Para as eleições do próximo domingo, 3 de Outubro, cerca de 135 milhões de brasileiros são chamados às urnas para eleger o homem ou a mulher que irá suceder a Luís Inácio Lula da Silva, em funções desde Janeiro de 2003 e que, por determinação constitucional, não poderá concorrer a um terceiro mandato consecutivo. Se no domingo nenhum dos candidatos obtiver a maioria absoluta dos votos expressos, haverá necessidade de um recurso a uma segunda volta prevista para 31 de Outubro com os dois candidatos mais votados na primeira.
O vencedor será investido nas suas funções no dia 1 de Janeiro de 2011. Neste escrutínio está ainda em jogo a eleição de 513 deputados federais, 54 dos 81 senadores e 27 governadores de Estado. No Brasil, o voto é obrigatório para cidadãos entre os 18 e os 65 anos, e facultativo para os que têm entre 16 e 18 e para os de mais de 65 anos.
José Serra – O eterno opositor 68 anos, Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB)
É a sua última hipótese e ele sabe disso melhor do que ninguém. “Preparei- me toda a minha vida para ser presidente”, repete José Serra, de 68 anos. Nunca esteve tão perto e ao mesmo tempo tão longe do objectivo. Em 2002, aquando da sua primeira tentativa, Lula bateu-o copiosamente. Agora, oito anos volvidos, Lula já não será o seu adversário mas Serra irá indirectamente lutar contra ele.
Primeiro porque o Presidente se empenhou a fundo na campanha para eleger o seu delfim, Dilma Rousseff. Mas sobretudo porque a enorme popularidade de Lula joga a favor desta última, obstaculizando a eleição de Serra. Ela obriga a uma estratégia subtil: render homenagem a Lula, nunca atacá-lo, honrar a sua herança, tudo assegurando que ele é, em virtude da sua experiência, o candidato melhor colocado para frutificar os mandatos de Lula.
Filho único de uma família modesta, cresceu em Mooca, um popular bairro italiano de São Paulo. Em 1964, a ditadura militar força-o ao exílio no Chile. Em 1973, novo exílio. Os golpistas que derrubam Salvador Allende retêm-no num campo de prisioneiros junto ao Estádio Nacional antes de conseguir sair para os Estados Unidos. Regressado ao Brasil, enceta em 1982 um percurso político ideal: secretário da economia no governo estadual de São Paulo, deputado, senador, ministro do plano e da saúde de Fernando Henrique Cardoso, presidente do município de São Paulo, governador do Estado de São Paulo.
Co-fundador em 1988 do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), orgulha-se, no mesmo ano, de ter participado activamente na elaboração da Constituição. O seu trabalho à frente do ministério da Saúde foi reconhecido por todos como tendo sido muito bom. Os brasileiros devem-lhe a introdução dos medicamentos genéricos, a generalização da prevenção e o acesso gratuito aos antiretrovirais no que diz respeito à SIDA. Soube igualmente fazer frente aos poderosos interesses comerciais neste campo.
Leitor compulsivo, este intelectual é frequentemente rotulado de altivo e autoritário, acusações das quais ele se defende amiúde. Com alma de professor acredita piamente nas virtudes da pedagogia. Durante o seu mandato de governador, não deixou de leccionar duas horas por semana em universidades públicas. Gosta de citar Guimarães Rosa, um dos seus escritores brasileiros favoritos: “O professor não é aquele que ensina, mas aquele que, sem cessar, aprende.”
Marina Silva – A antiga discípula 52 anos, Partido Verde (PV)
Compara-se a uma jaguatirica, o ocelote da Amazónia, este gato selvagem pacífico e ligeiro, mas quando ataca fá-lo com todas as garras de fora. Marina Silva possui a paciência intrépida de um felino. Doce, frágil e determinada. Em Maio de 2008, a ministra brasileira do Ambiente renuncia. O presidente Lula, seu patrono e amigo, não a apoia, explica ela, no seu combate por um desenvolvimento sustentável.
Em 2009, abandona o Partido dos Trabalhadores (PT) e adere ao pequeno Partido Verde (PV). Sob a sua bandeira apresenta-se agora na luta pela cadeira do palácio do Planalto. A história de Marina Silva é semelhante à de Lula. Proveniente de uma família pobre e numerosa, ela, como ele, teve de se fazer à vida bem cedo. E talvez ainda com mais mérito por ser mulher e mestiça. Marina Silva nasceu em 1958 numa pequena comunidade de seringueiros do Estado de Acre, na Amazónia. Corre-lhe nas veias sangue português e dos antigos escravos.
Na universidade descobre o marxismo, tornando- se professora de História e feroz militante anti-ditadura o que a leva para o mundo sindical. Conselheira municipal e mais tarde membro da Assembleia Legislativa local, torna-se, aos 35 anos, a mais jovem senadora da história do Brasil. Enquanto ministra batalha contra os adeptos do crescimento a qualquer preço. Face ao agro-business, opõe-se veementemente à soja transgénica. Porém, em vão. Consegue, contudo, reduzir em muito o ritmo de desflorestação da Amazónia. Mas enquanto pretende impor a cada projecto um escrupuloso respeito pelo ambiente, apercebe-se de que Lula, sem lhe dizer, acobarda-se, e Marina apresenta a sua demissão.
Embora evitando os ataques pessoais, critica os partidos que, de acordo com os seus pontos de vista, não entendem a força da “grande utopia do século XXI”: o desenvolvimento sustentável. Mãe de quatro filhos de dois maridos, Marina Silva possui uma personalidade complexa, politicamente progressista e socialmente conservadora. Nesta eleição tem claramente uma desvantagem: a fraca influência do Partido Verde, o que lhe limita muito o tempo da antena na televisão pública.
As sondagens atribuem-lhe 10% dos votos, mas a sua presença na corrida presidencial contribuiu para que os problemas ambientais fossem um dos grandes temas da campanha.
Dilma Rousseff – A herdeira designada 62 anos, Partido dos Trabalhadores (PT)
Se Dilma Rousseff se tornar a próxima presidente do Brasil, ela conseguirá um feito raríssimo: aceder à presidência de uma das maiores democracias do mundo apesar de nunca ter cumprido qualquer mandato eleitoral. Sem pretender retirar-lhe mérito pessoal, Dilma ficará a dever a vitória nestas eleições ao apoio incondicional de Lula.
A história deste ‘casal’ é recente. Dilma só aderiu ao PT no ano 2000. Lula, o futuro presidente, ficou impressionado com o seu desempenho à frente das minas e da energia de Porto Alegre. Eleito no ano seguinte chefe de Estado, ofereceu-lhe logo o mesmo lugar, mas deste vez a nível federal. Em 2005, oferece-lhe a “Casa Civil” – gabinete presidencial – que faz dela uma primeira-ministra.
Rapidamente, adquire a reputação de uma ‘dama de ferro’, tenaz, exigente e autoritária. Após o afastamento de vários pesos pesados do PT, – o mais mediático foi o de José Dirceu implicado num escândalo de corrupção – Lula viu-se sem herdeiros naturais. Nessa altura, a escolha de Dilma impôs-se.
Nascida em 1947, em Belo Horizonte (Minas Gerais) Dilma Rousseff é filha de um advogado comunista de origem búlgara. O golpe militar de 1964 faz virar esta estudante de liceu em direcção ao militantismo radical de esquerda. Dilma chega mesmo a juntar-se a uma organização que pugna pela luta armada, o que a leva à clandestinidade, após o endurecimento do regime em 1968. O encontro com um comunista de 31 anos, Carlos Araújo, que acaba por se tornar o seu segundo marido, engaja-a ainda mais no combate.
Nesta altura, aprende a manejar armas e a fabricar explosivos, tudo em prol da luta de massas. Quando, em Janeiro de 1970, em São Paulo, cai nas mãos da polícia, enfrenta com particular coragem 22 dias de tortura, saindo da prisão quatro anos depois. Com o fim da ditadura, em meados dos anos ´80, Dilma enceta uma brilhante carreira político-administrativa.
Pouco conhecida do grande público, é sobretudo uma mulher do terreno, acompanhando o Presidente por toda a parte. Com especialistas em comunicação, Dilma aprende a discursar com mais fluência. A sua imagem foi também alterada: emagreceu dez quilos e os pesados óculos foram substituídos por lentes de contacto.
O ‘produto’ Dilma começa a vender bem. Depressa o povo identifica-a como “a candidata de Lula”, o que a torna a principal favorita à vitória.