A história de Agnaldo Rui Jó Navalha é uma lição sobre a fé, a perseverança e a opressão, em que a força de vontade do jovem se mostra plena. Uma celebração de princípios a partir do gozo da sua cidadania. @Verdade esteve em Chigubo, província de Gaza, e trocou dois dedos de conversa com o jovem que se tornou persona non grata para a administração daquele distrito.
Navalha denuncia uma série de esquemas no Serviço Distrital de Planeamento e Infra-estrutura. Não se incomoda que lhe perguntemos se é da oposição. É. Mas para trabalhar no Aparelho do Estado “não é necessário não sê-lo”. No concurso público, para ingressar na Função Pública, não é da orientação política que se fala. Razão pela qual, resume: “Sou o único funcionário público deste distrito que não tem cartão de membro.
Há muito, continua, que este distrito é desprezado. Navalha questiona, também, o facto de o segundo distrito mais extenso da província de Gaza só ter uma escola secundária de nível básico. Assegura que o baixo nível de instrução serve para perpetuar o poder. “É isso que a população tem de perceber. Que apesar de votarem no mesmo partido a província continua agarrada à pobreza”, diz.
(@Verdade) – Como é que um jovem da oposição sobrevive num meio hostil como Dindiza?
(Agnaldo Navalha) – É complicado. Não é tarefa fácil porque, na maioria das vezes, acabo por ser o único a pensar de uma forma aberta. Trabalhar no distrito, como o Presidente tem dito que é o polo de desenvolvimento, para jovens como eu não é tarefa fácil.
Não é possível desenvolver nesta perspectiva que o Presidente precisa. Nós temos de colocar em prática algum conhecimento que temos que é mais científico, mais contextualizado, mas neste distrito em particular não é possível. É muito complicado.
(@V) – Tive conhecimento de que após a tua chegada pretendiam dar-te um cartão de membro do partido no poder. Como é que conseguiste recusar tal pretensão?
(AN) – Eu entrei no ano passado, em Novembro, e deparei com uma regra que dizia que todo novo funcionário tem três meses para se inscrever como membro do partido, caso contrário ele não é do partido Frelimo.
Vieram ter comigo para ser membro e eu disse-lhes que não podia ser porque eu vinha da cidade e vindo de uma cidade onde estão as sedes provinciais de todos os partidos tudo indica que eu deveria ter um partido qualquer.
Não tendo um partido não seria no distrito que eu iria fazer tal escolha. Submeteram o meu caso ao comité de verificação e acabei por revelar que era membro do MDM e que não precisava de estar no partido Frelimo.
Nessa altura disseram para continuar livre e trabalhar como sempre fiz, mas que para eu continuar a estudar eu teria de ser membro do partido Frelimo. Todos partidos da oposição em Moçambique lutam para que haja igualdade de direitos na Função Pública. Eu sou o único funcionário no distrito que não tem cartão de membro e reconhecido por todos como tal.
(@V) – Isso torna a tua vida difícil neste meio?
(AN) – Torna.
(@V) – … De que maneira?
(AN) – Eu já sofri vários descontos salariais, inclusive no último cheguei a auferir 1800 meticais. De todas as vezes que peço dispensa para ir fazer testes na faculdade, o meu pedido é indeferido. Já fui avaliado negativamente no meu desempenho anual.
Já tive um processo de advertência e outro de repreensão pública. Sofri uma tentativa de expulsão também. Eu pedi para colaborar com um colega que é professor de geografia. Fui dar uma aula com a anuência deste na escola onde lecciona e o chefe de secretaria disse que eu devia abandonar a sala porque não estava autorizado a tal.
Abandonei a sala triste. Alguns dias depois, apareceu o governador e fui colocado a fazer a instalação eléctrica da casa deste. Porém, no momento em que estava a fazer o trabalho começarem a surgir rumores de que eu devia ser expulso do Aparelho do Estado por pertencer ao MDM.
O meu director também falava, dizia ao professor Evaristo que não deveria conversar comigo porque eu era do MDM e isso poderia sair-lhe muito caro. Foram feitas várias reuniões para persuadir as pessoas a deixarem de conversar comigo. Isso em todos serviços distritais.
De Novembro para cá já aluguei quatro casas. Vivo dois meses e os proprietários são procurados e obrigados a rescindir o contrato. Ou seja, nesses 11 meses que estou aqui já vive em quatro casas pelo facto de pertencer aos quadros do MDM.
No dia 26 de Abril, o secretário do bairro levantou-se num comício público e disse que ia incendiar a minha residência. Isso não foi reportado e, por isso, não consigo compreender a Imprensa pública, isto é, a Televisão de Moçambique e a Rádio Moçambique. Estavam presentes, mas não foram capazes de reportar o facto.
O jornalista da TVM era o Matsinhe e o da RM o Isidro. Cobriram o evento, mas não divulgaram. Eu penso que ambos, na qualidade de jornalistas, deviam publicar. Não foi algo que saiu da minha boca. Eles ouviram do próprio secretário do bairro afecto ao partido Frelimo. Estava a ser violada a Constituição da República na presença de dois órgãos de informação e eles não fizeram nada.
Afinal não somos livres de escolher a camisola partidária que queremos vestir? Um direito é atropelado e a Imprensa pública que vive dos nossos impostos não faz nada.
Em Maio tive de sair porque tinha uma cirurgia marcada em Xai-Xai, e recebi uma nota de acusação por causa do episódio da Escola Secundária Armando Emílio Guebuza. Naquele mês não recebi o meu salário por ter ido tratar da minha saúde.
O meu director não autorizou que me pagassem, por isso indeferiu o meu pedido de dispensa. Mas como eu tinha a cirurgia marcada tive de deixar Chigubo.
Quando estava no hospital facultei sempre informação. Um dos colegas dos Recursos Humanos ligava-me para saber da situação.
Porém, naquele mês, o meu salário ficou retido. Quando regressei procurei inteirar-me do processo, mas o meu director informou que já havia um despacho do administrador de expulsão. Eu tive de interpor recurso, mas antes marquei audiência com o governador.
Fui atendido pelo chefe do gabinete do governador e ele disse-me que tomou nota. Fui à sociedade civil ter com a FONGA. No distrito fui ter com a AMODE que também é uma organização da sociedade civil.
Não fui ao meu partido porque quis abster-me da política, preferi agir como técnico e porque há essas organizações que trabalham com pessoas da minha especialidade.
Não fui pelo lado político. Fui falar com a procuradora e o comandante distrital porque achava injusto ser expulso nestes termos.
A procuradora pediu para ver o processo. O meu director, como se não bastasse, era o instrutor do caso. O que eu mais discutia, naquele momento, era porque se tinha de se instaurar um processo disciplinar na Escola Secundária Armando Emílio Guebuza se eu não fui para aquele estabelecimento de ensino como funcionário, mas sim como cidadão.
Tendo, portanto, ido como cidadão normal, não havia matéria para tratar o assunto de forma administrativa.
Tendo cometido uma irregularidade no recinto, eles deviam tratar o assunto de forma criminal e não administrativa. Uma das coisas que faltava no processo era a acareação.
Quando fomos para a acareação o senhor Emiliano, o alegado injuriado, negou as afirmações todas. Quando questionado sobre a facto de ter prestado falso testemunho ele disse que não tinha sido ele a fazer a participação.
Ele simplesmente disse ao director dele que eu estive na escola e que ele retirou-me da sala. No que toca à injúria, quem teria escrito foram os directores da escola e do SDPI.
Nesse contexto instrumentalizaram o jovem para que aceitasse que eu o injuriei, mas como ele estava ciente de que teríamos uma acareação, e esperou para abrir o jogo. Agora existe um processo contra ele nestes termos. É inconcebível que estejamos a viver situações dessas.
O Presidente da República congratulou Dlhakama por ter mantido a paz nestes 20 anos e quer que nós tenhamos tolerância pelas diferenças.
No distrito não existe diálogo entre os funcionários e as lideranças. O que vigora são perseguições. Portanto, é complicado viver nestas circunstâncias.
Despesismo
(@V) – Em Chigubo os bens dos Estado são usados para fins particulares?
(AN) – Sim. É normal vermos as viaturas estacionadas no Mabunda (quiosque). Até a ambulância porque estão lá os chefes e divertirem-se. É normal vermos às 4 horas os carros a saíram porque têm de ir deixar a namorada ou amante de um chefe em Chókwè.
Neste distrito falta compreenderem a lógica do que realmente é pólo de desenvolvimento. Temos uma EPC em que as crianças estudam debaixo das árvores há um ano. Duas salas ficaram sem a cobertura, mas temos tanto dinheiro que gastamos em coisa fúteis que poderia ser usado para cobrir essas salas. Saem troncos todos os dias que poderiam servir para fazer carteiras.
Eu sugeri ao administrador publicamente que os exploradores poderiam deixar de pagar impostos. Porém, deveriam fazer carteiras e deixarem na escola. Esse seria um imposto que a população poderia ver, já que o imposto quando passa pelas finanças, ninguém mais vê. Cada comerciante de carvão poderia trazer chapas para cobrirmos a escola. Não podemos esperar pelo Governo se as soluções podem ser internas.
(@V) – Qual é a esperança deste distrito?
(AN) – Esse é o único distrito a nível nacional construído pelo Governo nacional. Não existe nada que o português deixou. Não há vestígios do português. Não existe uma esperança positiva a curto prazo. Os funcionários, as pessoas que deviam desenvolver o distrito, vivem intimidados. O nível de escolaridade é muito baixo.
Em extensão somos o segundo maior distrito da província de Gaza. Acredite: só temos uma escola secundária com nível básico e que só tem duas turmas da 10a classe. Esse é o último nível de educação que o distrito tem, mas temos à volta de sete ou oito EPC´s. Nem as EPC’s conseguem alimentar essa escola secundária.
O distrito só se pode desenvolver se apostarem no ensino. Se revermos um pouco a história africana, desde o pan-africanismo até a Frelimo, não encontramos analfabetos na origem desses movimentos. Enquanto persistir o analfabetismo, não há esperança. Estamos à beira do abismo e vamos dar um passo em frente.
Actividade politica
(@V) – Sendo membro do MDM, acreditas na possibilidade de conquistarem votos algum dia em Chigubo?
(AN) – Já temos simpatias, sobretudo porque, diferentemente da Renamo, o MDM tem funcionários no Aparelho do Estado que convivem em perfeita harmonia com os seus colegas. Ao nível do distrito de Chigubo, eu converso com todos funcionários públicos.
Alguns colegas em off dão força, principalmente os professores que são os que mais estão envolvidos no processo eleitoral quando chega a altura. Eles garantem que vão fazer o seu trabalho de mobilização. Eles acreditam, se calhar, que precisam de uma mudança. O que é complicado é sensibilizar a população. Nós tentamos dizer que o MDM é o único partido que não saiu de um conflito armado e que está na Assembleia da República. Porém, a população está instrumentalizada e pensa que o MDM é a Renamo.
Temos a vantagem de que, no máximo, só 10 funcionários públicos é que são de Chigubo. Chigubo é o segundo distrito mais extenso da província de Gaza, mas só tem uma escola secundária de nível básico. Mas compreendo, o baixo nível de instrução serve para perpetuar o poder. É isso que a população tem de perceber. Que apesar de votar no mesmo partido, a província continua agarrada à pobreza.
Corrupção na SDPI
(@V) – És bastante crítico em relação ao SDPI. Porquê?
(AN) – Tivemos dois concursos públicos. O último foi acerca de uma das represas que vamos fazer em Nhanale. O estranho é que o meu director trouxe o caderno de concurso da GITEJO. Ele é o director do SDPI e trouxe o caderno. Porque não foi a empresa a vir concorrer? Ele foi à cidade e trouxe o documento. Onde é que se legitima este comportamento se esta empresa ganhou o concurso?
(@V) – Quem questiona esse tipo de comportamento?
(AN) – Eu sou a única pessoa que questiona. Por isso sou mal percebido. Eu perguntava aos colegas naquela altura: como é que se explicava que ele trouxesse o caderno de uma empresa quando as outras vieram deixar pessoalmente? Veio a MAX, a Gued Construções, mas a GITEJO foi o director do serviço a trazer. Estranho!
(@V) – Mas é ele quem escolhe a melhor proposta?
(AN) – Ele é que depois legitima. Temos a UGEA, os técnicos que fazem parte do júri, mas em algum momento são subordinados dele. Ele é director máximo. Os outros são escolhidos para ser membros do júri naquele dia, mas no final a orientação vem dele. Temos a construção da residência de Nhanale, a dona Suzana, uma das empreiteiras, concorreu para construção de uma obra de um quarto e sala.
Só que, ao longo do processo, ela falou com o administrador para ver se lhe aumentavam o valor para fazer uma casa de três quartos. A obra foi barrada e ficou parada. Porém, neste ano, houve um novo concurso para a construção de uma outra casa para o mesmo cidadão num outro terreno. A obra anterior ficou parada e o valor não foi justificado. É o dinheiro do erário público que está a ser esbanjado de forma estúpida. A população continua a cada dia que passa mais pobre.
(@V) – Mas esses são os únicos casos de corrupção?
(AN) – Tivemos aqui o senhor Macuácua, o grande empreiteiro de Chigubo. Por lei, quando há concursos dessa natureza, tem de se dar prioridade aos que têm actividades económicas locais. O senhor Macuácua tem armazéns, bombas de combustível, etc. Ganhou a sua última obra por um triz.
A liderança do distrito queria que ele desse 10 porcento do valor do projecto. Outros tiraram. O empreiteiro que ganhou a obra da construção das duas salas de Machaila não concluiu a casa do chefe de posto de Zinhane, ainda assim ganha obras. Quando reclamo dessas coisas dizem que o faço por ser da oposição.
A obra do senhor Macuácua é fiscalizada todos os dias, mas as outras não. Questionei a razão de fiscalizarmos apenas uma obra se no distrito temos seis obras. A obra de Nhanale, do chefe da localidade, ainda não arrancou. É um pouco complicado esse distrito. Não é pólo de desenvolvimento em prol da comunidade, mas sim em prol das lideranças.
Uma vida sem amigos
(@V) – Na tua condição é difícil fazer amizades?
(AN) – Amigos sempre existem. Uma das grandes vantagens é que muita gente não se mete na política. Eles dizem que não são políticos, e como eu nunca falo de política com eles, podemos ser amigos. Acabamos por ter amigos, mas o que eu tenho feito, na maioria das vezes, é não aproximar-me muito deles.
Passo mais tempo a ouvir rádio ou a ler um livro. Tenho uma colega da secretaria distrital que foi vítima de perseguição porque julgavam que fosse minha namorada e também membro do MDM. Tive de me afastar dela para não lhe criar problemas.
