Não reconheci Nampula porque nunca antes a havia conhecido. Jamais se conhece nada de passagem. Aterrar no aeroporto e rumar, logo de seguida, num carro, à Ilha de Moçambique, não é conhecer Nampula. É passar por lá.
Mas desta vez não passei. Fui. Como um dos privilegiados para participar no VII Festival Nacional da Cultural. Ainda por cima para lançar o meu terceiro livro: Ndekeni. Foi um regozijo. Total.
Por uma questão de programação dos voos das LAM, não pude assistir à cerimónia de abertura. Hasteada com uma coreografia de primeira água – segundo as imagens transmitidas pela Televisão – pela elegida Pérola Jaime. Cheguei no segundo dia, mesmo assim, a tempo de absorver, com alma, as emoções que se prolongaram por cinco dias (de 11 a 15 de Julho).
Nampula estava a ser abençoada. Eu também. Não é todos os dias que se convive com vultos como Venâncio Mbande, Gimo Remane, Zena Bacar, Mingas, Xane wa Gune, Djaka, Massuku, Aly Faque, Hortêncio Langa, Chude Mondlane, José Mucavele, só para citar alguns. E eles estiveram lá. Não será, com certeza, sempre, que vamos trepidar com a música tradicional de todo o país, numa amálgama estonteante. E vivemos esses momentos.
Não reconheci Nampula, pois nunca havia estado lá antes. Tive os bairros de Namicopo, Muhala, Namutequeliua e Muhahivire, aqui, debaixo dos meus, ou a ilharga de mim, como se tudo aquilo fosse um mito. E eu estava em Nampula, de corpo e alma. Também para assistir a uma das danças mais ferozes do planeta: o Nyau, superiormente representado por um grupo vindo de Xizolomondo, na província de Tete.
Na verdade o Nyau, é xirombo, e xirombo é bicho do mato. Leva-nos a acreditar, cada vez mais, no feitiço. E não será qualquer pessoa a dançar aquela dança. Pois claro! E será neste palco que vão evoluir os grupos culturais da Zâmbia, Voluntários do Japão, Salamboco, um grupo composto por moçambicanos e americanos, um grupo do África do Sul, para além do Coral dos Antigos Combatentes.
Nampula colorida e misturada e transformada e seduzida! E eu estou lá. E, depois de ver o Nyau, lá vou eu, indo ao mesmo local, escancarar a minha alma total para o Massuko. Uma banda que actuou a uma escala de ouro, levando toda a cidade de Nampula à alucinação. Mostrando que é um grupo de craveira mundial. Nampula rendeu-se aos inesgotáveis recursos dos jovens de Niassa.
Pois é: à noite também gosto de passear, andar por aí, à toa. Ver mulheres que deambulam pelas artérias esburacadas. Beber o meu copo, sempre apetecido. Para intervalar as actividades que vou assistindo aqui, ali e acolá. Como agora que estou no Museu de Etnologia, para assistir a uma sessão de jazz, ouvir música ligeira e apreciar as beldades em passagem de modelos, e rir-me um pouco, para alimentar o espírito, com sessões de humor. Estou na Lua.
Vejo passar, perto de mim, as irmãs Domingas e Belita, que vão actuar amanhã. E elas saúdam-me. Levanto-me, da mesa onde estou sentado, para retribuir o cumprimento, com dois beijos na face de cada uma delas. Passa também a Pureza Wafino e faz um trejeito com os lábios como quem diz: você aqui?
É verdade, eu aqui, em Nampula, com os meus amigos, antigos e de circunstância. Vou lançar o meu livro amanhã. Na Biblioteca Marcelino dos Santos. Eu e o meu confrade Domi Chirongo. Não cabemos em nós de contente. Estarão lá os estudantes e professores baseados nesta cidade.
Para nos reconfortarem. Não compraram os nossos livros. Não importa. Mas eles estiveram lá, com bálsamo para os nossos corações. Sem dinheiro nas mãos. Nem nos bolsos. O dinheiro rareia. Só come quem pode. Que fazer?
Continuo em Nampula. E o tempo, de dia, está bom. Procuro uma esplanada para contemplar o movimento e esses lugares são escassos. Percorro, aleatoriamente, as ruas esburacadas, a pé, à procura de um restaurante. Conheci vários, onde passei refeições servidas a um ritmo de camaleão. Parece que ninguém tem pressa, contrariando abertamente o crescimento galopante da capital do norte.
Ainda estou em Nampula. Feliz. Na Lua. Embora tenha chegado tarde. Sem oportunidade de ver a exibição, no dia da abertura, da Timbila Ta Venâncio e do grupo do Durão e do Xane Wa Gune e do Timbila Muzimba e do Djaka.
E nem a própria cerimónia coreografada por Pérola Jaime, com mais de 800 artistas locais e o desfile de todas as delegações provinciais. Mas estou lá. Quero ver o Ali Faque e as Muthianas, porque vou a tempo, quero ver a Zena Bacar, que me arrepiou profundamente no dia do encerramento, cantando com cerca de duzentas coristas.
Que coisa mais bela! Que coisa mais Divina! Oh, Zena! Oh, meu amor Zena! Compensaste o facto de eu não ter visto a actuação, no primeiro dia, de Gimo Remane, que encontrei, depois, nos labirintos do festival. E disseram-me ainda, que, no mesmo dia e no mesmo palco, evoluiu igualmente o Mabasso e a Youth Band. Que pena não os ter visto!
Continuo em Nampula e quero ir, de novo, à Ilha de Moçambique, numa excursão promovida na extensão do Festival, mas não posso. À tarde é o lançamento do meu livro e não sei a que horas se volta de lá. São cerca de 200 quilómetros de ida e 200 quilómetros de volta.
Não posso, não! Vou ficar aqui. Vou ao pavilhão assistir a uma exposição de artes plásticas e artesanato, representando artistas de quase todo o país. Vou ao teatro ver o Tambu Tambulani Tambu, no anfiteatro da Academia Militar Samora Machel. Vou assistir ao lançamento do filme Mithoro, de Júlio Silva. E ouvir música coral. Ah, tanta comida para a alma!
Também vou às palestras sobre o livro e o disco e sobre as Indústrias Culturais como factor de desenvolvimento, a divulgação do regulamento de espectáculos e divertimentos públicos, a importância da leitura, Plataforma de reflexão e intercâmbio sobre as Indústrias Criativas e a importância do apoio que o FUNDAC dá à Acção Cultural.
Oh, ainda estou em Nampula, a participar no VII Festival Nacional da Cultura. Agora deixem-me ir comer na feira de gastronomia: huuum… Este foi bom, ao sabor deste grande festival! Agora, esperemos até ao próximo, aqui, na minha terra.