O ser humano para manter um bom funcionamento do seu organismo, precisa garantir que a sua alimentação diária seja suficiente quer em qualidade quanto em quantidade. Não obstante, as condições económicas e as ideologias políticas e socioculturais, condicionam acentuadamente a segurança alimentar e os hábitos alimentares respectivamente e, por conseguinte, impactam directamente no trabalho escolar.
Por isso, um aluno de classe social desprivilegiada tem um caminho diferente do caminho de um aluno de classe social privilegiada dentro da escola, embora ambos devam caminhar para um mesmo objectivo e atingir a mesma meta.
Tem sido uma posição muito cómoda da escola, mas que lhe causa danos profundos, em vez de rever sua competência, quando não consegue ensinar a certos alunos, procurar respostas pseudocientíficas contra a capacidade intelectual desses alunos. Eventualmente, conforme defende a Psicologia educacional, a função da escola é ensinar e, nesse caso, esse acto é colectivo, mas aprender sempre será um acto individual.
Na década de 50, com o fim da guerra da Coreia e a supersafra americana, ocorre um excedente agrícola nos Estados Unidos, que é doado à UNICEF. Parte dessa doação foi destinada ao Brasil, direccionada aos programas de suplementação alimentar, vinculados ao Ministério da Saúde. É neste contexto que se instituí, em Março de 1955, a Campanha Nacional de Alimentação Escolar, mais conhecida como Merenda Escolar (PATTO, 1997).
A análise histórica do programa não constitui o objectivo deste texto, serve apenas para apoiar em alguns marcos de sua história como subsídio para o entendimento das idéias que informam e mantém essa discussão desfocada, entendimento necessário para sua superação e consequente retomada da reflexão com outro patamar.
Conforme defende em sua obra PATTO (1997), a merenda é criada, enquanto programa oficial, como mais um programa de suplementação alimentar. Esse carácter é explicitado com seus próprios objectivos, em que se destaca: melhoria das condições nutricionais e da capacidade de aprendizagem e consequente redução dos índices de absenteísmo, repetência e evasão escolar.
Nesse contexto, a mentalidade subjacente à criação do programa de merenda escolar é claramente de ordem assistencialista e voltada para problemas da esfera da saúde.
Explicita, ainda, a concepção dominante, segundo a qual as crianças não aprendem na escola por serem desnutridas. No contexto moçambicano, as crianças são desnutridas pelo facto de as famílias terem hábitos alimentares inadequados, serem vulneráveis aos altos índices de insegurança alimentar, etc.
Ao contrário de países em que a merenda surge como projecto destinado a suprir a necessidade fisiológica de todas as crianças de se alimentarem a intervalos de quatro horas de tempo, no Brasil a merenda surgiu propondo-se a erradicar ou diminuir a desnutrição e, daí, a minimizar o fracasso escolar.
A fome, a desnutrição e o fracasso escolar são o reflexo de um estado onde direitos e cidadania ainda constituem ideais utópicas. E, conforme PATTO (1997), sob a perspectiva de direitos desrespeitados — ou não conquistados — que consideramos necessário recuperá-los, se pretende uma outra concepção da merenda.
A desnutrição continua sendo um dos mais graves problemas em países do terceiro mundo, contribuindo negativamente no crescimento do país como um todo e na protecção e promoção da saúde.
Mesmo que não tivesse qualquer consequência sobre a condição de vida das pessoas, é a consequência do desrespeito a um direito essencial do ser humano: o de não passar fome e só por isso já constitui um problema social gravíssimo.
Didacticamente, poderíamos imaginar o que acontece com o organismo de uma criança a partir do momento em que ela passa a se alimentar menos do que necessita. Em uma primeira etapa, ela sentirá fome, o que significa que, com uma necessidade básica não atendida, diminui sua disponibilidade para qualquer actividade, até para brincar.
Quando a fome se mantém, em intensidade alta e tempo prolongado, a ponto de interferir com o suprimento energético necessário para manter todo o metabolismo do corpo, isto é, com repercussões no plano biológico, o organismo tenta se reequilibrar adoptando medidas de contenção de gastos: sacrifica as actividades que poderiam ser consideradas supérfluas, do ponto de vista da sobrevivência. Nessa fase da desnutrição, o corpo mantém todo seu metabolismo absolutamente normal, às custas do sacrifício da velocidade de crescimento.
O fracasso escolar, entendido como a soma das taxas de retenção e de evasão escolares, constitui um dos mais graves problemas sociais e, sem dúvida, o maior na área educacional.
Neste contexto, sem ignorar as questões extra-escolares, não se pode deixar de enfrentar que o fracasso escolar constitui um problema político, mas também pedagógico.
A superação do fracasso escolar depende de uma mudança de olhar: ao invés de justificá-lo pelas carências da criança, assumi-lo como mais um desrespeito a um direito fundamental do ser humano: o direito de aprender, o direito ao ensino, o direito ao acesso aos bens materiais e imateriais.
A percepção do fracasso escolar nesta perspectiva é dificultada por justificativas para o desempenho do sistema educacional, deslocando a discussão de um problema colectivo, social para o plano individual, de falhas da criança.