A presidente Cristina Kirchner e seu marido, o ex-chefe de Estado Nestor Kirchner (2003-2007), estão ameaçados neste domingo, pela primeira vez desde sua chegada ao poder, de perder o controle do Congresso nas eleições legislativas. Cerca de 28 milhões de eleitores argentinos estão a votar em todo o país para renovar parcialmente as cadeiras do Congresso Nacional – a metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado, num pleito considerado uma espécie de termômetro para as eleições presidenciais.
Serão observadas, nele, a indicação de tendências e candidatos favoritos. A eleição presidencial na Argentina está prevista para 2011. Por ser realizado na metade da gestão presidencial é considerado um teste ou uma espécie de plebiscito sobre o governo.
A principal batalha eleitoral será na província de Buenos Aires (centro-leste), onde votam 40% dos eleitores. Um dos primeiros candidatos a votar foi o ex-governador da província de Santa Fé (centro) e candidato a senador Carlos Reuteman, que lidera a chapa do peronismo dissidente na província e cuja vitória poderia lançá-lo para disputar a presidência em 2011.
Os resultados oficiais começarão a ser divulgados três horas depois do encerramento das eleições (21h00 locais, 24h00 GMT). É a primeira vez desde que chegaram ao poder que os Kirchner enfrentam eleições num contexto econômico desfavorável. A Argentina está em recessão segundo os economistas, que contestam as cifras do governo.
Acabaram-se os tempos das taxas de crescimento de 8%, fruto da política de estímulo à industrialização dos Kirchner, o que permitiu levantar a economia após a crise de 2001-2002 com a ajuda da alta dos preços das matérias-primas agrícolas, das quais a Argentina é um dos primeiros produtores mundiais. O líder do partido peronista, Nestor Kirchner, que pode se orgulhar de ter reaberto os processos contra militares acusados de violações dos direitos humanos durante a ditadura (1976-1983), se apresenta como candidato a deputado, apoiado pelo governador e dezenas de prefeitos.
Seu principal adversário, o rico empresário Francisco De Narvaez encarna, com seu aliado, o prefeito de Buenos Aires Mauricio Macri, a volta das ideias neoliberais do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999). “O mais provável é que o partido no poder perca a maioria nas duas Casas”, prevê o analista Rosendo Fraga, do instituto Nova Maioria. Kirchner precisa, então, a todo o preço, levar a província de Buenos Aires, porque isso lhe permitiria gritar vitória e relativizar na noite do pleito uma eventual perda da maioria no Congresso.
O ex-presidente decidiu atirar-se na arena sob o risco de assumir sozinho uma eventual derrota. “Kirchner sempre soube que está prestes a perder a província de Buenos Aires”, observa Jorge Giacobbe, do Instituto Giacobbe e Associados. Ele conseguiu, no entanto, convencer a esposa, a presidente Cristina Kirchner, de antecipar as legislativas de outubro para o dia 28 de junho, para surpreender uma oposição dividida entre dirigentes peronistas decepcionados com o kirchnerismo, a direita liberal, social-democratas, socialistas e os partidos de esquerda em minoria.
O anúncio de eleições antecipadas exacerbou a cólera dos agricultores, que viram nisso uma tentativa de divisão em seu conflito sobre as taxas de exportação com o governo. Os Kirchner, em confronto com a imprensa e taxados de paranóicos por seus detratores, abriram polêmica lançando a ideia de candidaturas “factóide” de governadores e prefeitos já em funções, que renunciariam a seu novo mandato uma vez eleitos.
Esta operação permitiu a Nestor Kirchner fazer campanha com o popular Daniel Scioli, seu ex-vice-presidente e atual governador de Buenos Aires, que não quer nada mais do que continuar governador. Kirchner procurou dramatizar, prevenindo contra uma “volta ao caos de 2001”, a pior crise econômica da história argentina. “Não é uma eleição a mais: é uma escolha entre a volta ao passado e a consolidação de um projeto nacional”, proclamou o marido da presidente, favorável às nacionalizações.
Este recurso à fibra nacional poderia não ser suficiente ante a realidade econômica num país onde 14 dos 40 milhões de habitantes vivem ainda abaixo do umbral da pobreza.