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O treinador que conquistou o continente africano

A Caminho da Turquia: “Queremos disputar todos os jogos até ao limite”

Chama-se Nazir Salé ou simplesmente Nelito. É actualmente o treinador vencedor da Taça dos Clubes Campeões de África em basquetebol femininos pela Liga Muçulmana, prova que decorreu no passado mês de Outubro, na Costa do Marfim. Aliás, foi a terceira conquista de uma equipa moçambicana comandada por este técnico, algo inédito a nível do continente africano.

@Verdade – Nazir Salé é um indivíduo, que apesar do sucesso que tem, não gosta de dar entrevistas. É por vaidade ou por timidez?

Nazir Salé – Nem uma nem outra. Simplesmente não gosto de dar entrevistas porque não sou de falar do que faço. Gosto simplesmente de demonstrar trabalho e dentro dos pavilhões.

@V – Quem é Nazir Salé?

NS – É um professor de Educação Física e Gestor Desportivo. Um treinador de basquetebol de nível 3 diplomado pela Federação Portuguesa de Basquetebol e Master em matérias de Coaching pelo Euroleague Basketball Institute. É um indivíduo aficcionado pelo basquetebol já há muitos anos e que teve o primeiro livro sobre a modalidade oferecido por um tio que também foi treinador desta modalidade.

@V – Quem foi?

NS – José Fernandes, que treinou o Grupo Desportivo Maputo e o Clube Estrela Vermelha.

@V – Quando é que deu o primeiro passo no basquetebol e qual foi a história?

NS – Foi em 1982 quando tinha 16 anos de idade. Naquela altura, para além de ser jogador dos escalões juvenis na cidade de Pemba, eu era também treinador de mini-basquete. Lembro-me que foi na companhia de vários amigos de infância, nomeadamente o falecido Nazário da Conceição, Osvaldo Noronha, Renato Chambarlain, Tomás Figueiredo. Por este nutro um grande apreço pois foi ele quem me incentivou a apostar no basquetebol.

@V – Lembra-se da primeira vez que pegou numa bola de basquetebol?

NS – Tive a minha primeira bola de basquetebol oferecida pelo meu pai, Ismael Issufo Salé. Mas usei-a para jogar futebol.

@V – E qual foi o seu percurso como treinador até chegar à Liga Muçulmana?

NS – Comecei em Pemba em 1982 como monitor de mini- basquete no Clube Desportivo de Pemba. Três anos depois assumi a posição de treinador dos iniciados em feminino e de cadete no Clube Ferroviário de Pemba.

Em dois anos de trabalho, já em 1987, a cidade de Pemba participou no maior evento desportivo de formação, o Campeonato Nacional de Iniciados em femininos que se realizou em Maputo, que contou com a participação de 10 equipas, tendo o Clube Ferroviário de Pemba conquistado a segunda posição, ou seja, fomos vice-campeões nacionais.

No mesmo ano e sem me desvincular do clube ferroviário, vim viver em Maputo para dar continuidade à minha formação académica que durou somente 8 meses em Programação em Informática. Regressei a Pemba e em Janeiro de 1988 voltámos a participar num campeonato de cadetes na cidade da Beira.

O ano de 1989 tornou-se o último no Clube Ferroviário de Pemba e outra vez por questões académicas vim para a cidade de Maputo para concluir os estudos. Através das mãos de Fernandinho Silva, aceitei o convite do Clube de Desportos da Maxaquene para treinar o escalão de iniciado feminino. Mantive-me nesse escalão até 1992, altura em que nos sagramos campeões nacionais na cidade de Tete.

De 1992 a 1995 tornei-me treinador do escalão júnior masculino, tendo conquistado um campeonato da cidade e dois campeonatos nacionais, nos anos de 1994 e 1995, respectivamente. Em 1996 fui promovido para assumir os seniores masculinos, equipa que treinei até Janeiro de 2000, quando tive a oportunidade de ir para Espanha ficar dois anos.

Em 1997, sagrámo-nos campeões da cidade e nacionais e ainda tivemos o direito de participar nas eliminatórias da Taça de Clubes Campeões de África, 15 anos depois da última participação. Porém, fomos para Angola em 1998 disputar as eliminatórias da Taça e naquela altura os moldes eram de duas mãos, e perdemos ambas.

De 2002 a 2010 abracei o projecto de treinar a equipa sénior feminina do Desportivo de Maputo a convite do Presidente Michel Grispos, que, na altura, para além de amigos, éramos colegas de trabalho. Como é do conhecimento de todos, neste período conquistámos quatro títulos nacionais e da cidade, dois títulos africanos, um de vice-campeões de África e mais um terceiro lugar também a nível continental.

@V – Já lhe passou pela cabeça desistir do basquetebol?

NS – Não. Até ao momento não tive motivos para deixar o basquetebol. O meu desejo é manter-me nesta modalidade por mais anos.

@V – E o que lhe move?

NS – Quero terminar a filosofia que há muito estou a trabalhar para concretizá- la. Sinto que tenho poucos anos (28) como treinador e acredito que para ela vencer, precisarei de mais anos, da ajuda de Deus, de saúde e disponibilidade. Alias, devo lembrar que sou um treinador profissional de basquetebol.

@V – Nesta trajectória toda como treinador, qual foi o título que mais o emocionou?

NS – De igual modo me lembro de todos com muito apreço e muita alegria.

@V – Nazir Salé é vencedor de títulos africanos a nível de clubes e é tido como sendo o melhor treinador do país. Sente isso?

NS – Não me considero o melhor treinador, porém, não nego que luto a cada dia para tornar-me. Os títulos que ganhei não me envaidecem, antes pelo contrário, obrigam-me a ter mais horas de estudo, a estar mais compenetrado nas minhas formações e a trabalhar mais.

@V – É também recordista a nível de África, onde muito (bem) se tem falado de Nazir. Não acha que é altura de se assumir como o melhor treinador de basquete da actualidade?

NS – É realmente motivante falarem bem de nós. Mas como disse anteriormente, a minha preocupação neste momento é fazer mais e melhor. Para isso, coloco a formação em primeiro lugar, manter-me actualizado e tentar ajudar o meu clube e o país nesta modalidade.

@V – Mas já pensou em abandonar o país e rumar para lugares onde o basquetebol está mais desenvolvido?

NS – Penso que a ambição de qualquer treinador é ter oportunidades melhores para fazer o que mais gosta. Se um dia tiver essa oportunidade e ela estiver de acordo com aquilo que penso, irei sem dúvidas aceitar. Gosto de assumir desafios.

@V – Ganhou recentemente mais um título africano. Qual foi o segredo e trabalho específico feito pelo técnico Nazir?

NS – O sucesso da equipa é proporcionado pelo grande trabalho que temos vindo a fazer nestes últimos sete anos. Apesar de não sermos profissionais, fazemos desta modalidade um pedaço da nossa vida. Conseguimos tempo para contabilizar 20 a 24 horas de treino por semana.

Mantivemos os níveis da equipa sempre num gráfico ascendente e isso faz com que façamos diferença naquilo que tem sido o nosso desempenho. Se há algo que transmito ao meu grupo de trabalho é “FEED”, que, segundo um dos meus mestres, é o “interruptor do sucesso” de qualquer treinador para com as suas atletas e equipa técnica.

@V – Qual é o significado de FEED?

NS – F significa focar os atletas nos objectivos a atingir; E – Transmití-los a energia (paixão) que as leve a superarem- se; E – Mantê-los permanentemente em esforço e; D – Ajudá-los a cada uma delas a alcançar o máximo de destreza possível ao serviço do colectivo.

@V – Tem-se notado que depois de um triunfo, as jogadoras viram-se para o treinador e fazem- -lhe uma homenagem. A que se deve isso?

NS – Elas reconhecem a minha capacidade de disponibilizar as FEED sempre que precisarem. Portanto, este é sem dúvidas um segredo que se baseia na ciência. A homenagem que as minhas jogadoras me fazem após um sucesso representa isso.

@V – Como se sentiu ao ganhar o último título?

NS – Muito feliz.

@V – Tem alguém em especial que o ajudou a ganhar o título?

NS – Isto deve-se ao envolvimento máximo por parte da direcção do clube, sobretudo o presidente Rafik Sidat e os seus colaboradores, nomeadamnete, Suleiman Dassat, Yassin Mohamed, Ashraffm, professor Roberval, Cássimo David, e à entrega total das jogadoras que se mostraram umas autênticas samurais, honestas, trabalhadoras, humildes e, acima de tudo, verdadeiras guerreiras.

Mas devo estender também os agradecimentos aos meus colaboradores directos, às minhas adjuntas Dilar e a Renata, ao Alberto Júnior, ao Hélio Manhique, ao Dinis Sitoe, ao Yaya e ao Saíde que são também uns verdadeiros trabalhadores do sucesso.

@V – Das vezes que já levou as suas equipas a ganhar, qual foi a prova mais difícil?

NS – Para melhor elucidar, a nossa maneira de estar tem sido sempre a mesma. Encaramos todos os jogos e adversários da mesma maneira. Quando entramos para o jogo é para ganhar, mas sem subestimar o nosso adversário. Por esse motivo, não existe para nós jogo fácil nem adversário fácil. Tratámos todos da mesma maneira até que se prove o contrário dentro do pavilhão.

@V – Qual é o projecto de Nazir com a Liga Muçulmana daqui para frente?

NS – Tenho um vínculo contratual com a Liga até 2014. Estamos neste momento virados para a formação e podermos contribuir para o crescimento do basquetebol em Moçambique.

@V – Nazir Salé já esteve no Desportivo, outrora referência do basquetebol nacional, se entendermos que a mesma equipa que ganhou a Taça dos Clubes é composta maioritariamente por atletas formadas e que alinharam na equipa alvinegra. O que ditou a vossa saída?

NZ – A vida é feita de ciclos. O meu terminou em 2010 no Desportivo de Maputo, clube pelo qual tenho muito apreço.

@V – O mesmo aconteceu com as jogadoras e na mesma época?

NZ – Foi por mera coincidência. As jogadoras que estão na Liga Muçulmana já não tinham nenhum vínculo com o Desportivo e tinham de procurar outro clube.

@V – Significa isto que não foram cumpridas as regras de transferência?

NS – Posso garantir que foram cumpridas todas as regras de transferências. Tudo foi assumido tal como se prevê no regulamento. Os alaridos que existem por aí foram criados por pessoas que nada tem a ver com os dois clubes.

@V – Falando do basquetebol moçambicano, acha que goza de boa saúde?

NS – Não, não goza. Mas acho que há condições para seguir em frente.

@V – E o que deve ser feito?

NS – Temos de estar todos unidos e, acima de tudo, trabalharmos em prol do desenvolvimento desta modalidade. Devemos manter os focos que poderão de certa forma promover a modalidade, como por exemplo aumentar mais incentivos. O basquetebol no país precisa de apoios e a lei do mecenato deve ser útil para quem apoia o desporto.

@V – E se fosse convidado a mudar alguma coisa em prol do basquetebol nacional, o que faria?

NS – Promoveria o investimento na modalidade, incentivaria a formação de treinadores, de dirigentes e exigiria um envolvimento a 100% por parte do Governo. Garantiria maior incidência no escalão de formação, melhoraria as infra-estruturas, lutaria para que cada província tivesse no mínimo um pavilhão multi-uso tal como em Angola.

@V – Não pretende que Moçambique seja Angola, mesmo sabendo das diferenças económicas existentes entre os dois países?

NS – Claro que não. Angola começou com quatro pavilhões para acolher o Afrobasket de 2009 e hoje já está com 18. Isto tem a ver com capacidade financeira. E acredito que nós tenhamos.

@V – Acha que este mérito internacional é espelho da situação actual em que se encontra o basquetebol nacional ou fruto de trabalho das pessoas que estão por detrás disso, nomeadamente os treinadores, as jogadoras e um potencial capaz de singrar em todos os sítios?

NS – Eu sou defensor de uma maneira de estar perante adversidades. Se vou competir, aumento o volume de treinos, jogo três vezes por semana para além dos jogos marcados como calendários da ABCM, com equipas de juniores masculinos.

@V – Nazir Salé é também treinador da selecção nacional. Porque é que não tem o sucesso que tem nos clubes por onde passa?

NS – Eu regressei este ano para selecção nacional como treinador sénior feminino, depois de ter saído em 2009, após a chegada do novo elenco federativo. Na verdade, de 2007 a 2009, quando era seleccionador nacional, não obtivemos sucessos e eu sempre assumi as responsabilidades, mas devo dizer que durante muitos anos nunca houve sossego na selecção nacional.

@V – Porquê?

NS – Mesmo sendo uma selecção, ela nunca foi olhada como equipa de todos nós. Uma selecção tem de ser constituída por várias jogadoras, sobretudo as que mais se destacam durante uma ou outra época, mas em 2009 pudemos contar com jogadoras de alguns clubes. O cenário agravou-se ainda mais porque não pudemos contar com as restantes que estiveram fora do país.

@V – Esta falta de sossego ainda se verifica?

NS – O que posso dizer agora é que não interessa quem está à frente dos destinos do basquetebol. O que devemos fazer é apoiar a nossa selecção e passarmos as guerrinhas para o passado. Hoje há episódios incríveis nas nossas selecções nacionais, talvez nunca vistas no mundo.

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