Esta crónica é dedicada ao Lázaro Vinho, músico tetense. Falecido.
Lázaro Vinho nasceu em Marara, no distrito de Changara, província de Tete. É um nyungwe natural. E Jesus disse a Lázaro, que dormia no túmulo: Lázaro, surge et ambula (levanta-te e anda). Mas Lázaro Vinho, que cantava e tocava santhsi, não ouviu quando Deus de Jacob e de David e de Abrahama disse isso. Nem ouviu quando Jehová trovejou: Lázaro, abra os olhos e veja! Contemple as Minhas maravilhas!
E Lázaro Vinho morreu longe, como os elefantes. Cego!
Agora vivo em Tete, como podia estar noutro lugar, ou debaixo das sombras da morte, e os meus ídolos continuam os mesmos e perseguem- me. Não tenho medo deles, nem do Fela Kuti que, de tronco nu, perante as câmaras de televisão e diante de toda gente vai-nos dizer: my name is Anikulapo (meu nome é Anikulapo). Kuti também me faz lembrar o Fany Mpfumo, vagando pelos becos – com saída – de Mafalala. E a saída que Fany encontrou foi a morte, regressando ao pó, sem nada, como sem nada veio ao mundo. E deixou-nos Ni wa ma khombo Nkata, transformada superiormente em blues por João Cabaço, esse maronga cuja voz única avassala a minha alma.
Eu sei que amanhã vou ser varado por estas verrumas, por estas espigas de aço que sempre existiram mesmo antes da vinda dos meus ídolos, mas estou-me marimbando para essa transposição, nem quero pensar nisso porque o que sinto neste momento você não sente, nem sabe. Estou na plateia ouvindo e vendo esse menino bonito chamado Nat King Cole, o “Nat”, cantando Fly me to the moon, gingando e mostrando-nos o outro lado da lua.
Já não me lembro bem do James Coburn, o “durão”, interpretando “Flint contra o Génio do Mal” ou “Flint: perigo supremo”, ou ainda “A grande Batalha”. Também não me lembro bem do Marlon Brando, do Bruce Lee, do Clint Eastwood, catapultando os actores americanos negros para o cume em “Adivinha quem vem jantar!”
Os meus ídolos venceram, e o sinal não está fechado para mim. Não quero provar as lágrimas da Elis Regina, com o corpo cheio da doce sativa, que nunca será angoniensis. Mas quero ainda sentir o seu sangue quente, que transborda na voz, de onde vem a alma. Elis tem a alma na voz, como tem o Leite de Vaconcellos. E Mia Couto disse isso: Leite de Vasconcelos tinha a alma na voz.
Gosto muito desse branco – dizia o João Paulo – canta bem como os pretos. João Paulo referia-se a Rui Veloso, de que eu também gosto. Como é que se chama aquele branco que também cantava e dançava como os pretos? Chama-se Elvis Presley! Que agradável ouvi-lo cantar My way! E o meu caminho é feito segundo os meus ídolos, que continuam os mesmos. Gostaria de ser como eles: andar por aí, desprezando a idade como o fazem Brian Jones, Keith Richards, Mick Jagger, Bill Wyman e Charlie Watts, dos Roling Stones.
Sinto-me feliz por ser fi el a este fi lão que tem nas poltronas de ouro os Black Mambazo e o Jaimito Malhathini e o Daíco e a Zena Bacar e a Brenda e o Jaco Maria. Eu sou a ponte entre mim e a minha alma. Quando quero vou, quando quero volto.
Sou incapaz de despir esta roupa que visto desde que nasci. Não consigo mudar e isso me faz feliz. Quero viver deste lado, onde o B.B. King nos vai dizer: blues boys tune e o John Lee Hooker cantará: hobo blues.
Estou na lua, do outro lado onde está o Tony Django e o Tshabalala e o escultor de Deus: Alberto Chissano, que será proibido de comer ovos pelos seus pais, por este alimento multifuncional provocar xireva (propensão à preguiça), mas era mentira. Obviamente!
Estou feliz: os meus ídolos continuam os mesmos!