“Clapton é Deus”, esse dito começou a ganhar corpo no final da décade de ´60 nos muros de Londres. Essas inscrições eram o anúncio de um novo mito na música pop.
Hoje, cinco décadas depois, Eric Clapton confirmou essa previsão e tornou-se, mas do que um músico, um artista de quilate invejável. O seu nome foi erguido ao patamar de um Deus, mas só não se tornou ainda um mito porque continua a gravar com regularidade – a condição sine qua non para que um artista se torne um mito é a morte.
Entretanto, Clapton parece não concordar com o status que lhe foi atribuído como fez questão de realçar na sua autobiografia, na qual referiu que alguns dos seus trabalhos tinham baixa qualidade.
De referir que Clapton aponta diversos guitarristas de blues como superiores a si. Aliás, o blues é uma constante na vida de Clapton que nunca escondeu a sua paixão pelo estilo. Contudo, revela que que grande parte dos seus trabalhos, nos primeiros anos, não satisfaziam por serem comerciais demais devido à imposição de agentes e gravadoras, mais interessados em possuir um hit do que uma música que respeitasse as raízes do blues.
Apesar de ter nascido no rock, em bandas como Yardbirds e Cream, e em parcerias com ícones como Beatles (em especial com o amigo George Harrison), Rolling Stones, Jimi Hendrix e Bob Dylan, Clapton foi concebido no blues, ritmo que o impulsionou, ainda adolescente, a colocar as mãos numa guitarra.
Uma infância atribulada
Adolecescente, Clapton soube que os seus pais, eram, na verdade, os seus avós já que ele é fruto de uma aventura entre a sua “irmã” mais velha e um soldado. A ausência de uma mãe verdadeira – teve pouco contacto com a irmã, mesmo depois de saber que se tratava da sua mãe – reflectiu-se em toda a sua vida. A grande tragédia pública que sofreu – a morte do filho Connor, após cair do 53º andar de um prédio – é apenas a ponta do “iceberg” de uma existência confusa e, na maior parte do tempo, profundamente infeliz.
Enquanto construía uma carreira musical sólida, com momentos de genialidade pura e tocando ao lado de grandes nomes do blues e do rock, transformava a sua vida pessoal num desastre, o que culminou com o seu vício em drogas e álcool que perdurou por parte da sua vida, quase o destruía financeira, profissional e emocionalmente.
Apaixonava-se com rapidez por uma mulher ou um projecto e desapaixonava-se da mesma forma. A sua passagem por vários conjuntos em tão pouco tempo ilustra isso com perfeição. Ao mesmo tempo, porém, esse facto deixa claro o que seu verdadeiro amor sempre foi a música em estado puro, e jamais a sua carreira musical, ao menos vista por um prisma profissional. A prova disso é a banda Derek & The Dominos, que omite o nome do guitarrista, pois era o seu desejo que as pessoas ouvissem as músicas pela qualidade que apresentavam, e não apenas por se tratar de um novo trabalho de Eric Clapton.
Esse sentimento de não pertencer a lugar algum, estimulado pelo caótico universo do rock dos anos ´70, encontra um intervalo apenas na sua paixão avassaladora por Patty Boyd, então esposa de seu melhor amigo, George Harrison. Provavelmente o relacionamento amoroso mais importante em toda a sua vida, o seu romance com Patty é responsável por uma das suas fases mais criativas musicalmente, mas, também, por um dos seus momentos mais autodestrutivos, no qual mergulha cada vez mais nas drogas e na bebida, chegando ao cúmulo de mal conseguir segurar a guitarra em muitos shows. Nesse entretanto, outros relacionamentos, alguns que fracassaram grandiosamente e outros que já nasciam mortos, temperavam, a sua vida.
Os vícios renderam-lhe duas internações – sendo que, na primeira delas, assume honestamente que fingiu aproveitar o tratamento apenas para conseguir voltar a beber – e a sua vida parece estabilizar-se somente quando se livra deles, após a grande viragem da sua vida: quando resolve literalmente, assumir para si próprio que precisa de ajuda e cai de joelhos num quarto implorando por alguma espécie de perdão. É a partir daí, nos anos ´90, que realmente parece encontrar a felicidade, assumindo totalmente o controlo sobre a sua carreira.
Das suas composições, diz-se que “apenas reflectem o que ele vivia, e foram criadas para que o guitarrista conseguisse exteriorizar os seus sentimentos”, ou, ao menos, lidar com eles. Por mais que admiremos a sua obra, jamais conseguiremos entendê-la como ele, que sentiu na pele a maior parte de tudo o que canta. Eric Clapton é mais do que um “simples” deus da guitarra; ele é – para espanto de muita gente – um sobrevivente.