O livro de memórias do escritor britânico Salman Rushdie sobre os mais de nove anos que viveu a esconder-se após o líder supremo do Irão emitir uma sentença de morte contra ele chega às livrarias, esta Terça-feira (18).
“Joseph Anton” abre com o momento em que Rushdie, já um membro da elite literária de Londres, recebeu um telefonema de um jornalista pedindo a sua reacção à fatwa, ou decreto religioso, emitido em 1989 pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, pedindo a sua cabeça.
“Não me parece bom”, foi a sua resposta discreta. Mas lembra-se de ter pensado naquela hora: “Sou um homem morto”. O que se seguiu foi quase uma década de vida em fuga, temendo por sua própria segurança e a da sua família.
A fatwa, em resposta ao romance de 1988 “Os Versos Satânicos”, transformou Rushdie num nome que ficará para sempre ligado à disputa entre o direito à liberdade de expressão e a necessidade de respeitar as sensibilidades religiosas.
O tema está de volta às manchetes após violentos protestos espalhados por todo o mundo muçulmano em resposta a um vídeo feito nos EUA ironizando o profeta Maomé.
“Eu sempre disse que o que aconteceu comigo foi um prólogo e haverá muitos, muitos mais episódios como esse”, disse Rushdie ao Daily Telegraph no lançamento do seu livro.
“Claramente, o filme é um lixo, é muito mal feito e é malévolo. Reagir a ele com este tipo de violência é apenas ridiculamente inadequado. Pessoas estão a ser atacadas que não tinham nada a ver com isso e isso não está certo.”
No fim de semana, uma fundação religiosa iraniana ligada ao Estado aumentou a recompensa pela cabeça dele para 3,3 milhões de dólares. O seu líder argumentou que se Rushdie tivesse sido morto, casos posteriores de insulto ao islão teriam sido evitados.
A inglesa PEN, filial do grupo internacional que promove a liberdade de expressão na literatura, defendeu Rushdie.
“O filme que causou essa rodada de inquietação é um insulto à inteligência de todos, mas os meios de combate a isso são mais inteligentes, e não ameaças de fatwas restabelecidas e assassinatos”, afirmou a autora e activista Lisa Appignanesi.
O livro de 633 páginas, escrito na terceira pessoa do singular, lembra os dias de Rushdie como um estudante na Universidade de Cambridge e seu início na carreira literária, incluindo o dia em que ele recebeu o cobiçado Prómio Booker por “Os Filhos da Meia-noite”, em 1981.
Sete anos mais tarde o romance “Os Versos Satânicos” foi lançado e, por algumas semanas foi, como ele carinhosamente lembra, “só um romance”.
Em seguida, o livro foi proibido na Índia e na África do Sul, cópias foram queimadas nas ruas do norte da Inglaterra, outros autores voltaram-se contra ele, a sua esposa, Clarissa, recebeu pela primeira vez telefonemas ameaçadores e livrarias foram bombardeadas.
Rushdie viu-se no olho de um furacão que tornou-se ainda mais feroz no Valentine’s Day (dia dos namorados) de 1989, quando a fatwa foi emitida, obrigando-lhe a quase uma década de medo, frustração e vida de culpa sob segurança armada e mudando de casa em casa.
Por razões de segurança, ele teve que mudar de nome e escolheu uma combinação dos primeiros dos dois dos seus autores favoritos, Conrad e Tchekhov. Durante 11 anos foi conhecido como Joseph Anton.