Depois da retirada da Maria de Lurdes Mutola, carinhosamente tratada por “menina de ouro”, que fez com que o mundo conhecesse um país que tem o nome de República de Moçambique, o atletismo moçambicano, diga-se em abono da verdade, está longe dos tempos de glória. Mutola declarou que o problema da modalidade em Moçambique é o dirigismo, que está deficiente.
No passado, os atletas moçambicanos participavam em grandes competições internacionais por mérito próprio, ou seja, conseguiam as marcas mínimas para tomarem parte nos certames; todavia, no presente dependem da boa vontade dos organizadores das provas, visto que entram na condição de convidados.
Lurdes Mutola, ex-atleta e agora Doutora Honoris Causa pela Universidade Eduardo Mondlane, que antes de se iniciar no atletismo aventurou-se no futebol, sente-se frustrada porque tinha o desejo de ajudar no desenvolvimento do atletismo no país que a viu crescer, mas a entidade que superintendia a modalidade não se manifestava disposta a colaborar. Mutola disse que, mesmo longe, tem acompanhado o atletismo moçambicano e confessou que o que está a acontecer no presente é deveras triste.
“Tenho acompanhado o atletismo moçambicano, mas é triste o que acontece actualmente. Em Moçambique, a modalidade baixou de qualidade e o Parque dos Continuadores está como toda a gente sabe, ou seja, já não existe, ficou apenas o espaço. Os atletas são obrigados a percorrer longas distâncias para se dirigirem ao Estádio Nacional de Zimpeto, o que não se afigura fácil. Espero que seja apenas uma fase, um momento difícil que estamos a atravessar, esperando que tudo se resolva e voltemos a ter muitos atletas, uma vez que já os tivemos nas grandes provas internacionais”.
Quando questionada sobre se o actual estágio do atletismo moçambicano se deve apenas à falta de recintos, a Doutora Honoris Causa foi parca em palavras. “ Não é exactamente falta de espaços, pois mesmo fora da cidade, nos bairros, podemos encontrar espaços e jovens para abraçar o atletismo. Podemos aproveitar muito bem estes subúrbios novos, uma vez que a cidade já se encontra bastante lotada. Eu acho que o grande problema é a falta de motivação originada pelo deficiente dirigismo na própria modalidade. É importante termos bons dirigentes e que tenham ambições para ver a modalidade crescer”.
“Acabei por desanimar e vendi a casa”
Maria de Lurdes Mutola tentou dar o seu contributo em prol do desenvolvimento do atletismo moçambicano; porém, acabou por perder o ânimo por falta de seriedade dos gestores da modalidade no país, que no passado não lhe deram espaço de manobra e decidiu vender a casa que serviria de centro de estágio aos atletas nacionais na África do Sul.
“Tentei ter espaço no passado, mas acabei por desanimar. Este ano acabei por vender a casa que serviria de centro de alto rendimento aos atletas moçambicanos na África do Sul porque estava a treinar a Caster Semenya e, durante aquele período, tive muito apoio da Federação Sul-africana de Atletismo para poder trabalhar também com os atletas do meu país, mas não foi possível. No presente estou mais virada para a minha fundação, que é o meu trabalho, e passo mais tempo na África do Sul do que em Moçambique”.
“Não podia fazer tudo sozinha”
Todas as iniciativas, sejam elas individuais ou colectivas, necessitam de apoio moral e material para seguirem em frente, mas Lurdes Mutola não teve o apoio do Governo muito menos da agremiação que geria a modalidade em Moçambique para levar o seu projecto a bom porto e, por isso, o propósito acabou por fracassar.
“Não tive nenhum apoio porque, na verdade, não podia fazer tudo sozinha. Tratava-se de um projecto muito grande que implicava termos muitos treinadores. Mesmo eu, para o sucesso da minha carreira, precisei do apoio de muita gente. Tive alguém que sempre me dizia “nunca basta”. Ganhei campeonatos mundiais, ganhei a medalha de prata nos Jogos Olímpicos, mas o meu treinador continuava a exigir mais de mim e consegui ocupar a primeira posição. Então, é muito importante haver sempre alguém que faça o devido acompanhamento”.
“Lurdes Mutola é o símbolo do atletismo moçambicano”
Por seu turno, o presidente da Federação Moçambicana de Atletismo, Ahmad Shafee Sidat, declarou que a sua agremiação esteve sempre com as portas abertas para Maria de Lurdes Mutola, visto que a Doutora Honoris Causa pela Universidade Eduardo Mondlane é o símbolo do atletismo moçambicano
“Desde que esse elenco tomou posse está com as portas abertas para a Maria de Lurdes Mutola. Acompanhei a entrevista que a Mutola concedeu à Rádio Moçambique. Ela não estava a referir-se ao presente, mas sim ao passado, uma vez que a actual direcção da Federação Moçambicana de Atletismo esteve sempre em contacto com a “menina de ouro”. Ao lado da Lurdes não sou nada, sinto-me pequeno; por isso, jamais fecharia as portas ao símbolo da modalidade no país”, disse Sidat.
Recorde-se que em 1991 Lurdes Mutola, beneficiando de uma bolsa, rumou para os Estados Unidos de América, onde treinou, estudou e concluiu o ensino liceal. No seu vasto currículo, conquistou duas medalhas olímpicas, uma de ouro e outra de bronze, sem mencionar as inúmeras medalhas que ganhou nos “Mundiais” de pista aberta e coberta que fizeram dela a melhor atleta moçambicana de todos os tempos.