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“Os camponeses estão a dizer não” ao ProSAVANA, “qualquer obstáculo que apareça vamos atropelar”, responde o Governo de Moçambique

“Os camponeses estão a dizer não” ao ProSAVANA

O ProSavana é irreversível em Moçambique e, nem mesmo o coro de objecções dos pequenos agricultores, e da Sociedade Civil, segundo o qual “os camponeses da província de Nampula estão a dizer não”, faz mudar de ideias o Governo, agora de Filipe Nyusi, que pela voz do ministro José Pacheco ameaça: “Qualquer obstáculo que apareça vamos atropelar e passar para a frente”.

O Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA) realizou, na passada sexta-feira (12), uma auscultação que se pretendia pública, embora na realidade seja para japoneses e brasileiros verem, da versão zero do Plano Director do ProSAVANA.

Este programa, que se propõe melhorar as condições de vida dos camponeses de 19 distritos do centro e norte do país foi a debate, pasme-se, na cidade de Maputo. Naturalmente esteve presente apenas cerca de uma dezena de agricultores, que veio à capital moçambicana através das Organizações da Sociedade Civil (OSC) que lutam contra o ProSAVANA, mas que não representam as cerca de 800 mil famílias de moçambicanos que irão sentir o impacto directo deste programa criado e lançado, quase secretamente, pelo Governo de Armando Guebuza em 2011.

O que assistimos, no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano, foi mais uma batalha: de um lado da sala os representantes dos MASA, e dos Governos do Japão e do Brasil, e do outro lado alguns camponeses e os representantes das OSC.

“Queremos transformar os camponeses do ProSAVANA em agricultores competitivos”, começou por dizer José Pacheco, o ministro da Agricultura e Segurança Alimentar que, depois de apresentar em pouco mais de dez minutos o Plano Director (que tem mais de duas centenas de páginas), pediu “intervenções patrióticas” e deixou claro que “qualquer obstáculo que apareça vamos atropelar e passar para a frente”.

Lei está a ser atropelada pelo Governo

Entre os vários obstáculos que já estão a ser atropelados pelo Governo a Lei do Direito à Informação é um deles. “Qual é a base legal com que orienta esta consulta, esta auscultação do ProSavana? Porque se estivermos a seguir o diploma ministerial 130/2006, que é a directiva geral do processo de participação pública estaremos a incorrer aqui em violação de certos princípios. E a última intervenção de Sua Excelência (ministro José Pacheco) acaba por ser contrária a alguns desses princípios estabelecidos nesse diploma ministerial”, questionou Vicente Adriano, da União Nacional de Camponeses de Moçambique interrompendo o ministro com um ponto de ordem.

“Estou aqui na qualidade de membro do Governo da República de Moçambique”, respondeu altivo o ministro Pacheco, e prossegui “o meu pelouro é promover o desenvolvimento agrário e neste quadro achamos por bem, para este ponto específico, trazê-lo para um debate. Quem estiver interessado venha, quem não se sente confortável ou não se sente enquadrado neste desafio de pormos os moçambicanos a produzir que se estabeleça onde se sinta confortável”.

Alice Mabota, activista da Sociedade Civil, lamentou a agressividade do ministro e questionou: “Hoje não estamos como os cidadãos de 1975 que aceitavam tudo, o senhor ministro está na Agricultura desde 1975 e vem acompanhando os problemas da agricultura, a minha pergunta é: o que é que tem falhado para que os camponeses de facto tenham a produção como deve ser? O que é que garante que os “ProSavanas” vão desenvolver a agricultura tal como nós estamos a idealizar nos papéis? Quais são os países que tiveram uma agricultura deste género e que tiveram sucesso?”.

Mabota referiu os insucessos conhecidos em grandes projectos de agricultura que inspiraram o ProSAVANA como é o caso do PRODECER, no Brasil, e questionou se o modelo a ser usado é similar ao da África do Sul onde existem grandes farmeiros, mas poucos camponeses.

“Em 1975, quando aquele Senhor que caiu de avião (Samora Machel) falava dos camponeses ele estava preocupado com a melhoria das vias de acesso, da comercialização, dos preços dos produtos, e na alimentação das pessoas, e nós estamos a dizer que vamos transformar os camponeses? Por favor não são todos os camponeses que podem ser grandes agricultores”, acrescentou a activista.

“Está a trocar terra por um saco de 20 quilos de sal mais um pacote de bolacha”

Os conflitos de terra, envolvendo projectos agrários de larga escala e as populações existentes um pouco por todo Moçambique são uma referência para os camponeses sobre o que esperar do ProSAVANA. Nesta auscultação foram citados vários casos de camponeses que perderam as suas terras em troca de um emprego sazonal mal remunerado, ou de indemnizações irrisórias.

“Na sede do distrito de Malema existe uma empresa que desalojou 10 famílias, uma delas é uma senhora de aproximadamente 70 de idade que viu a sua vida a nascer ali. A família que recebeu a melhor indemnização recebeu cinco mil e quinhentos meticais”, relatou Dionísio André que trabalha com camponeses em Nampula.

Anselmo César, da igreja católica em Nampula, descreveu um caso, que chega a ser ultrajante, que afirmou ter presenciado em Mecubúri, “a Lurio Green Resources está a trocar terra por um saco de 20 quilos de sal mais um pacote de bolacha (…) e é o Governo que leva para lá esses homens, e hoje dizem que o ProSAVANA é do Governo. Isso implica que nós já não podemos acreditar naqueles que vêm de fora.”

De facto a posse da terra é o maior receio dos moçambicanos que serão afectados pelo ProSAVANA pois, se por um lado o Governo promete que o programa não vai ocupar a terra dos camponeses, a verdade é que não existe terra fértil desocupada. A dúvida é onde é que o Governo vai arranjar outra terra que não seja aquela onde hoje estão os pequenos agricultores.

“Estou preocupado com o facto de os membros do Governo não reconhecerem que os camponeses estão a perder as suas terras”, lamentou Cossa Estêvão, da União Provincial de Camponeses de Nampula, que deixou a mensagem dos seus companheiros: “os camponeses da província de Nampula estão a dizer não, não concordamos com este programa.”

Uma das razões apresentadas pelo Governo para sustentar o ProSAVANA é a fraca produtividade dos camponeses. Porém, a União Nacional dos Camponeses, pela voz de Vicente Adriano, contrariou a versão governamental. “Todos os problemas da baixa produtividades recaem sobre o camponês e ignoram-se completamente os problemas institucionais, ignoram o problema de falta de extensionistas neste país, o fraco aproveitamento do potencial hídrico é ignorado, a criação de novos sistemas de irrigação não faz referência ao dimensionamento deste problema”.

ProSAVANA não traz nenhum risco?

As más políticas dos Governos anteriores também são ignoradas para justificar o ProSAVANA, “há anos gritava-se de todos os cantos jatropha, jatropha, todos devíamos produzir jatropha. Mas a pessoa que gritou jatropha esqueceu-se de vir pedir desculpas aos moçambicanos pelas consequências negativas da jatropha” acrescentou Vicente Adriano que foi secundado por um cidadão que se identificou pelo nome de Issufo Tancara.

“Olhando para a história do nosso país, vamos completar daqui a pouco 40 anos, houve vários programas de grande dimensão e na sua maioria eles falharam. Não senti no documento que a equipa que elaborou o documento foi tirar ilações negativas nesses programas de modo a evitar que voltem a acontecer e que de facto este programa contribuísse para melhorar as condições dos nossos camponeses.”

O documento completo da versão zero do Plano Director do ProSAVANA não estava disponível em formato impresso para esta auscultação. Embora tenha sido distribuído, inclusive em formato digital, anteriormente, não é certo que os representantes das 800 mil famílias que vão ser afectadas pelo programa tenham recebido um exemplar do documento escrito em língua portuguesa, que não é dominada pela maioria dos camponeses.

Issufo Tancara foi um dos poucos que terá lido na íntegra o Plano e afirmou ter ficado “preocupado porque o documento traz intenções e não detalha como essas intenções vão ser desenvolvidas, não sei se vai haver um outro documento que vai explicar os procedimentos que vão ser seguidos. Por exemplo, a questão do reforço da segurança de terra, qual é a prioridade que vai ser dada a esse processo?”.

O Plano Zero apresentado menciona apenas os impactos positivos que o ProSAVANA vai trazer. “Gostava de perceber se o ProSAVANA não traz nenhum risco ou se foi uma omissão”, questionou Issufo Tancara que, caso tenha sido uma omissão, pediu para que além dos riscos que o programa pode trazer sejam apresentadas as medidas de mitigação.

“Na lista das culturas prioritárias não aprece a mapira e o arroz e, olhando para a realidade do nosso país, aquela zona onde vai ser implementado o ProSAVANA é onde a mapira é uma das culturas principais, gostava de perceber porque é que a mapira não consta como cultura prioritária”, perguntou também o cidadão Issufo Tancara.

Grande parte das perguntas ficou sem resposta, e faltou tempo para que todos os cidadãos inscritos nesta auscultação (que durou apenas cerca de 3 horas) apresentassem as suas questões. “Vou pedir para esses cidadãos apresentarem as suas opiniões por escrito”, afirmou o ministro da Agricultura e Segurança Alimentar que, relativamente ao quadro legal, Pacheco escudou-se no plano quinquenal e no plano económico e social aprovados na Assembleia da República, pelos votos da bancada maioritária do partido Frelimo. Aguardemos pela próxima batalha sendo certo que, no terreno, o Governo vai materializando a sua vontade como é o caso da inauguração, no passado dia 8 de Junho, pelo Presidente Filipe Nyusi, do Laboratório de Análise de Solos e Plantas, construído em Nampula no âmbito de uma das componentes do ProSAVANA, o Projecto de Melhoria da Capacidade de Pesquisa e Transferência de Tecnologia.

 

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