Tornou-se algo normal no nosso país registarem-se problemas durante o recenseamento eleitoral, uma das etapas que antecedem os pleitos eleitorais. São, na verdade, situações recorrentes e, até certo ponto, previsíveis, às quais os órgãos eleitorais preferem reagir enquanto o processo decorre, ignorando a máxima segundo a qual “mais vale prevenir que remediar”.
Este ano não fugiu a regra. O recenseamento eleitoral, que iniciou no dia 15 de Fevereiro com vista às eleições presidenciais, legislativas e das assembleias provinciais de 15 de Outubro próximo teve problemas logo nos primeiros dias, dentre os quais se destacam as avarias no equipamento, falta de geradores nas zonas sem energia eléctrica, entre outros.
Porém, um dos maiores constrangimentos teve a ver com o facto de o processo estar a decorrer numa época chuvosa, que vai do mês de Novembro ao de Março, uma decisão tomada pelo Conselho de Ministros, sob proposta da Comissão Nacional de Eleições, órgão responsável pela supervisão dos actos eleitorais. Foi uma decisão que violou a legislação eleitoral, que determina que os processos eleitorais, nomeadamente o recenseamento e as eleições, devem decorrer na época seca.
Ignorado este comando, não se podia esperar outra coisa senão problemas durante o processo. Nos primeiros dias do recenseamento, o Secretariado Técnico da Administração Eleitoral veio a terreiro afirmar que tinha sido forçado a adiar o processo em alguns pontos do país devido à chuva, que tornou as vias intransitáveis. Isso fez com que o processo não arrancasse em algumas regiões dos distritos de Chicualacuala e Chibuto (Gaza), Beira e Dondo (Sofala) Quelimane, Ile, Maganja da Costa, Gurúè (Zambézia), Chiúre (Cabo Delgado), Mecanhelas (Niassa), Memba, Angoche, Mecubúri, Malema e Moma (Nampula).
Geradores
Os primeiros dias foram também marcados pela não alocação de geradores a alguns postos em todas as províncias. Só em Inhambane, na primeira semana, o STAE ainda tinha nos seus armazéns 100 geradores que deveriam ter sido distribuídos antes do início do processo. O descaso fez com que não fossem abertos 17 postos de recenseamento no distrito de Zavala, um em Homoíne (Inhambane), 16 em Meconta (Nampula), 13 em Chiúre (Cabo Delgado), e um em Mabalane (Gaza).
Avaria do material
Por outro lado, o cenário que se regista em todos os recenseamentos desde que foi introduzido o novo cartão de eleitor, nomeadamente a avaria do equipamento, voltou a repetir-se este ano e um pouco por todo o país, embora o STAE tenha dito que dispunha de material alternativo. Fora as avarias, houve zonas em que o equipamento não foi alocado a tempo, tal é o caso do distrito de Búzi, na província de Sofala. Estas situações ditaram o início tardio e, nalguns casos, a interrupção do processo.
O director-geral do STAE, Felisberto Naife, quando convidado a pronunciar- se sobre o assunto, disse que o problema se devia ao mau manuseamento das máquinas por parte dos lelementos que compõem as brigadas e também à fraca capacidade das suas baterias. Segundo Naife, o transporte constante das máquinas para locais de difícil acesso causava, por vezes, desconexões nalgumas componentes, o que, por causa de desconhecimento, leva os indivíduos ligados às brigadas a pensarem que se trata de avarias.
Equipamento custou cerca de 545 milhões de meticais
O equipamento em causa foi fornecido pelo consórcio constituído pela Artes Gráfica e pela Lithotech, empresas moçambicana e sul-africana, respectivamente, e terão custado ao Estado moçambicano 544.108.838 meticais, cerca de 18 milhões de dólares norte-americanos. O mesmo é composto por 4200 kits, sendo que 1700 foram usados para a actualização do recenseamento do ano passado com vista à realização das quartas eleições autárquicas, que decorreram no dia 20 de Novembro em 53 municípios.
Entretanto, no ano passado o consórcio foi notificado pelos órgãos eleitorais para que substituísse o equipamento e as impressoras devido, por um lado, às constantes avarias e, por outro, à incompatibilidade das impressoras com os tinteiros. Este ano, segundo o STAE, o fornecedor foi de novo instado a resolver o problema do equipamento, que apresenta(va) problemas, o que fazia com que alguns postos ficassem dias fechados enquanto se esperava pela reparação ou alocação de um novo computador.
Cidadãos longe dos postos
Entretanto, situação preocupante verifica-se quanto aos eleitores, que continuam a não afluir aos postos de recenseamento, que estiveram dias às moscas, havendo casos de membros de brigadas que registavam menos de 10 pessoas por dia. Por exemplo, nas primeiras cinco semanas do processo, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) só tinha conseguido registar um total de 3.345.177 eleitores, número correspondente a 36.58 porcento de um universo de 9.143.923 previstos.
Felisberto Naife disse, na altura, que tal se devia à chuva e que, com o seu abrandamento, o índice de afluência aumentou, principalmente nas províncias da Zambézia e Nampula, os maiores círculos eleitorais do país, e na de Tete. Alguns membros das brigadas e supervisores do processo, ouvidos pelo @Verdade, indicam que tal se deveu à fraca campanha de educação cívica levada a cabo pelos agentes contratados pelo Secretariado Técnico de Administração Eleitoral.
Chuvas: órgãos eleitorais foram alertados pela Renamo
De todos os problemas, destaque vai para a falta de acesso a alguns postos nas províncias afectadas pelas chuvas, uma situação que já tinha sido acautelada pela Renamo quando pediu que o recenseamento fosse adiado pela segunda vez. A Renamo invocou, como motivos para o pedido de adiamento do processo, o facto de se estar (na altura) na época chuvosa, o que poderia contribuir para a fraca afluência dos eleitores aos postos de recenseamento, assim como chamava a atenção para a possibilidade de algumas zonas do país ficarem sitiadas.
“A chuva é um factor desfavorável. Realizar o recenseamento entre Fevereiro e Abril é um desafio à natureza, do qual o homem sempre sai derrotado”, disse Fernando Mazanga, na altura porta-voz do partido. Porém, o Governo e os órgãos eleitorais ignoraram o alerta da “Perdiz” e optaram por avançar com o processo, mas o tempo (neste caso a chuva) encarregou- se de provar que a decisão foi precipitada e, até certo ponto, emocional.
Número de postos criados
O Secretariado Técnico de Administração Eleitoral criou um total de 6.689 postos de recenseamento em todo o país. Para o efeito, foram formados 4.078 indivíduos para registar 9.144.134 potenciais eleitores que, adicionados aos 3.059.579 registados no ano passado durante as quartas eleições autárquicas, totalizarão 12.203.713.
Cartões falsos
Em Nampula, concretamente no distrito de Angoche, a Renamo denunciou a existência de cartões falsos, ou seja, com carimbo falso e sem as impressões digitais dos titulares. Para este partido, estas situações fazem parte da preparação de uma fraude nas eleições do dia 15 de Outubro. O delegado provincial da “Perdiz” em Nampula, Benjamim Cortes, acredita que as mesmas irregularidades poderiam estar a acontecer nos outros distritos da província de Nampula, assim como de todo o país. Há ainda brigadas que funcionam em locais não previstos nos mapas do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral.
Confrontado com a situação, o presidente da Comissão Nacional de Eleições, Abdul Carimo, afirmou desconhecer os casos porque as denúncias não foram apresentadas aos órgãos eleitorais no sentido de se tomar as devidas medidas contra os indivíduos envolvidos. Curiosamente, dias depois, o STAE viria a admitir a existência de cartões sem impressões digitais mas alegou que tal se devia ao facto de as máquinas não detectarem as impressões digitais dos seus titulares em virtude de estes desenvolverem trabalhos que desgastam as mãos.
Segundo Jacinto Manuel, chefe do Departamento de Operações e Organização dos Processos Eleitorais no STAE, os pedreiros, mecânicos e garimpeiros são exemplos de cidadãos cujas actividades corroem as mãos a ponto de os dedos não apresentarem impressões digitais. Sobre os carimbos falsos, Jacinto Manuel não confirmou nem desmentiu as notícias postas a circular, tendo dito apenas que o assunto estava a ser averiguado.
Vozes dos partidos
“O recenseamento está a ser problemático. Por exemplo, a localização dos postos não foi bem feita. Há pessoas que têm de andar mais de 10 quilómetros (ou acima disso) para poderem recensear-se, quando nas cidades temos um posto a cada esquina. Na cidade de Maputo, por exemplo, temos postos em todas as escolas, algumas separadas apenas por um muro, quando nos distritos a situação é diferente, o que faz com que os eleitores não se registem.
Por outro lado notámos que há mais brigadas em zonas de influência do partido no poder. Onde a oposição tem mais aceitação acontece o contrário. (…). Mas o grande erro foi ter-se marcado o recenseamento para uma época chuvosa. Quando chove as vias ficam intransitáveis. Quando a chuva não provoca estragos, as pessoas preocupam- se mais em semear porque precisam de comer”, PIMO
“O recenseamento começou sem a presença da Renamo nos órgãos eleitorais. Estamos em desvantagem e temos consciência disso. Por um lado processo começou antes de a Renamo ter fiscais em todos os postos de recenseamento eleitoral. Não integrámos os órgãos eleitorais antes porque queríamos que a legislação eleitoral fosse revista e isso já aconteceu.
A Renamo vai ocupando o seu lugar gradualmente. Antes tarde do que nunca. (…) Por outro lado, a Renamo pediu que o recenseamento fosse adiado para que o mesmo foi feito na época seca, mas não foi ouvida e o resultado foi o que se viu. As vias ficaram intransitáveis e as brigadas não tiveram como chegar aos postos. Mais, nas zonas onde o nosso partido tem maior inserção o processo está a ser inviabilizado pelo partido no poder através dos órgãos eleitorais. As máquinas avariam constantemente, para além de haver poucos postos”, Renamo
“Constatámos graves irregularidades durante o processo, dentre as quais as avarias do equipamento, a movimentação constante das brigadas de recenseamento e a inexistência de postos nalguns locais. (…) Várias brigadas de recenseamento eleitoral não funcionaram o período todo devido a estes problemas, outras foram deslocadas sem que os partidos fossem avisados. Há brigadas móveis que funcionam apenas em cinco dos 15 dias previstos. Muitos destes casos aconteceram na zona centro do país”, MDM
Governo alarga período de recenseamento eleitoral por mais dez dias
O Governo moçambicano prorrogou por mais dez dias o período do recenseamento eleitoral que estava previsto terminar esta terça-feira (29). A decisão foi tomada durante a 13ª sessão do Conselho de Ministros, depois de analisada a proposta submetida pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) para o efeito. De acordo com o porta-voz do Governo, Alberto Nkutumula, o objectivo da prorrogação prende-se com a necessidade de se elevar a actual percentagem dos eleitores inscritos.
Até agora, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) conseguiu recensear, em todo o país, 9.917.653 potenciais eleitores, o equivalente a 81.3 porcento. Por sua vez, na fundamentação da proposta de prorrogação, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) alega que o número de eleitores actualmente inscrito está aquém do previsto, situação causada por eventos de natureza política, material, climatérica e logística.
“Nesta esteira o Conselho de Ministro, concordando com a proposta da Comissão Nacional de Eleições, aprovou este decreto que estabelece que o período de recenseamento eleitoral é prorrogado por 10 dias contados a partir do dia 30 de Abril até o dia 9 de Maio de 2014”, informou Nkutumula.
O porta-voz do Executivo diz ainda que neste período de prorrogação, o Secretariado Técnico de Administração Eleições (STAE) deve intensificar a campanha de educação cívica e alocar mais meios materiais e humanos, sobretudo àquelas províncias e distritos onde os número de eleitores inscritos se mantém abaixo do esperado. Sabe-se, no entanto, que o alargamento do período de recenseamento eleitoral foi solicitado pela Renamo que considerava haver vários constrangimentos no processo, em vários pontos do pais, sobretudo na região centro.
Recenseados 82 porcento dos eleitores
Os últimos dados do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral indicam que até ao dia 29 de Abril, último dia do recenseamento, e antes de o Governo anunciar a prorrogação do processo por mais 10 dias, tinham sido registados em todo o país 10.067.323 eleitores, dos 12.203.727 previstos, o que corresponde a 82.39 porcento.
Segundo Felisberto Naife, director-geral do STAE, devido à prorrogação, as brigadas vão continuar no terreno e o desafio é que todos os cidadãos moçambicanos que ainda não se recenseiem o façam durante este período. Por isso, o órgão que dirige está organizado e preparado para que isso se efective. Entretanto, de acordo com os dados apresentados pelo STAE, as províncias de Niassa, Nampula e Zambézia merecerão especial atenção pelo facto de estarem longe de atingir as metas.
É que estas províncias registaram entre 75 e 80 porcento dos eleitores previstos. Num outro desenvolvimento, Naife fez saber que a prorrogação vai custar aos cofres do Estado cerca de 70 milhões de meticais, os quais serão aplicados no aluguer de viaturas para o transporte de pessoal e material e despesas com os membros das brigadas e agentes de educação cívica.
Ataques armados impedem recenseamento eleitoral em Gorongosa
Até ao fecho desta edição, na quarta-feira (30), milhares de eleitores ainda continuavam por se recensear nas localidades de Casa Banana, Chionde, Domba, Piro, Mucodza, Mussicadzi e no posto administrativo de Vundúzi, no distrito Gorongosa, na província de Sofala. Por detrás desta situação estão os confrontos entre as Forças de Defesa e Segurança e os homens armados da Renamo, que impedem a entrada dos membros das brigadas naquele ponto do país.
Depois dos ataques de terça (22) e quarta- -feira (23), que resultaram na morte de dois militares e no ferimento de outros cinco, dos quais um civil atingido quando trabalhava na sua horta, na madrugada do último sábado (26), as duas partes voltaram a confrontar-se na localidade de Canda, sem registo de vítimas. Entretanto, o mesmo ataque fez com que as oito brigadas do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), que deviam proceder ao recenseamento dos cidadãos das regiões em causa, ficassem retidas na vila-sede do distrito de Gorongosa.
Estima-se que haja perto de 16 mil pessoas ainda por recensear, o que não está a ser possível devido aos confrontos em Gorongosa, pese embora a Renamo e o Governo estejam em diálogo político no Centro de Conferências Joaquim Chissano, na cidade de Maputo.
Todavia, a população das áreas afectadas percorre dezenas de quilómetros para se recensear na vila-sede de Gorongosa com vista garantir o exercício do seu direito de voto nas próximas eleições presidenciais, legislativas e das assembleias provinciais, marcadas para o próximo dia 15 de Outubro.
Afonso Dhlakama, líder da Renamo, há seis meses em parte incerta, também ainda não se recenseou porque para o efeito prevalecem “questões técnico-militares”, segundo a Comissão Nacional de Eleições (CNE), que previa que ele o fizesse até segunda-feira (28). António Brás, vice-presidente da CNE, disse a jornalistas, em Gorongosa, que estão em curso conversações entre as partes envolvidas no conflito político-militar de modo a assegurar que as brigadas tenham acesso às referidas regiões com vista a inscrever os eleitores.
Na quinta-feira passada (24), Paulo Cuinica, porta-voz da CNE, disse à comunicação social que a Ranamo havia dado garantias de que não haveria nenhum ataque para permitir que o recenseamento decorresse naquele distrito e que o envio de brigadas tinha sido resultado do entendimento entre as partes em conflito.
A Renamo e o Governo têm os seus elementos que integram as referidas brigadas, por isso, esperava-se que nenhuma das partes protagonizasse ataques. Contudo, não se percebe o que terá falhado a ponto de as mesmas (brigadas) serem impedidas de levar a cabo o seu trabalho.