Cerca de 40 por cento dos rubis no mundo encontram-se em Montepuez, no Norte de Moçambique, e são explorados por uma multinacional inglesa associada a um histórico general da Luta Armada de Libertação. Paralelamente à exploração de pedras preciosas cidadão apontados como garimpeiros ilegais são violentados e assassinados.
Mila Kunis, encarna exactamente o tipo de mulher, jovem, sensual, enigmática, influente que a Gemfields, a líder mundial no fornecimento de pedras raras colorida, rubis e esmeraldas, deseja como sua embaixadora. A actriz de Hollywood de 32 anos de idade, bem conhecida pelo seu papel interpretado nos filmes Black Swan e Oz the Great e Powerful, estrela um recente vídeo promocional da multinacional Britânica exibe jóias criadas a partir das pedras extraídas em Montepuez, a maior concessão mundial de rubis, uma das últimas aquisições da Gemfields.
Localizada a norte de Moçambique, na província de Cabo Delgado, presume-se que a concessão de Montepuez seja responsável por 40 por cento do fornecimento mundial desta pedra preciosa associada a riqueza e a realeza.
O vídeo promocional é carregado de uma qualidade de algo imaginário. As aparições eloquentes da Kunis, adornada com o que a empresa baseada no Reino Unido descreve como “a pedra mais preciosa e venerada do mundo”, quase num movimento sensual e sedutor vai flutuando no ecrã de dentro para fora e vice-versa, os seus lábios carregados de uma tonalidade forte de batom vermelho contrastando com o brilho dos brincos, pulseiras e colar salientes, cuja essência é enaltecida pela sua pele descolorada.
Para Gemfields, que gasta uma quantidade substancial da sua receita para trazer pedras preciosas coloridas “de volta para a sua posição de direito, pelo menos, igual aos diamantes”, como refere o líder do executivo da Gemfileds, Ian Harebottle numa entrevista em 2011, Kunis tem sido a combinação perfeita.
Na hecatombe de diferenciar os diamantes das suas pedras preciosas vermelhas, que ficaram associadas aos conflitos armados que derramam sangue africano, a Gemfields encontrou alguém que “partilhou (os seus) valores do sistema”, conforme diz Harebottle num vídeo promocional sobre o trabalho da Gemfields em Moçambique.
Para a empresa, muito está em jogo. Nos recentes leilões, os rubis de Montepuez renderam a empresa 689 dólares norte-americanos por quilate, 10 vezes mais que o preço conseguido em 16 leilões anteriores de esmeraldas da mesma multinacional inglesa.
Os leilões dos rubis de Montepuez são extremamente concorridos, gerando para a empresa milhões de dólares norte-americanos em lucro, num leilão realizado em Junho de 2014, em Singapura, a empresa encaixou 33,5 milhões norte-americanos. Numa venda posterior a receita chegou aos 122,2 milhões norte-americanos.
Passam sete anos desde que os primeiros jazigos de rubis foram descobertos em Namanhumbir, um local que dista algumas centenas de quilómetros da sede do empobrecido distrito de Montepuez onde a Gemfields tem a sua concessão, sob égide da subsidiária moçambicana Montepuez Ruby Mining, Limitada, onde detém 75 por cento. Os restantes 25 por cento pertencem a empresa moçambicana Mwiriti Limitada onde é sócio maioritário o histórico general, e influente membro do partido Frelimo, Raimundo Pachinuapa.
Ricaços de sangue vermelho
Descoberto por um camponês em 2009, o jazigo de pedras preciosas de Namanhumbir foi rotulado pelo Instituto de Gemologia dos Estados Unidos da América como “ a maior descoberta de rubis” do século XXI, as gemas são de uma qualidade excepcional, cor e brilho.
Sem grande surpresa a descoberta atraiu moçambicanos e estrangeiros com o desejo de enriquecer a todo custo.
Um desses indivíduos foi Raimundo Pachinuapa, membro do Comité Central e da poderosa Comissão Política do partido no poder em Moçambique, antigo combatente com a patente de general e ex-governador da província de Cabo Delgado, onde justamente fica localizada o jazido de pedras preciosas.
Pachinuapa alega ter adquirido o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra da região onde está localizado o jazigo porém os membros do Comité de Gestão comunitária de Namanhumbir descrevem o acto como usurpação da terra do camponês Suleimane Hassane, que como a maioria dos moçambicanos pobres e analfabetos não estão a par dos seus direitos costumeiros sobre terra que ocupam, mesmo sem a legalizar.
Pouco tempo após Raimundo Pachinuapa ter “adquirido” a propriedade a empresa Mwiriti Limitada, onde o histórico general da Luta Armada detém 60 por cento em parceria com um cidadão de nacionalidade iraniana, identificado pelo nome de Asghar Fakhraleali, obteve uma licença para a exploração das minas de pedras preciosas.
Inicialmente registada com o objecto social principal de “prestação de serviços nas áreas de construção, venda de produtos alimentares, material de escritório, comercialização, distribuição a grosso e a retalho e agenciamento”, a sociedade ampliou, em 2009, o seu objecto social passando a incluir a “prospecção, pesquisa, exploração de recursos minerais, incluindo a importação e exportação”, de forma abarcar a exploração dos 386 metros quadrados do jazigo de pedras preciosas.
Mas com um capital social de apenas 30 mil meticais e sem o conhecimento quer da exploração assim como do mercado internacional de pedras preciosas a Mwiriti Limitada estava pronta para uma parceria internacional.
O parceiro chegou de Londres, oficialmente a 19 de Setembro de 2011, embora a Gemfields já estivesse no continente africano, na Zâmbia, onde explorava esmeraldas.
Após tornar-se sócia do general Raimundo Pachinuapa, por 2,5 milhões de dólares norte-americanos, a nova empresa, Montepuez Ruby Mining, Limitada (MRM), solicitou uma concessão mineira para 34, 966,1 hectares ao Estado moçambicano, no dia 20 de Setembro, sendo a concessão atribuída em menos de dois meses.
Violência, brutalidade e execuções de garimpeiros ilegais
“Para inglês ver” a multinacional anuncia publicamente que, ao contrário de outros empreendimentos na mineração em África, a Gemfields pauta pelas boas práticas “definindo novos padrões ambientais, sociais e de segurança no sector das pedras preciosas coloridas”.
Mas o que de facto tem acontecido em Montepuez, paralelamente à exploração oficial de pedras preciosas, e após a usurpação de terra dos camponeses, foi uma escalada de violência e brutalidade com relatos de execuções de alegados garimpeiros ilegais, a tiro ou simplesmente enterrados vivos.
Para protecção da sua concessão mineira, inicialmente a MRM empregou duas unidades da Polícia da República de Moçambique (PRM), a polícia regional de protecção e a Unidade de Intervenção Rápida (UIR).
Além destas forças a Montepuez Ruby Mining emprega perto de uma centena de homens de uma empresa privada de segurança, moçambicana, e mais de quatro centenas de seguranças privados de uma empresa sul-africana.
De acordo com a empresa de mineração de pedras preciosas os seus seguranças não estão desarmados existindo alguns com pouco mais de uma dezena de espingardas que usam balas de borracha.
Embora a MRM alegue não exercer influência sobre as forças da PRM, cuja missão é guarnecer os jazigos de rubis dentro e fora das concessões da empresa, na verdade providencia a assistência logística as forças governamentais incluindo acomodação.
Em comunicado a empresa diz que “categoricamente refuta qualquer dedução, acções, sanções com recurso ao uso violência. Quer por parte da Montepuez Ruby Mining Ltd assim como os seus agentes, empregados ou contratantes não estão envolvidos em actos intimidatórios com recurso a violência contra a comunidade local”.
Esta investigação teve o apoio do Fundo de Jornalismo Investigativo e foi publicado por Foreign Policy e 100Reporters