de partidos da oposição. Portanto, temos de ter uma Renamo desmilitarizada e uma Polícia apartidária, mas isso passa pela discussão, à mesa do diálogo, do ponto referente à Defesa e Segurança.

Urge implementar os protocolos do Acordo Geral de Paz, com destaque para os referentes a questões de Defesa e Segurança, que previam a constituição de um Exército composto por elementos provenientes de ambas as partes, nomeadamente o Governo e a Renamo, e a integração dos homens da “perdiz” nas fileiras da Polícia da República de Moçambique”, Francisco Campira, porta-voz da Oposição de Mãos Dadas

“Saudamos o acordo alcançado entre o Governo e a Renamo e os deputados por terem aprovado por consenso a revisão da legislação eleitoral. A paz e a democracia saem mais fortalecidas. Porém, há algo que nos inquieta: o facto de o Governo ter preparado as eleições gerais de 15 de Outubro sem a presença da Renamo nos órgãos eleitorais. Pode estar a ser preparada uma armadilha aqui.

Na nossa opinião, todo o processo de preparação devia ter sido interrompido para permitir que a Renamo indicasse os seus membros para integrar os órgãos eleitorais para não haver problemas depois. (…) Se a Renamo perder pode não reconhecer os resultados alegando que não esteve na preparação das eleições e que houve fraude. Por exemplo, até agora este partido ainda não tem fiscais nas brigadas de recenseamento, fase muito importante de todas as eleições. Devia-se ter ficado à espera da aprovação da proposta de revisão para se definir um calendário eleitoral”, Yaqub Sibindy, presidente do Partido Independente de Moçambique (PIMO)

“A revisão da legislação eleitoral é bem-vinda, apesar de não terem sido incluídos os partidos extraparlamentares, como é o caso do Partido Humanitário de Moçambique. Na nossa opinião, estas formações políticas deviam, ao menos, ter sido consultadas antes deste exercício. Também têm algo a dizer porque participam na vida política do país. Mais: trata-se de uma lei que, doravante, vai reger os processos eleitorais e todos os intervenientes têm o direito de contribuir”, Filomena Mutoropa, Partido Humanitário de Moçambique (PAHUMO)

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