O humorista mexicano Roberto Gómez Bolaños, também conhecido como Chespirito, não sonhava em ficar famoso. Tudo aconteceu, como ele mesmo dizia, “sem querer querendo”. No fim da década de 1960 era guionista de um canal de televisão quando um actor faltou e ele acabou na frente das câmeras. E foi uma viagem sem volta. Bolaños provavelmente nunca imaginou que uma vez colocados os pés no mundo do espetáculo seu destino seria divertir várias gerações de latino-americanos com personagens como “Chaves” e “Chapolin Colorado”. Chespirito morreu nesta sexta-feira aos 85 anos no balneário mexicano de Cancún, deixando milhões de admiradores órfãos da Cidade do México a São Paulo e Luanda.
Num fenómeno completamente incomum na televisão, as comédias desbotadas e granuladas protagonizadas por Bolaños na década de 1970 sobreviveram por mais de 40 anos e continuam sendo retransmitidas na América Latina. As histórias de “Chaves”, um menino órfão que mora em uma típica vila mexicana, e “Chapolin”, um anti-herói medroso disfarçado de inseto, são um fenómeno transcultural. No Brasil, foi até há pouco um dos programas de maior audiência e chegou a ser exibido em lugares como Rússia e Angola.
“Talvez o meu mérito foi conseguir, sem tentar, abordar um ambiente que existe no mundo inteiro”, refletiu Bolaños sobre o sucesso de Chaves em uma entrevista à Reuters. “Trabalhei muito neste personagem, que tem qualidade”, explicou ele, “mas a resposta exata eu não sei”.
A resposta, dizem alguns especialistas em televisão, está na identificação do público com os seus personagens marcados pela pobreza, as diferenças sociais e outros problemas abordados nos seus programas. O analista de televisão Alvaro Cuevas disse no seu blog que Chespirito foi “o maior criador de conteúdos de toda a história da televisão mexicana” e que na sua obra se encontra o ser mexicano assim como ele é, por isso que muitos dos seus compatriotas não gostavam dele.
Nos personagens de Chespirito é possível encontrar “os códigos, os aspectos da nossa estrutura social, aí estão os nossos vícios e nossas manias”, destacou Cueva em maio.
“PEQUENO SHAKESPEARE”
Bolaños queria ser engenheiro, praticou boxe e era um fanático torcedor do clube de futebol América. Antes de chegar à televisão como roteirista, ele trabalhou redigindo anúncios publicitários. Foi naquela época que um diretor o apelidou de “Chespirito”, a tradução fonética de pequeno Shakespeare, pela sua abundante produção de roteiros e sua altura de apenas 1,60 metro.
Contam que o comediante escreveu cerca de 60 mil páginas de roteiros, lotou o Madison Square Garden, em Nova York, o Estádio Nacional, em Santiago, e o Luna Park, em Buenos Aires. A sua influência depois de 40 anos de carreira é tão grande que crianças de todos os lugares da América Latina repetem frases do Chapolin como “Não contavam com minha astúcia!” ou “Sigam-me os bons!”, um grito de guerra adotado, inclusive, por alguns políticos.
Bolaños tinha um senso de humor brilhante. Já aos 80 anos, perguntaram a ele sobre a sua relação de décadas com a actriz Florinda Meza. “Já estamos há 30 anos casados”, respondeu. “Temos um casamento sólido que só a morte acabará com ele… ou a Shakira!”.
Chespirito casou-se em 2004 com Florinda, que interpretou a “Dona Florinda” no seriado “Chaves”. Contudo, alguns criticavam que nos últimos anos ela exercia um controle ferrenho sobre o que ele dizia ou fazia e que foi um dos factores que pesaram na sua ruptura com o ator Roberto Villagrán, o “Quico”.