A maioria dos agricultores do sector familiar não possui o Direito de Uso da Terra (DUAT) que cultiva em Moçambique. “Como é que um agricultor vai deixar a pobreza com um hectare de produção? Em vez de estar a dar terra a tudo que é estrangeiro de uma forma muito fácil, as vezes até ilegal, porque não se atribui mais terra aos camponeses?”, questiona o economista João Mosca.
A agricultura é o sector que tem empregue o maior número de moçambicanos; porém não tem conseguido tirar da pobreza os seus praticantes. Um dos motivos, dentre os vários sobejamente conhecidos, para os camponeses deixarem de ser pobres, segundo o director do Observatório do Meio Rural, é a falta de “uma superfície que permita uma escala que os seus rendimentos da agricultura permitam ultrapassar os limites da pobreza.”
Sobre os grandes projectos de agro-negócio que se configuram no horizonte João Mosca é lacónico. “Ou as pessoas resistem, com diferentes formas de resistência, ou então resignam-se e ficam na pobreza. E as pessoas que querem resistir não o fazem de uma forma reactiva, têm que reagir de uma forma pró-activa. O camponês, em vez de estar a lutar pela defesa do seu hectare e meio, deve lutar para que lhe seja atribuída terra.”
De acordo com a Constituição da República, a terra em Moçambique é propriedade do Estado e não pode ser vendida, alienada, hipotecada ou confiscada. A Lei Mãe também declara que todo o povo moçambicano tem o direito de uso e aproveitamento da terra, nas condições determinadas pelo Estado.
“Há pessoas que dizem que a grande usurpação de terra em Moçambique foi a nacionalização da terra, porque o Estado pode fazer uso da terra independentemente da vontade do camponês. Então o camponês, dono da terra, não tem nenhum poder sobre a terra, ou tem muito pouco poder sobre a terra”, refere o nosso entrevistado.
Relativamente aos apoios estrangeiros ao sector agrícola, o professor catedrático faz notar que grande parte desses países desenvolvidos apoia a produção de culturas que lhes interessam, particularmente aquelas que não venham a concorrer com as culturas produzidas pelos seus agricultores.
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Estrangeiros apoiam culturas que lhes interessam
“Porque é que os fundos dos Estados Unidos (da América) não apoiam, por exemplo, o algodão? Porque os agricultores americanos têm fortes subsídios de algodão. Eles não subsidiam o algodão fora dos Estados Unidos porque no futuro poderá concorrer com o seu próprio algodão. Eles vêm cá subsidiar a cultura da soja onde eles têm necessidade dessa cultura.”
Efectivamente, na semana finda, @Verdade esteve num evento de lançamento de parcerias, no valor de 30 milhões de dólares norte-americanos, do Governo dos Estados Unidos da América, através da sua Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID), com entidades privadas com o mote de aumentar os rendimentos dos pequenos agricultores nas províncias de Nampula, Zambézia, Manica e Tete.
As entidades privadas são empresas de venda de sementes e fertilizantes, de consultoria e formação, de sistemas de irrigação e também um banco de microcrédito. Nenhum camponês ou organização que os representa esteve presente na cerimónia.
Na verdade o apoio para os agricultores familiares moçambicanos consiste em mais crédito com juros pouco atractivos, para comprar sementes e sistemas de irrigação que os camponeses não pediram.
Note-se que mais de metade do crédito destinado à agricultura, que representa apenas 8% do financiamento concedido à economia moçambicana, foi destinado na última década às culturas do algodão e do açúcar (para exportação).
“Quando vem o grande investidor é sobretudo para exportação, muitas vezes uma exportação sem qualquer transformação local; portanto, não há retenção de valor dentro do país, é tudo exportado de forma primária. E nesses sectores (onde os grandes investidores deverão focar) há algum sucesso no açúcar, tabaco, um pouco no algodão, e também algum no caju”, esclarece o economista que desmistifica a ideia de que o pequeno camponês é pouco eficiente, chamando atenção para a sua importância como produtor de alimentos.
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“Qualquer dia vamos ter um ministério da felicidade dos moçambicanos”
“O grande produtor agrícola do mundo é a pequena produção, ainda hoje, não obstante o grande peso do agro-negócio e dos investimentos.”
O professor Mosca desmistifica a ideia de que o pequeno produtor não competente no sentido económico, “é eficiente em termos ambientais, é eficiente em termos de segurança alimentar, porque o camponês quer preservar em primeiro lugar a sua segurança alimentar, é eficiente em termos de utilização de recursos e é eficiente em termos de reprodução da família como tal.”
“Há um conjunto de eficiências que hoje os burocratas e os técnicos medíocres e economicistas não ponderam, avaliam apenas em termos de mercado. Há muitas outras eficiências que fazem parte da estratégia produtiva dos camponeses que os técnicos muitas vezes não compreendem, ou não querem compreender. Você pode ter uma grande eficiência técnica mas depois diz quanto é que custou produzir aquilo, pode ter uma grande eficiência económica mas agrediu completamente o ambiente, quanto é que custa a agressão ao ambiente e quanto é que custa a rentabilidade económica?”
Mosca acrescenta que “se não parte do Estado fazer uma política séria de fazer o desenvolvimento da agricultura pensando também nos pequenos produtores vamos ter cada vez mais pobreza, vamos ter se calhar mais problemas sociais e de instabilidade no meio rural, vamos ter cada vez mais situação de que as pessoas estão absolutamente desesperadas e não saem da pobreza e da própria fome.”
O economista alerta também que a agricultura, com todos estes problemas, está a deixar de ser atractiva até para a maioria dos moçambicanos. “Quem está a ficar na agricultura são as crianças, as senhoras e os velhos. Então se isto não mudar daqui a 30-40 anos o que é que vai acontecer com a agricultura? Os jovens estão cada vez mais escolarizados, não querem mais a agricultura. Os velhos vão morrer… quem vai ficar na agricultura? Porque a agricultura hoje não é uma actividade atractiva para a população. E, cada vez mais, existe um envelhecimento dos produtores e uma feminização da produção agrícola, se tu analisas a situação a curto prazo é grave, se projectas para daqui a 50-100 anos a situação é muito mais complicada.”
Perguntámos a João Mosca, que trabalha no sector agrícola desde 1976, se a mudança de nome do ministério de tutela não será uma mais-valia nos esforços do Governo para aumentar a produção e produtividade alimentar e ainda tirar os camponeses moçambicanos da pobreza. “Os ministérios mudam de nome permanentemente, há umas direcção/funções que entram e saem, agora a terra já tem ministério próprio… qualquer dia vamos ter um ministério da felicidade dos moçambicanos.”
“Vamos ver no futuro se é mais do mesmo, porque o Ministério da Agricultura já foi Ministério da Agricultura e Pescas, já foi Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, já foi Ministério da Agricultura somente, agora é Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar e, do que eu sei, nos 40 anos que eu conheço, nada de importante mudou.”