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O fabuloso destino de José Eduardo dos Santos

No poder desde 1979, José Eduardo dos Santos concorre a novo mandato. A reeleição é mais do que certa, mas há sectores do próprio regime que estão descontentes com o modo como o Presidente tem posto e disposto do partido nos últimos anos. E se a oposição tradicional está fragilizada, em Luanda já houve alguns arremedos de primavera árabe…

José Eduardo dos Santos vai ganhar as próximas eleições em Angola. A única dúvida é por quanto. A outra que poderia surgir era saber se terá mais ou menos votos do que o partido a que preside, o MPLA. Mas José Eduardo, talvez temeroso que essa comparação lhe pudesse ser eventualmente desfavorável, tomou as devidas precauções, procedendo em Janeiro de 2010 a uma alteração constitucional que implica que o número um do partido mais votado será o Presidente da República e o número dois o seu vice.

Teria Eduardo dos Santos razões para estas precauções? Provavelmente sim. Exerce a presidência da República de Angola desde Setembro de 1979, portanto há longos 33 anos. E se durante a primeira fase do seu mandato, que se pode de finir até ao final da guerra, em Fevereiro de 2002, ele foi o garante dos vários interesses que gravitam na super-estrutura do Estado, das Forças Armadas e do partido, parece hoje óbvio que os dez anos que passaram desde a morte do seu grande opositor, o líder da UNITA, Jonas Malheiro Savimbi, o tornaram um líder mais contestado.

Não são só as manifestações espontâneas que pontualmente apareceram em Luanda depois da primavera árabe – e que foram reprimidas com brutalidade, quer pelas forças o ficiais, quer por grupos-sombra que actuam em consonância com o Palácio. Paralelamente à contestação e às denúncias oriundas da oposição e de várias vozes da sociedade civil, é sobretudo do interior do regime que se ouvem as vozes discordantes em relação ao trajecto do Presidente nos últimos anos, pondo e dispondo do partido e distribuindo benefícios económicos directos a um círculo próximo de si.

No Ministério do Interior, ao nível do Comando Nacional, há sinais de grande descontentamento com as políticas presidenciais. A geração que fez a guerra, como Kundi Paihama, Dino Matross, Kopelipa Roberto de Almeida, Ndalu, Mawete Baptista, Pacavira, Armando Neto, e outros, está a chegar ao fim, mas mantém um peso importante no Bureau Político e na esfera económica.

Contudo, a nova geração, mais bem preparada, não tem tido oportunidade para se a firmar. E sempre que alguém se começa a evidenciar (por exemplo, Carlos Feijó é um dos casos mais recentes) e a ser apontado como o futuro del fim do eterno inquilino do Palácio, este tira-lhe o tapete e baralha de novo o jogo.

Saída antecipada só com garantias

Manuel Vicente é agora o del fim. O Presidente começou por convidá-lo para o Bureau Político do MPLA e depois impôs o seu nome e colocou-o em número dois na lista que o partido vai apresentar às eleições. Daí a ser entendido como um sinal para futuro Presidente da República de Angola foi o passo de um anão. Que se trata de um homem de absoluta con fiança de Eduardo dos Santos não há dúvida.

Durante vários anos foi o todo-poderoso presidente da Sonangol, a empresa petrolífera angolana, que actua ao mesmo tempo como agência reguladora e como quase fundo soberano e que tem sido o aríete da estratégia de internacionalização do grande país africano. Mas o futuro de Vicente está indissociavelmente ligado ao de José Eduardo dos Santos. E ninguém sabe o que o Presidente vai fazer.

Em África, os líderes não abandonam a meio as suas funções. E os mais velhos são respeitados pelos outros. Ou temidos? Veja-se o caso de Robert Mugabe que, apesar dos desmandos que tem cometido e de ter conduzido a economia do seu país ao colapso, só timidamente foi criticado em público pelos seus pares da Organização da Unidade Africana e tem merecido algumas palavras de apoio dos outros chefes de Estado africanos.

Há um risco que José Eduardo dos Santos não pode correr: o de um futuro presidente decidir mandar investigar a forma como ele e a sua família, com destaque para a lha Isabel dos Santos, acumularam uma fabulosa fortuna. E, portanto, a sua eventual saída antes de cumprir o mandato para que será eleito só pode acontecer num quadro em que ele e os seus conseguirem garantias de impunidade relativamente ao futuro.

É isto que determinará se Eduardo dos Santos toma posse e cumpre todo o mandato; ou se, a meio, dá lugar ao vice-presidente; ou se não só cumpre o primeiro mandato, como se candidata a um segundo para o levar também até ao fim.

Beco com saída: ficar no cargo

Há quem sustente que Eduardo dos Santos gostaria de sair para um cargo internacional, mas não africano: provavelmente, secretário-geral das Nações Unidas. Seria uma excelente justificação para abandonar a meio o mandato; ajudaria a limpar a imagem do Presidente, que continua muito associada aos casos de corrupção no seu país; e garantir-lhe-ia a tal impunidade que ele sabe ser essencial para prevenir percalços futuros.

A questão é que até branquear a sua imagem, o Presidente precisa de tempo e de acções. Internamente, é provável que troque os dossiês económicos pelos dossiês sociais durante o seu primeiro mandato, visando precisamente esse objectivo. Mas mesmo que tal resulte, precisa de tempo para que essa sua nova imagem se consolide externamente, o que é bastante mais improvável.

Contudo, o cerco internacional está a apertar-se. Barack Obama tem vindo a defender a necessidade de uma muito maior transparência das indústrias extractivas, implicando que as empresas americanas que actuam nestas áreas sejam obrigadas a declarar quanto pagam aos governos locais para obter contratos de prospecção e exploração de matérias-primas.

Cabe aqui o caso da Cobalto, uma empresa de pequena/média dimensão de Houston (cujo principal accionista é a Goldman Sachs e que ainda tem associados o Grupo Carlyle e George Soros…) que opera nas áreas de petróleo e gás e que adquiriu por ajuste directo alguns dos blocos angolanos de pré-sal, que estão a testar para saber da existência de petróleo.

Acontece que à Cobalto está associada a Nzaki, uma empresa angolana onde ponti fica Manuel Vicente que, enquanto presidente da Sonangol, atribuiu as tais licenças de exploração do pré-sal à Cobalto. É este tipo de coisas que continua a embotar a imagem do Presidente e de quem lhe está associado.

Existem visões mais radicais, uma das quais sustenta que o Presidente está prisioneiro no seu país. E que por isso, mesmo que esteja cansado, não pode gozar a vida, porque não é um Chissano. E se sair do país sem imunidade diplomática pode ser alvo de alguma acção jurídica internacional, que organizações de direitos humanos terão em preparação. Isso tudo empurra-o para car na presidência não só neste mandato, como fazendo mais um.

A pressão interna também não tende a diminuir. Ao contrário do que esperaria, nos últimos anos Eduardo dos Santos aumentou os esquemas de atribuição por favor de benefícios económicos e empresariais à sua família, o que demonstra o seu crescente isolamento.

Por exemplo, nomeou o lho para presidente do conselho de administração do fundo soberano que criou em Março deste ano e o sobrinho para a administração. Dentro do MPLA, mesmo os que bene ficiam destes esquemas, percebem o incómodo de o país estar centrado numa pessoa acusada de ser o padrinho da corrupção.

Mesmo antigos militantes altamente privilegiados que têm bene ficiado das benesses económicas do poder estão em rota de colisão com José Eduardo dos Santos e Manuel Vicente. A situação de desgaste é, portanto, muito grande. As tensões no MPLA têm vindo a crescer.

Eduardo dos Santos continua a ser o cimento, mas já não com a legitimidade que tinha no final da guerra. Ao não ter saído da presidência nas eleições de 2008, ficou, desgastou-se e deixou aprofundar os esquemas obscuros. Está num beco sem saída. Ou melhor, com uma saída: ficar no cargo para que vai ser eleito.

De qualquer modo, não se deve desprezar a capacidade de manobra que o Presidente detém no exterior, onde é claramente o favorito das grandes potências mundiais para se manter no poder. Tem vindo a usar recursos internos para ganhar poder no exterior – e é por aí que se explica grande parte dos investimentos da Sonangol e de Isabel dos Santos em Portugal, e até em Moçambique. E depois usa o poder exterior para cimentar o seu poder interno.

Mais um mandato, ou mais dois?

No que toca à situação na África Austral, tem utilizado o exército angolano para intervir em vários países, assumindo- se como um símbolo de estabilidade e segurança. E, por exemplo, quando se compara a abilidade de Angola com a Nigéria, basta constatar que Luanda nunca alterou os contratos petrolíferos com as grandes empresas americanas ou europeias que ali operam, ao contrário do que se passou na Nigéria.

Mas mesmo aqui há problemas. Os campos de petróleo em Angola estão a atingir a maturidade. No ano passado veri ficou-se uma quebra da produção de 7,3%, também por problemas técnicos de operação em alguns blocos e necessidades de manutenção de operações que levaram à suspensão temporária de alguns deles. (Contudo, caiu a produção mas os lucros da Sonangol aumentaram de 2010 para 2011, passando de 2,52 mil milhões de dólares para 3,32 mil milhões).

Para prevenir estas situações e preparar o futuro da actividade petrolífera, surge a aposta no pré-sal, a prospecção petrolífera a grande profundidade, no mar. Mas, ao permitir que uma empresa associada a Manuel Vicente se tivesse associado a uma das que vão explorar esta actividade (o escândalo é porque a Cobalto não faz parte das grandes empresas que operam nestas profundidades, o que exige tecnologia e dinheiro, além de serem players conhecidos), deixou desconfortáveis mesmo os seus mais fiéis apoiantes.

O desa fio ao Presidente não é ainda aberto. Mas sente-se que o respeito reverencial que lhe têm, se não mesmo o temor, começa a diminuir. Mesmo assim, José Eduardo dos Santos continua a ser o grande mestre no tabuleiro da política angolana. Ele cala a contestação dos que defendem que deveria abandonar o cargo, ao levar consigo Manuel Vicente como suposto sucessor ou ao indicar Pitra Neto para presidente da Assembleia Nacional, ele que há alguns anos foi apontado como o seu sucessor, dando a entender que está a passar o testemunho.

Mas há quem diga que este é um presente envenenado, já que ao retirar Vicente da presidência da Sonangol, também lhe retira a força que tinha, já que, do ponto de vista político, o seu peso é muito reduzido.

Por isso, há quem insista que a probabilidade de o Presidente exercer os dois mandatos é elevada e que ele só abandonará o cargo presidencial ou num caixão ou deposto. A situação do país está a ficar mais crispada. A sombra do que aconteceu na Tunísia pesa sobre o Presidente angolano. A contestação de rua deixou de ter medo de se manifestar publicamente. Os grupos de interesses económicos estruturaram- se, bene ficiando dele, mas agora já têm alguma autonomia.

E uma eventual ruptura no próprio MPLA não pode ser totalmente afastada. O nervosismo do poder leva-o a pressionar instituições privadas para afastar adversários incómodos. É o caso da Rádio Eclésia, que afastou o seu comentador político há mais de dez anos, Justino Pinto de Andrade, um histórico militante da luta de libertação nacional, e um crítico do regime.

Mais uma vez, contudo, convém não desprezar a experiência do Presidente em controlar situações de tensão. Como se referiu inicialmente, José Eduardo dos Santos fez uma alteração constitucional para não ir a votos individualmente e sim como cabeça de lista do MPLA.

Evita assim que se possa comparar o que ele vale sem o partido a que preside há mais de três décadas. É claro que haverá sempre a tentação de comparar o resultado que terá em Agosto com o resultado norte-coreano de 81% que o MPLA obteve nas últimas eleições.

Em qualquer caso, a empresa espanhola que vai organizar as eleições chama-se Indra e já esteve presente naquilo que alguns observadores chamam o escândalo eleitoral de 2008. Aliás, a Espanha, a par do Canadá, é o único país onde, além de Angola, existe a Fundação José Eduardo dos Santos. Além disso, os militares votam nos quartéis e os polícias nas esquadras.

José Eduardo dos Santos é, pois, quase totalmente dono e senhor do seu destino. Quase. Porque há uma variável que lhe escapa. O cargo internacional que eventualmente ambiciona para abandonar a cadeira da presidência angolana não depende dele. E se ninguém der esse passo, provavelmente terá não só de fazer o próximo mandato como outro até ao fim, altura em que terá 83 anos.

Angola – oposição sem crédito, anémica ou dividida

A campanha eleitoral deste ano está a ser encarada com indiferença pela população, muito longe do fervor de 1992, quando se realizaram as primeiras eleições, e mesmo de 2008, quando os angolanos foram às urnas pela segunda vez em 37 anos de independência.

“Os sinais da campanha eleitoral indiciam a pouca maturidade da nossa democracia e as fragilidades dos partidos em geral”, diz o agrónomo Fernando Pacheco, uma das vozes críticas mais respeitadas em Angola.

O trânsito em Luanda, marcado normalmente por um asfixiante engarrafamento, ganhou um desafogo fora do comum. E o receio de uma boa parte dos expatriados, designadamente de nacionalidade portuguesa, levou-a a enviar os filhos para fora do país. Para assegurar a manutenção da ordem, as autoridades adoptaram medidas excepcionais de segurança.

Na linha da frente da grelha da partida destas eleições perfila-se, com larga vantagem, o MPLA, que, com o peso da máquina do Estado a seu favor – nomeadamente nos meios de comunicação social -, surge claramente como um vencedor antecipado.

Confiante na vitória, o Presidente Eduardo dos Santos abriu a campanha com um discurso carregado de optimismo pelo cumprimento de muitas das promessas feitas há quatro anos. Um optimismo que está a provocar o delírio em certos círculos do MPLA, que prognosticam uma vitória por 85% dos votos. Outros, pelo contrário, vêem tal perspectiva com muito maus olhos.

“Seria mau para a nossa democracia, já que um novo cenário desta natureza faria renascer tentações para o totalitarismo, a asfixia da liberdade e o contínuo florescimento impune da corrupção” disse ao Expresso Fernando Vieira, um estudante universitário representante da ala moderada da juventude do partido no poder em Angola.

Face às críticas sobre o modelo de distribuição da riqueza, o MPLA juntou às palavras de ordem da sua campanha a ideia de que é preciso “crescer mais e distribuir melhor”.

Na oposição, a UNITA surge visivelmente fragilizada, depois da onda de deserções que culminou com a saída de Abel Chivukuvuku, que agora lidera a coligação CASA-CE. Nesta campanha, a UNITA surge com um discurso em que fala de fraude eleitoral.

O discurso está gasto, mas serve ao líder do movimento do galo negro, Isaías Samakuva, para prometer rever a Constituição em caso de vitória, para retirar os poderes absolutos concentrados na figura do Presidenta. A promessa acabou por ser bem acolhida por diversos segmentos do eleitorado, incluindo algumas franjas do MPLA.

A má distribuição da riqueza e o combate à corrupção são as armas eleitas pela coligação CASA-CE para fragilizar a imagem do MPLA. O desempenho deste movimento – que agrupa vários líderes de antigos partidos de uma desmembrada oposição parlamentar e extraparlamentar, capitaneados por Chivukuvuku e que conta com o desertor do MPLA Mendes de Carvalho – pode atrair algum eleitorado jovem, levando-o a conquistar alguns lugares no parlamento, em detrimento da UNITA.

O resto da oposição é constituído pela FNLA, o último partido tradicional, dilacerado por uma guerra interna sem quartel; pelo PRS, com implantação nas Lundas, que hasteia, cindido em dois, a bandeira do federalismo; pela Nova Democracia, um partido satélite do MPLA; e por outras pequenas formações políticas que ainda têm que aprender a fazer os trabalhos de casa e cabem num táxi…

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