Embora seja uma doença que afecta muitos moçambicanos, pouco se sabe sobre ela. Alguns chegam a acreditar que seja resultado da feitiçaria. Referimo-nos à alergia ou irritação dermatológica, uma das manifestações da dermatite atópica.
A medicina define esta enfermidade como um problema da pele, caracterizado pela reacção de hipersensibilidade, relacionada com a alergia na pele. Os sintomas mais comuns são a inflamação, a coceira e a exfoliação.
Socialmente, esta doença tem sido alvo de interpretação diversa. Alguns apontam para fenómenos físicos que chegam a coincidir com o que a medicina diz, mas também há quem olha para a irritação dermatológica como um fenómeno resultante da acção sobrenatural do homem, ou seja, como produto da feitiçaria. É o caso de Maria Idrisse, jovem de 33 anos de idade, cujo filho, Larson, de cinco anos de idade, sofre de irritação dermatológica.
Maria diz que o pequeno Larson padece desta daquela doença desde os dois anos de idade. Conta ainda que já fez vários exames no hospital e foram-lhe receitadas algumas pomadas que, segundo os médicos, poderiam estancar a alergia do filho. Mas não surtiram efeito. Volvidos três anos, Maria já perdeu as esperanças de ver o filho curado e só deposita toda a sua fé em Deus.
“Estou à procura de uma solução para este problema. O meu filho já passou por várias clínicas, mas não resultou. Os médicos detectam sempre a mesma coisa (alergia comum) mas nunca conseguem curá-lo. Começo a pensar que não se trata de uma alergia normal. É bem possível que ele (o filho) tenha sido enfeitiçado”, diz.
As irritações dermatológicas, as mesmas que acometem Larson, não têm sido frequentes porque meses há em que desaparecem. A mãe diz que os sintomas começam sempre com alguma febre e mais tarde agudizam-se, afectando mais o peito do pé.
Embora acredite que o problema é fruto de magia negra, a nossa interlocutora não descarta a possibilidade de existirem factores físico-naturais que estejam na origem da doença de que o pequeno Larson padece.
“Os feiticeiros podem estar a lutar para que a doença piore, mas também tenho notado que, sempre que chove, o menino fica assim. A pele dele é alérgica à água da chuva, só não entendo porque a alergia recai somente sobre os pés”, comenta. Mais ainda, Maria diz que a doença tem sido mais frequente no Verão, não descartando, por isso, a hipótese de haver uma ligação entre a estação (Verão) e a eclosão da doença.
A ideia de Maria, segundo a qual o Verão tem sido a época de maior eclosão desta doença, é partilhada por Joaquina dos Anjos, que também tem o seu neto a passar pela mesma situação.
Encontrámo-la em frente à empresa Mogás, onde, segundo ela, as pessoas recebem o medicamento. Entretanto, embora concorde com Maria, segundo a qual o Verão, por ser caracterizado por chuvas intensas, é propício à eclosão desta doença, Joaquina descarta a possibilidade de esta estar ligada à feitiçaria.
Ela diz que a exposição à chuva e a águas residuais a que muitas crianças têm sido expostas, assim como aos charcos, está na origem do problema. Recorrendo ao exemplo do neto, a nossa fonte disse que no bairro do Chamanculo, onde vive, o menino passa a maior parte do tempo a brincar nos charcos que se criam depois das chuvas.
“Devido à falta de espaços de diversão, as crianças passam a maior parte do tempo nos charcos. Quando chove, elas têm o hábito de mergulhar os pés em águas paradas. Penso que isto é o que provoca a doença”, considera.
A nossa entrevistada conta que não é a primeira vez que isto acontece com o menino e, sempre que isso acontece, tem ido à Mogás onde tem recebido o Acileno que aplica ao neto. “O gás (referindo-se ao Acileno) tem minimizado o drama que o meu neto vive. As feridas desaparecem. Tem um efeito imediato”.
O que a medicina diz?
Para Shuerly Bento, médica dermatologista da clínica de Magoanine, não existe nenhum factor de ordem sobrenatural que precipite a alergia, sobretudo nas crianças.
“Esta alergia é uma manifestação das dermatites atópicas que estão até certo ponto ligadas às mudanças climáticas. Nos últimos tempos, a questão das mudanças climáticas tem sido uma preocupação generalizada. Não podemos descartar a existência de algumas pessoas que não estejam dermatologicamente preparadas para enfrentar as mudanças climáticas e a nova onda de calor, em particular”, explica.
Olhando para a questão das chuvas, a nossa interlocutora disse que a exposição excessiva a ambientes húmidos e secos cria interferências na pele.
“Não se pode dizer categoricamente que a água das chuvas é que provoca as irritações dermatológicas. O que se pode dizer é que há pessoas cuja pele é sensível à humidade, assim como há pessoas dermatologicamente vulneráveis a ambientes secos. Uma das causas da irritação dermatológica é a falta de higiene”.
Em relação à constatação das pessoas segundo a qual a irritação dermatológica afecta apenas os pés, a dermatologista diz não ser verdade porque “há casos de pessoas que sofrem desta irritação noutras partes do corpo, como nas mãos, na parte inferior das nádegas, assim como noutras partes do corpo”.
Dos sintomas à prevenção
Shuerly Bento considera que a coceira intensa é o maior sintoma de qualquer tipo de irritação dermatológica. “Todo o problema dermatológico manifesta-se, principalmente, em forma de coceira”, disse.
Outra forma de manifestação que a médica avança, com maior incidência nos bebés, caracteriza-se por erupções e lesões cutâneas que incidem nas bochechas dos petizes. “Quando uma mãe se aperceber de um destes sintomas deve, de imediato, levar a criança ao hospital porque a infecção ainda se encontra no estado embrionário, o que facilita o tratamento”.
Quando não combatida, a coceira torna-se mais intensa, o que faz com que o alérgico, devido à perturbação e ao stress que isso cria, comece a destruir, com as unhas, a pele, criando feridas. Como consequência disso, pode-se notar maior ou menor pigmentação da pele em relação ao tom normal, ou seja, ela tornar-se escura ou clara.
Como medida de precaução, Shuerly Bento recomenda o não uso de produtos alérgenos enquanto se tiver uma alergia em manifestação, porque isso poderá agudizar o estado da doença. “Qualquer coisa que agrave os sintomas deve ser evitada, sempre que possível, incluindo qualquer alimento alérgeno e irritantes ambientais como, por exemplo, lã e lanolina”.
Embora já se fale de muitas pessoas que optam pelo tratamento ervanário, a médica aconselha-as a recorrerem à medicina convencional porque esta avalia, antes de tudo, a condição da pele, e só depois é que prescreve o fármaco. “É sempre bom e seguro recorrer ao médico porque as características da pele variam de indivíduo para indivíduo”.