Duas crianças identificadas pelos nomes de Tino Armando e Saíde Fernando, de sete e 10 anos de idade, respectivamente, residentes no bairro de Carrupeia, arredores de Nampula, abandonaram os estudos para acompanharem, todas as sextas-feiras, o seu avô quando este percorre as ruas a pedir esmola nos estabelecimentos comerciais e mesquitas da urbe. Apesar de não estarem a estudar, devido a dificuldades financeiras, um sonha ser médico e outro técnico no ramo da acção social.
Os pais de Saíde Fernando vivem na zona do Muako Anvela, bairro de Natikiri, algures na cidade de Nampula. O petiz foi obrigado pelos progenitores a abandonar os estudos porque eles não dispunham de condições financeiras para custear as despesas escolares, tendo sido enviado para a casa do seu avô, em Carrupeia, a fim de ajudá-lo na sua locomoção com recurso a uma cadeira de rodas, com a qual circula nas diferentes ruas da urbe, onde pede esmola.
Além dessa actividade, o menor é responsável por todas as tarefas domésticas, pois eles são uma família composta por apenas três pessoas, sendo duas crianças e o referido idoso, que é deficiente físico. A sua rotina diária resume-se no seguinte: acordar cedo, fazer a limpeza, lavar a louça, pilar mandioca ou milho e, depois, confeccionar os alimentos. O pequeno Saíde também tem a dura missão de acarretar água. Trata-se, na verdade, de uma situação por que passam várias mulheres e crianças da sua idade em resultado da crise de acesso ao precioso líquido.
As brincadeiras, confessou o menor, que devia ter com os amigos da sua idade são, simplesmente, uma miragem. Ele desabafou afirmando, ainda, que a sua infância está a esfumar-se, uma vez que se tornou adulto muito cedo. A esmola é a única fonte de sustento da sua família. A principal preocupação é assegurar o pão na mesa e, por vezes, comprar vestuário. Não tem sido fácil garantir alimentação, dado o elevado custo de vida. As deslocações que ele faz com o avô nas artérias da cidade não permitem obter dinheiro suficiente para suprir todas as necessidades.
O rapaz acrescentou que, desde que passou a viver com o seu avô, a sua vida transformou-se num autêntico martírio, uma vez que não se vislumbra nenhuma saída para a situação em que se encontra. Apesar da situação por que passa, Saíde sonha ser médico com o objectivo de cuidar de doentes e pessoas carenciadas. Na mesma situação está Tino Armando, de sete anos de idade. As duas crianças vivem na mesma residência, onde ajudam o avô que se encontra fisicamente incapacitado.
“Eu gostaria, se tivesse condições financeiras, de estudar e, quando crescer, ser um profissional que cuida de idosos e outras pessoas necessitadas”, disse o pequeno Tino, tendo lamentado o facto de existir petizes cujos pais têm a possibilidade de custear os seus estudos, porém, estes não valorizam este esforço.
Engana-se quem pensa que Tino não gosta da tarefa de ajudar o seu avô. Ele confessou que, quando for adulto, pretende, efectivamente, continuar a cuidar daquele idoso pelo simples facto de ser uma pessoa necessitada e não dispor de ajuda de parentes próximos. O menor refere-se, por exemplo, à falta de apoio em produtos alimentares para que ele deixe de se dirigir até às lojas a fim de pedir esmola. Sem apontar nomes de familiares com posses, o rapaz disse que não há necessidade de o idoso continuar a viver da mendicidade.
“Não nasci deficiente”
Augusto Muaparato, cuja idade desconhece, disse que se tornou deficiente físico na juventude. Segundo as suas palavras, a deficiência resulta de uma doença (lepra) de que padecia, cujo tratamento no Hospital Central de Nampula não surtiu os efeitos desejáveis. O mais agravante é que, volvidos alguns anos, ele decidiu casar-se na esperança de viver com uma companheira que o podia ajudar.
E, para a sua tristeza, a esposa veio a perder a vida meses depois. Da união não resultou nenhum filho. Desde essa altura, cuja data não se recorda, passou a ser um mendigo, pois não tinha nenhuma fonte que lhe pudesse garantir a sobrevivência. Muaparato lamentou o facto de os seus familiares mais próximos lhe terem virado as costas.
Sem se mostrar grato pela ajuda que os dois menores de idade lhe prestam, o idoso disse que está a lutar, todos os dias, para continuar a viver. Contudo, ele descarta a possibilidade de um dia deixar de viver da mendicidade, visto que este comportamento constitui a sua única fonte de sobrevivência. Por outro lado, Muaparato afirmou que os dois petizes com quem reside não podem estudar por falta de condições financeiras, e o que ele ganha nas ruas de Nampula só dá para comprar comida.