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O que vem na alma de um artista?

O que vem na alma de um artista?

Samuel Djive ou simplesmente, Djive, como é conhecido no mundo das artes plásticas, tem a alma oferecida ao que acontece à sua volta. A partir da exposição “Obrigado Mestres” patente no Centro Cultural Brasil Moçambique (CCBM) viajamos até à alma do artista Djive para interpretar os seus quadros que não dispensam o escuro, o verde e o vermelho, cores que nos levam para além da nossa África, mas para a pele, o corpo e sangue.

Em viagem ao interior de uma tela insurgida de um artista jovem e em revelação no mundo das artes plásticas, encontramos a dor, a esperança e a luta. Samuel Djive que expõe já há dias no CCBM assume que “Obrigado Mestres” exposição que a faz com seu colega Francisco Vilanculos é um acto de auto-descoberta dos seus instintos e visões.

Pintando ou escrevendo, Djive, faz o seu discurso com a harmonia que as cores em silêncio apresentam no grito dos homens que estão por detrás da tela. Olhar essas cores, é provar o sangue de canhão que a África derruba na insatisfação da vida que os africanos levam.

“O século XXI está no início e já temos uma descarga de guerras, resultantes de sistemas que fracassaram mas que são impostos para beneficiar uma minoria e para tal eles são protegidos. Mas as pessoas já despertaram e querem acabar com isso havendo, por essa razão, guerras em países como Egipto, Líbia, Somália e até outras partes como Afeganistão e Síria. O povo quer mudanças nos sistemas de governação porque percebeu que não possui benefícios das riquezas que está a construir.”

“Um cidadão trabalha de forma engajada mas não ganha nada. Trabalhar é troca de serviços onde um dá para poder receber, e quando o povo sente que não há essa troca revolta-se com o patrão. As pessoas querem sentir o benefício e o sabor dos seus esforços”

Num olhar além da própria arte que também o aflige, Djive, avalia o mundo que o rodeia depois de revelar-nos que na sua pintura inspira-se no dia-a-dia da sociedade. “O meu amanhecer, o meu deitar, o sol, a minha lua, o meu mar, o meu povo e o resto dos problemas que se registam no todo planeta onde reside a espécie humana”. E é pela espécie humana que o artista busca o desassossego da sua arte para revelar o que corre pelas suas veias.

“Por ter nascido em África num clima tropical tenho o amor pelas cores quentes, mas porque nunca estive fora por muito tempo e sinto isso por vários meios de acesso que temos de informação, o clima frio e que vem para criar uma harmonia com o clima tropical. Portanto, invisto nessas cores, quentes, meio mortas, uma miscelânea de cores porque eu sou uma miscelânea humana.”

Atento e receoso quanto aos problemas do continente, Djive vai mais longe, ao afirmar que os políticos moçambicanos têm que estar de olho atento às mudanças necessárias de modo a que a harmonia se estabeleça.

“Se Moçambique não mudar o seu sistema de governação e dos políticos, daqui a curto prazo poderá eclodir um conflito e pode até ser armado. Isso deve fazer-nos reflectir sobre o que queremos. Se realmente os partidos políticos uniram-se para libertar a África não faz sentido que eles queiram uma liderança eterna e manter o povo refém das suas ideologias.” Afirma o artista que ainda acrescenta a cautela com que se deve olhar para a referida revolução “é verdade que com a guerra ouve sofrimento, com a paz pode haver progressos e pessoas a enriquecer, mas que seja lícito, com os próprios esforços. Temos que ter um mundo equilibrado em que todos poderemos usufruir dos bens.”

Um artista da sociedade

Formado, segundo conta, pelas oficinas criativas de pintura, Samuel Djive não nega o valor que teve a sua entrada na Escola Nacional de Artes Visuais, local onde buscou importantes ferramentas que o lançaram nas artes plásticas. Ademais, assume-se como um produto das oficinas, actividades desenvolvidas por artistas profissionais a que ele não faltava.

“Estou a cinco anos a tentar caminhar como profissional depois da Escola Nacional de Artes Visuais, tive um curso de seis anos em design gráfico. Mas as oficinas de pintura e de desenho na escola foram as que mais mexeram comigo, apesar de estar a trabalhar na área gráfica. Por isso sempre que posso crio oficinas para crianças dando vida às oficinas que me deram vida. É por isso que crio oficinas porque eu venho delas, aprendi delas, criaram-me.”

Aliás, durante duas semanas Djive orientou uma oficina de pintura para crianças da Escola Primária Imaculada Conceição do bairro de Hulene, onde os petizes, não só aprenderam o ABC da pintura, mas puderam pintar as próprias telas.

Resultado desses dias de trabalho com as crianças já se pode ver na galeria do Centro Cultural Brasil-Moçambique em Maputo, em que a inauguração foi na última terça-feira na presença dos pais dos petizes. De acordo com o artista, é preciso que se dê a oportunidade às pessoas de saberem fazer do que o simples acto de aprender teoricamente.

“A oficina com as crianças vem já de vontade antiga. Por exemplo, durante a semana que estou aqui a dar esta oficina estou a produzir todos os dias aqui na galeria do CCBM. Na escola eu tinha aulas mas sempre ficava nas oficinas, a trabalhar, porque é o que mexia comigo.”

Segundo o artista plástico, a preocupação pelo desenvolvimento de habilidades tem que ser a todos níveis não se esperando apenas que seja a universidade o lugar que só teoricamente quer formar os Homens e, só assim, ter-se-á um ensino superior não falido.

Todo esse esforço e preocupação com as crianças, Djive, justifica também por aquilo que sempre sentiu desde que se viu a crescer.

“O gosto pelas cores começa-me quando percebo dentro de mim manifestações de alguma coisa. Alguma coisa que agradava-me e que podia aos outros quando iam para os meus pequenos cadernos e iam ver os meus colegas até a terceira classe na escola primária. Aquilo vai- -se construindo durante as coisas que vão acontecendo, no processo de construção humana e social como indivíduo, vou observando nas outras pessoas como constroem e convivem com a sociedade. Vou-me construindo na base disto.” Conta o artista.

Mais ainda, Samuel Djive encontrou a razão para o ser das suas cores da forma como se estabelecem, nas cores, sons e habitantes da noite.

“Eu adoro a noite. Quando era criança, sempre que fosse para à zona de Chipadja, na casa dos meus avôs, eu ouvia mitos de Mochos, eu falava com Malangatana e me contava as mesmas histórias dos mochos. Eu gostava de ouvir os cantos dos mochos à meia-noite. Infelizmente com a cidade a chegar em todo sítio eles vão ficando sem habitação.”

“Eu sou o mocho, adoro as noites, e adoro também os dias. Não noite e dia. Digo sempre que no Zion nunca é noite. Na casa de Deus nunca é noite, nunca o encontraremos a dormir.”

“O Estado deve assumir a cultura e assegurá-la”

Durante a conversa com o @Verdade, apesar de artista em revelação, Samuel Djive mostrou-se afecto às artes que idolatra envolvendo-se nas preocupações gerais da classe artística. Feliz por terem existido sempre as oficinas no campo da criatividade artística, e por serem artistas consagrados por vezes a promoverem. Mas “o que acho que está morto é a dinamização desses espaços. Isso não é só uma questão do artista, mas tem que ser de Estado. O Estado é que tem que dinamizar a cultura porque a cultura é a imagem de um povo e de uma nação.”

Na sua aflição pelo cenário que se vive das mãos olho à cultura como fonte de rendimento, Dijve recorre ainda aos exemplos de Brasil onde a cultura emprega e é fonte de sustentabilidade e de fortalecimento da economia do país. “Portanto cultura é negócio mas tens que saber como fazê-lo. Não é prostituir, é negócio.”

“Uma obra de Picasso é capaz de levantar um conflito político entre duas nações. Essa é a força que a obra tem. Portanto o Estado tem o dever de legitimar, assegurar de modo que ninguém nos tire uma obra porque é o seu património e quem o tenta fazer intervém-se como Estado. O Estado tem criar ainda políticas sustentáveis e seguras para a promoção da Cultura”. Porque não se podem apontar problemas querendo solução sem que se seja directo, Djive aponta um dos constrangimentos.

“A Lei de Mecenato é que devia ser muito divulgada e se debater sobre ela mas pelo contrário são políticas às vezes inspiradas no estrangeiro e temos que cumprir, não sabemos se tem alguma vantagem para nós, se é vantajoso como? Vamos aderir a o quê? Temos que ter cuidado com o excesso de leis que nem as sabemos a sua proveniência, podem intoxicar-nos. Muitos de nós não conhecemos essa lei.” Conclui.

O que ver ao olhar um quadro?

No campo das suas realizações, porque afinal, não só de problemas é feita a arte, Djive é mais justo no que deseja. “Gostaria que um dia as pessoas olhassem no meu trabalho e não pensassem em mim, mas que neles encontrem a solução das suas vidas.” Ademais, o artista explica sobre o que encontrar numa obra de pintura plástica.

“Uma tela é um fantasma e é o único caminho que tem que se usar para chegar a um destino que é a percepção. Quem sou eu? Porque sinto isto? E porque o que sinto existe em mim? E diante desse fantasma nós temos duas opções: ou deixa de ser cobarde enfrentando-o porque é seu amigo e está a testar-te, é a tela.

Ou voltas e recuas ficando a falar. Portanto quando se transcende, passando por ele, encontras- te, chegas à meta. O que as pessoas fazem quando não conseguem transcender, ficam a falar… a tela é o meu fantasma e eu sempre tenho que passar por ele para chegar ao interior das pirâmides.

Nos meus sonhos eu consigo ir às pirâmides, vou às múmias, nos meus sonhos e se quiseres sentir na minha tela tu encontrarás os grandes deuses e a criatividade que tens numa tela televisiva. Isso encontras dentro das minhas imagens.

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