Em Nampula, o desenvolvimento industrial – há muito almejado – que se verifica está a contribuir para o desaparecimento da prática da cerâmica. O pior é que com a queda, cada vez mais crescente, da sua demanda as famílias que encontram na olaria uma actividade económica vêem as suas rendas comprometidas.
Os oleiros da província de Nampula fabricavam e vendiam os seus objectos no Museu Nacional de Etnologia, localizado no centro da urbe. Em princípio, o local é estratégico por ser bastante visitado por cidadãos estrangeiros, com enfoque para os turistas. É também para lá onde as comunidades locais se deslocavam para comprar utensílios domésticos.
Entretanto, o que, actualmente, se assiste é que poucas pessoas se interessam por aquele tipo de objectos. Em resultado disso, parte dos oleiros está a abandonar a olaria. Recentemente, o Jornal manteve contacto com duas oleiras que – diferentemente dos demais – continuam a praticar a sua actividade a fim de perceber as reais razões do fenómeno.
O drama narrado em uníssono pelas artesãs é que, nos últimos dias, os produtos por si manufacturados têm sido menos comprados. Esta situação está a desencorajar os ceramistas – muitos dos quais abandonaram a actividade. De uma ou de outra forma, a boa nova é que – venha o que vier –ambas as oleiras, com quem interagimos, estão decididas a não abandonar o seu ofício. Nas suas stands de exposição encontram-se panelas de barro, jarras, cabaças, pratos, bonecos, objectos de decoração e vasos a partir dos quais – em grande parte – se mantém a cultura tradicional de um povo.
Ao lado da mãe Marina Amade, de 60 anos de idade, natural do distrito de Moeda, província de Cabo Delgado, começou a dedicar-se à olaria quando tinha oito anos. Juntas, fabricavam panelas de barro com uma capacidade de 25 litros de água, incluindo jarras. Depois da fabricação dos objectos, aos domingos, vendiam-nos num mercado local. A procura pelos referidos produtos foi sempre boa.
Entretanto, quando Marina perde a sua mãe, ao longo da luta de libertação nacional, mudou-se para a cidade de Nampula, onde se juntou a vários ceramistas no Museu Nacional de Etimologia. Para Marina, mudar da sua província para Nampula foi uma acção estratégica, muito em particular, porque ali as possibilidades de garantir a sobrevivência a praticar a olaria eram seguras, afinal a cidade é turística.
Nesse sentido, quando a oleira se recorda de que a “minha mãe trabalhava e sustentava a família através do fabrico e venda de panelas de barro”, percebe a necessidade de prosseguir a dedicar-se na mesma actividade. Marina Amade refere que a olaria já foi uma actividade rentável, visto que naquela época turistas de diversas partes do mundo compravam objectos produzidos e comercializados no museu.
Recorde-se de que, no passado, sobretudo durante os anos em que decorreram os dois conflitos armados em Moçambique, o colonial e o dos 16 anos, nas zonas rurais utilizavam-se mais os utensílios domésticos fabricados por artesãos e oleiros. Entretanto, com o passar do tempo, o que, presentemente, sucede é que “está difícil viver na cidade de Nampula com recurso à prática da olaria como actividade económica. Nos últimos tempos, esta arte não é rentável porque já não há muitos clientes como dantes. É possível ficarmos uma semana sem vender artigos”.
Marina afirma que na altura os objectos de barro eram muito comprados. Diariamente, ela conseguia vender entre 300 e 1000 meticais. Entretanto, devido à falta da clientela, a oleira acabou por se integrar na Galeria Centro Nairuco-Artes, onde faz o mesmo trabalho. Naquela instituição, em gesto de gratidão, mensalmente, Marina recebe 500 meticais – um valor insuficiente para as suas necessidades.
A novidade é que nesta organização a oleira Marina não tem tido falta de equipamentos para trabalhar. Além da facilidade que possui na venda dos artigos, o Centro Nairuco-Artes tem disponibilizado meios de transporte para os artistas sempre que procuram as matérias-primas para o seu trabalho. Por isso, “já não percorro longas distâncias à procura de barro, porque o centro tem um carro que nos acompanha até à zona onde o mesmo é extraído”, comenta.
Entretanto, apesar de estar filiada numa agremiação que se dedica à venda de objectos de barros como especialidade, Marina também depara-se com a crise que decorre da fraca compra dos seus produtos. “Fabricamos os nossos objectos mas há vezes em que os mesmos permanecem por muito tempo no centro sem serem comprados. Isso também nos desestimula”, afirma a oleira que realça que mesmo com a falta da clientela não se deve parar de trabalhar.
Amina António, de 39 anos de idade, também se dedica à olaria desde a infância e tem nessa actividade o seu meio de sobrevivência que, continuamente, se está a tornar inseguro. Para esta criadora que se dedica à olaria há cerda de 30 anos – desde que em 1985 se iniciou naquela forma de arte com o seu pai – abandoná-la é uma alternativa impensável.
De uma ou de outra forma, uma realidade não deixa de ser dramática. “Nos dias que correm, fico, pelo menos, uma semana a fabricar um recipiente de 25 litros porque sou obrigada a fazer viagens sucessivas à procura do barro. No entanto, o verdadeiro problema é que, na realidade actual, há vezes que sou impelida a trocar os meus objectos por produtos alimentares”.
Cultura incrustada na criação
Um aspecto peculiar típico da cerâmica é que, vista ao pormenor, os artefactos produzidos pelos oleiros e artesãos, em Nampula, traduzem parte essencial da vivência dos moçambicanos. Narram factos sobre o passado, sobretudo colonial, bem como a realidade actual em que vivem. A olaria é uma ferramenta a partir da qual as gerações actuais percebem e interpretam o ontem, da mesma forma que as gerações futuras irão interpretar o nosso hoje.