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O Presidente Filipe Nyusi “ainda não tem a força e o controle total sobre a máquina governativa e partidária” em Moçambique

O Presidente Filipe Nyusi “ainda não tem a força e o controle total sobre a máquina governativa e partidária” em Moçambique

Foto de Adérito CaldeiraOnze meses depois de tomar posse como o quarto Presidente de Moçambique, e pouco mais de nove meses após assumir a presidência do partido Frelimo, “sente-se ainda uma grande timidez da parte do Presidente Nyusi, talvez porque ainda não tem a força e o controle total sobre a máquina governativa e partidária”, diz em entrevista ao @Verdade o professor Luís de Brito, que sugere uma antecipação do Congresso da formação política no poder “não só para a renovação das equipas dirigentes dos órgãos mas para uma clarificação da linha política”. Sobre a tensão política e militar o professor de Antropologia e Sociologia da Política afirma que “do lado do Governo não basta dizer que estamos abertos ao diálogo” e alerta para também para a “insatisfação crescente decorrente do aumento dos preços(…) Eu diria até que isto é muito mais grave até do que a tensão com a Renamo, porque aqui vai tocar profundamente na sociedade ”.

“Existe uma grande diferença entre o discurso de investidura e este primeiro discurso do Estado da Nação, o tom não é exactamente o mesmo. O primeiro discurso criou uma série de expectativas, assinalou, pelo menos na forma, uma ruptura muito profunda em relação ao passado e prometia uma séria de desenvolvimentos que iriam, no meu entender no bom sentido”, começa por explicar o professor que, pouco depois da posse de Nyusi, elencou os principais desafios do novo Chefe de Estado num artigo publicado no livro “Desafios para Moçambique 2015”, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).

“Um ano depois vemos um discurso que apesar de ser modesto não é arrogante, continua a ser diferente daquilo a que estávamos habituados no tempo da governação do Presidente Guebuza. O discurso é muito mais tranquilo, muito menos acusador mas eu penso que ele reflete um pouco a dificuldade do Presidente assumir a sua função. Ou seja na investidura ele ainda não estava a governar e depois foi-se confrontando com a necessidade de criar a sua equipa, de criar o seu Governo, de negociar no fundo a sua posição dentro do sistema partidário embora formalmente ele tenha acabado por ser eleito o presidente do partido mas está claro que ao fim desde onze meses ele não tem o poder da mesma maneira que tinha o Presidente Guebuza. Por conseguinte ele ainda está num processo de construção do seu poder, uma coisa é o poder formal como presidente do partido e como Presidente da República, formalmente ele tem todos os poderes” constata Luís de Brito que refere ainda, “de facto nós vemos e sentimos pelo desenrolar das coisas que ele não tem nenhum desses poderes todos. E por conseguinte ele apresenta um Estado da Nação onde ele próprio reconhece que não é muito bom por isso que diz `não estamos satisfeitos´, mas eu penso que a questão central não é essa”.

Nyusi não é um político, começou a ser a partir do dia que se tornou candidato à Presidente

“Talvez a fraqueza do discurso seja a dificuldade em romper definitivamente com o passado e abrir espaço para um debate, por exemplo, sobre quais são as reais causas das dificuldades que o país enfrenta hoje. Evidentemente que há as questões externas, evidentemente que a valorização do dólar nos mercados mundiais se iria reflectir na desvalorização do metical, mas se calhar há também dinâmicas internas a nossa economia que reforçam negativamente as tendências que vêm da economia global. É preciso abrir um pouco a análise, o debate, e não simplesmente declarar que estamos abertos a ouvir todos os sectores isso não é suficiente, são declarações de intenções, é preciso passar a etapas diferentes se o Presidente Nyusi quer fazer a diferença”, afirma o director de investigação do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) que sente “ainda uma grande timidez da parte do Presidente Nyusi talvez porque ainda não tem a força e o controle total sobre a máquina governativa e partidária”.

Foto de Adérito CaldeiraPara o professor de Antropologia e Sociologia da Política esta fraqueza também deve-se ao facto de Filipe Nyusi não ser um político, “vem do sector empresarial do Estado e de repente foi para o Governo, para um ministério que não trata das coisas essenciais da governação económica, e ainda mais de repente chegou a Presidente. Eu diria que ele não estava instalado no mundo político, ele ainda não tinha uma autoridade própria, não é alguém que se tenha destacado por posições ou por uma linha de interpretação. Basicamente tornou-se político a partir do dia que se tornou candidato à Presidente. Ele precisa evidentemente de tempo para construir as suas alianças internas para poder fazer valer a sua linha de interpretação dos fenómenos e a sua linha de acção”.

Passados estes onze meses Luís de Brito ainda dá o benefício da dúvida ao Chefe de Estado que não acredita que seja completamente um fantoche. “Mas que ele não tem um grande espaço de manobra isso está evidente, particularmente em relação a questão militar e a questão da confrontação com o partido Renamo. A gestão do processo com o partido Renamo mostra que há uma contradição, por um lado declarações que ele fez e por outro iniciativa que ele tomou, como encontrar-se com o presidente Dhlakama e de uma forma muito pouco arrogante e de simplicidade, isso entra em contraste com o que se passa na realidade depois que é claramente uma tentativa de empurrar o partido Renamo para uma confrontação armada”.

“Se Nyusi não fosse presidente do partido ele continuaria a ser Presidente da República e teria uma outra legitimidade”

Porém o académico da Universidade Eduardo Mondlane nota que Nyusi está a demorar para assumir protagonismo, “o que será necessário num certo momento é efectivamente que o Presidente Nyusi assuma finalmente o protagonismo e decida romper, terá que ser um parto doloroso, porque senão ele vai ficar permanentemente embrulhado dentro do sistema do partido e não conseguirá promover uma linha de governação diferente”.

Relativamente ao primeiro Estado da Nação do Presidente o director de investigação do IESE afirma que “Não chega identificar os problemas e continuarmos a usar os mesmos medicamentos que se usavam, a política pública tem que ser alterada. A relação das autoridades com a sociedade civil em geral tem que se alterar, é preciso ouvir muito mais as pessoas, é preciso assumir muito mais responsabilidade na discussão dos assuntos e nas opções e eu vou dar o exemplo onde era necessário começar a marcar a presença e fazer a ruptura: a questão da EMATUM. Claramente uma boa parte das dificuldades que estamos a enfrentar está relacionada com a questão da dívida, e a questão da dívida está directamente relacionada com o grande bolo que a EMATUM obriga o Estado a assumir. E continuamos a ter os barcos até hoje parados. Aqui está um sector que é preciso romper porque senão ele vai ficar prisioneiro do sistema ”.

Luís de Brito pensa que o facto do Presidente de Moçambique ter assumido a liderança do partido Frelimo é um dos maiores desafios de Filipe Nyusi pois “está-se a reproduzir justamente o problema que nós temos de fundo que é a confusão entre o partido e o Estado. Se Nyusi não fosse presidente do partido ele continuaria a ser Presidente da República porque foi eleito, teria uma outra legitimidade e estaria talvez em melhores condições para enfrentar o partido e obriga-lo a evoluir. Estando como presidente do partido está mais ou menos aprisionado pelos grupos que já lá estão instalados, e que ele vai ter que desinstalar se quiser ter a sua equipa a apoiar um projecto diferente”.

“Os próximos anos vão ser difíceis em termos económicos e em termos políticos”

No seu primeiro informe à Nação o quarto Presidente de Moçambique disse que era chegado “o momento de escolhermos onde queremos estar nos próximos anos. Chegou o momento de escolhermos que País queremos deixar como herança para os nossos filhos e netos. Muito desse legado nasce das decisões políticas e económicas que fizermos hoje”.

Para o professor Luís de Brito a altura é crucial não só para o povo mas antes para Filipe Nyusi. “Eu penso que é uma das contradições, ele entrou pensando provavelmente que poderia fazer alguma coisa e depois há a realidade das coisas, da gestão do dia-a-dia, das pressões, dos interesses, das inercias dos aparelhos que o leva a pôr os pés na terra e dizer que afinal eu não tenho assim tanto espaço, e isso estás-se a ver. Agora resta saber qual será a atitude dele daqui para frente. Será uma atitude de combate, naquilo que se pressupõe que eram as suas ideias (que era uma transformação das relações políticas no país, uma maior abertura, que houvesse sinceridade naquilo que ele dizia que as boas ideias podem vir de qualquer lado), ou se ele vai-se acomodar ao sistema, nesse caso não vai deixar absolutamente legado nenhum, pelo contrário aí a situação vai-se degradar porque os próximos anos vão ser difíceis em termos económicos e em termos políticos também”.

Uma das soluções para que o Presidente de Moçambique, e presidente do partido Frelimo, possa realmente assumir o poder do Estado e do seu partido é a antecipação do próximo Congresso, previsto só para 2017. “A antecipação de um Congresso era perfeitamente normal até para enfrentar, de novo, qual é a nossa posição em relação às várias dimensões desta crise que está a afectar o país. Há dados novos, era bom que o partido fizesse uma reflexão. Qual é a reflexão que o partido faz da questão das descentralização, que indirectamente é aquilo que está a a ser colocado na mesa pelo partido Renamo. Eu estou convencido que dentro do partido Frelimo há muitas forças que são favoráveis à descentralização. Isso permitiria não só a renovação das equipas dirigentes dos órgãos mas uma clarificação da linha política. Mas infelizmente, até agora, o Presidente Nyusi não teve essa iniciativa, ou não foi capaz de forçar que isso acontecesse. Porque o centro do poder é no Estado e, a partir do momento em que o Presidente tenha o controlo mínimo sobre o Estado, ele pode começar a trabalhar com o partido e a pô-lo a funcionar para ele e não contra ele” afirma Luís Brito.

A situação em Moçambique, devido a insatisfação pelo aumento dos preços, é explosiva

No que diz respeito a crise política e militar que opõe o Governo do partido Frelimo e o maior partido da oposição, a Renamo, o académico moçambicano começa por chamar atenção que toda gente diz Afonso Dhlakama fala mas não faz nada “mas só o que ele fala é o suficiente para criar uma instabilidade no país e, por exemplo, impedir um desenvolvimento de pequenas empresas, o investimento de pequena dimensão, que são aqueles que criam mais empregos, não são as grandes multinacionais do gás ou o carvão que vão resolver o problema do emprego em Moçambique”.

Foto de Adérito CaldeiraLuís de Brito julga ser “perfeitamente compreensível que não haja diálogo quando a outra parte se sente ameaçada na sua vida”, não tem dúvidas que estamos a “entrar num novo ano com perspectivas bastante sombrias” e aponta que a “bola” está do lado do Governo.

“O passo está dado num certo sentido, quando o partido Renamo disse vamos continuar a conversar mas com observadores internacionais e a reacção foi não, nós entre moçambicanos podemos resolver os nossos problemas, ora isto é uma recusa clara do diálogo. Porque se uma das partes diz eu não confio em ti preciso deste árbitro, do lado do Governo não basta dizer que estamos abertos ao diálogo, há uma proposta concreta que foi recusada porque envolvia os negociadores estrangeiros”.

Entretanto o director de investigação do Instituto de Estudos Sociais e Económicos destaca um outro desafio latente para Filipe Nyusi resolver que é o da insatisfação crescente decorrente do aumento dos preços. “O que é preocupante é que as condições estão reunidas, a pobreza das pessoas é enorme, o stress para resolver o problema da alimentação no dia-a-dia nas camadas mais pobres nas grandes cidades vai aumentando, eu lembro que a dita primavera árabe começou com um problema individual de um vendedor que por ser perseguido lá pelos polícias municipais acabou imolando-se e aquilo desencadeou aqueles movimentos que se estenderam, nós estamos exactamente numa situação desse tipo. Eu diria até que isto é muito mais grave até do que a tensão com a Renamo, porque aqui vai tocar profundamente na sociedade e não estou a ver como é que se vai resolver a não ser por uma forte repressão, então o que se desencadeia a partir daí vai ser muito mais doloroso do que aquela confrontação com a Renamo”.

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