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“Não somos donos de ninguém”

“Não somos donos de ninguém”

@Verdade foi falar com Polly Gaster, coordenadora do Centro de Apoio à Informação e Comunicação Comunitária (CAICC), e ficou a saber que muitos jornalistas tiveram acesso à Constituição da República depois que o CAICC começou a distribuir nos distritos. A língua, muitas vezes, tem sido uma barreira para a transmissão de conteúdos. Por exemplo, o termo governação é, regra geral, interpretado como governo, chefia, etc.

(@Verdade) – O que é CAICC?

(Polly Gaster) – Centro de Apoio à Informação e Comunicação Comunitário. Isso quer dizer exactamente o que indica. Somos um centro de apoio e ajudamos tudo quanto é informação e comunicação comunitária. Que é conduzida ao nível da base e maioritariamente os nossos parceiros locais são as rádios comunitárias, centros multi-médias comunitários, telecentros e afins. A maior parte deles trabalha nos distritos. Isso é o que somos.

(@V) – No que é que se traduz esse apoio?

(PG) – Fazemos muita coisa. Trabalhamos com uma rede de mais de 90 centros, aquilo que chamamos de parceiros locais, como se pode ver neste mapa. Apoio quer dizer que queremos reforçar a rede em tanto que tal. Reforçar as comunicações e ajudas mútuas, criar discussões e debates entre os membros da rede para ficarem cada vez mais autonomizados e não dependentes de um centro em Maputo.

Segundo, queremos apoiar esses nossos parceiros para oferecem melhores serviços às suas comunidades, aos seus ouvintes, utentes. Aí entra a capacitação, visitas, treinamento, fornecimento de conteúdos, acesso à informação.

Privilegiamos o uso de tecnologias de informação. Hoje em dia é mais prático via internet, celulares, etc . Mas também estamos atentos ao facto de nem todos distritos terem acesso fácil. Aí também produzimos informação offline em formato CD ou DVD.

Temos o telefone da linha verde para as pessoas ligarem e terem assistência, apoio e conselhos em tempo real. Mandamos material, às vezes via correio expresso, para poder chegar a todos. Depois queremos que as próprias comunidades onde os nossos parceiros estão inseridos também, paulatinamente, façam melhor uso das tecnologias de comunicação para fins próprios.

(@V) – O CAICC também capacita as comunidades?

(PG) – Não. Não directamente, mas através dos nossos parceiros locais, através da melhor capacidade deles se tornam aptos para trabalhar com associações locais, líderes comunitários, professores, técnicos, governo local, etc. Ajudando-os a fazer melhor uso das tecnologias para terem acesso à informação e para poderem comunicar.

Ou seja, não só usarem as tecnologias para receber informação, mas também para difundir. Trabalhamos principalmente, como se vê, com os nossos parceiros locais. Nós não somos tão vaidosos para pensarmos que, a partir daqui, podemos chegar a todas comunidades. Mas acreditamos que apoiando os nossos parceiros eles próprios tornam-se agentes da mudança. Aliás, já são.

Só o facto da sua existência torna-os agentes da mudança. Ter uma rádio comunitária, ter um computador, ter conhecimento, ter informação é um passo. É isso que nós queremos melhorar. Estamos a encorajar os próprios parceiros a fazer aquilo que chamamos mini-curso para transmitir o conhecimento, não apenas para os colegas, mas para fora do seu círculo.

Fazemos workshops em alguns distritos onde juntamos todos os sectores da sociedade, desde Governo, sociedade civil, técnicos e as próprias rádios para discutir questões como o acesso à informação, o que está escrito na Constituição da República sobre liberdade de imprensa, quais são as potencialidades das tecnologias que muita gente tem através do telemóvel, mas ainda não usam. Por outro lado, discutimos sobre o papel da rádio e do que fazem.

E noutra vertente, encorajamos maior intervenção através de concursos radiofónicos. Este ano o tema do concurso é a liberdade de imprensa e os concorrentes têm de produzir programas que focalizem, de alguma forma, a liberdade de imprensa e de expressão.

No ano passado o tema foi governação. As rádios concorrem, se ganham produzem os programas e nós transmitimos os programas online e provemos partilha. Nesta última visita estávamos a passar programas que foram premiados.

(@v) – No país existem mais de 100 rádios comunitárias.

(PG) – Não. Existem noventa e tal segundo as nossas contas.

(@V) – Porque é que trabalham apenas com 90?

(PG) – Porque é o total.

(@V) – Número total das rádios comunitárias que existem no país?

(PG) – Todas de que temos conhecimento trabalham connosco.

As leis têm de ser claras

(@V) – Qual é o nível do exercício de cidadania nos pontos dos distritos onde estão instaladas as rádios comunitárias? Qual é a vossa percepção?

(PG) – Não é só ao nível dos colaboradores, mas onde fazemos workshops as ideias vão mais longe. A nossa percepção é de que ainda existe muita falta de conhecimento sobre o que vem escrito na Constituição da República, nas leis. A nossa tarefa, como ponto de partida, é disseminar e explicar o que lá está escrito, que é para todos. Depois deixamos para debate o que está ou não está a ser feito.

Estamos muito interessados em receber os programas dos concursos premiados este ano porque alguns tinham proposto tópicos do género avaliação do estado de liberdade de imprensa no distrito, em formato de debate. Acho que vamos aprender muito dos resultados. A nossa percepção é que há situações variáveis de distrito para distrito. Não há muita consistência nas abordagens de liberdade de imprensa.

Às vezes há muito medo de crítica e ainda persiste o sentimento de que podem mandar na rádio comunitária. Às vezes ocorrem casos nos quais os membros do Governo entendem que a rádio é ferramenta extremamente útil porque podem ouvir em directo as vozes das suas comunidades e os problemas que existem. Portanto, há muita variação.

Em relação à questão de Manica, a nossa prioridade, é perceber se há observação ou não das leis neste país. À partida ninguém pode agir como quer. As ordens que são dadas têm de ter base, um despacho que é fundamentado nas leis e tudo mais. E isso, para nós, ainda não está claro se houve.

(@V) – Qual é o ponto de situação?

(PG) – Este trabalho está a ser conduzido pelo FORCOM. O nosso papel tem sido de divulgação e produção de certos debates nos nossos canais de comunicação. Não temos estado envolvidos directamente, então não quero pressupor coisas. Mas obviamente é preciso fazer um trabalho importante que deixe claro o que foi feito e na base de quê. Aquilo que foi feito é legal e está de acordo com a competência de quem mandou ou não.

É preciso dizer estas coisas clara e publicamente. Isso é a primeira parte. Em paralelo a própria rádio tem de funcionar. Se não pomos a estrutura que temos a funcionar como deve ser vamos ficar na conversa. O nosso objectivo é pôr as estruturas a funcionarem como deve ser. Segundo, a rádio tem de ter os seus objectivos delineados porque se isso for posto de lado a solução será apenas a curto prazo.

Nós contactamos a FORCOM e os nossos parceiros na UEM na Faculdade de Direito para solicitar conselhos para um caso específico. Da mesma forma que contactamos engenheiros técnicos quando temos problemas que não conseguimos resolver para dar os apoios necessários. Nós somos um centro de apoios, não somos propriamente uma ONG.

(@V) – Falou de falta de clareza em relação às leis. Portanto, quando dirigentes tomam atitudes do género pode ser por causa desse desconhecimento?

(PG) – É uma boa pergunta. Eu acredito que nem sempre.

(@V) – A Associação Para Defesa da Cidadania, num estudo, referiu que muitos administradores distritais desconhecem as leis. Concorda?

(PG) – Exactamente. Por isso é que nós distribuímos a Constituição da República. Mesmo em formato impresso pelos correios. Algumas rádios comunitárias dizem que estão a ver pela primeira vez e começaram a criar conteúdos para difundir radiofonicamente. No ano passado fizemos um CD com um conjunto de material, incluindo a legislação sobre conselho consultivo, Fundo dos sete milhões, a Lei de Imprensa, a Lei do Voluntariado.

Algumas das coisas imediatamente relevantes para os parceiros locais e não só, para as comunidades poderem estar em condições. Temos de apoiar a evolução profissional e jornalística dos voluntários que estão a trabalhar nestes centros em todo o país. Aqui há várias intervenções de outros organismos e tentamos coordenar para não repetir os mesmos conteúdos.

Mas a questão do jornalista de ser informado, cruzar fontes e de não aceitar como verdade qualquer afirmação que é feita numa entrevista é outro ponto da nossa estratégia de disseminação de material porque não basta dizer isto não está certo. Temos que dizer isto não está certo de acordo com esta lei que foi aprovada na Assembleia da República e é para todos.

Nestes casos de estruturas locais e tudo mais, mesmo a lei do voluntariado é importante para os nossos parceiros locais porque grande parte deles são voluntários. Esse desconhecimento existe nas rádios dos parceiros locais, nos serviços, nas esquadras, nas escolas. A rádio, o nosso parceiro local, é que tem esse mandato de ser agente de mudança e ajudar a disseminar esta matéria.

Não são donos das rádios

(@V) – Caso da Rádio Paz?

(PG) – Não estão completamente refeitos, mas já estão a fazer alguma coisa. Foram a uma loja e conseguiram arranjar algum material. Há um debate que está em curso na nossa lista e eu não quero antecipar, mas algumas ideias estão a surgir. Por um lado, a questão da revisão das instalações eléctricas e, por outro, perder o medo de exigir uma indemnização ao provedor de energia.

Agora iniciou uma discussão sobre os técnicos que foram formados em manutenção de rádio e a conclusão é que praticamente já não estão nas rádios. Qual será a saída disto? Estávamos a pensar em organizar um CD com um curso de manutenção básica de computadores. Um curso para auto-ensino. Seria possível organizar manuais básicos que certamente existem e que garantem uma manutenção preventiva. Talvez seja possível.

O FORCOM já contribuiu na discussão e está a pensar em negociar com algum doador para criar um stock de material básico que podia circular de mão em mão, segundo as necessidades. É uma ideia que não é fácil por causa das outras dificuldades. Algumas rádios já têm uma certa colaboração com técnicos da RM.

No CAICC não temos fundos para investimento em equipamentos, mas é um problema que tem de ser visto por quem montou a rádio (o investimento inicial vem de um doador). Obviamente há um ciclo de vida nos nossos equipamentos. O ciclo de vida nos nossos distritos é curto por causa da má qualidade de energia, etc.

Para além da simples evolução tecnológica. É uma questão que tem de ser levantada. Alguns Centros Multimédias Comunitários têm tido uma componente de consolidação que pode ajudar. A nossa ideia como CAICC é tentar descentralizar a nossa capacidade. É um pouco para dar formação especializada a algumas pessoas nos distritos.

(@V) – O CAICC delimita balizas em termos de ética e deontologia na componente de informação? Ou seja, interfere nas linhas editoriais das rádios comunitárias?

(PG) – Nós não fiscalizamos. Não somos donos de ninguém. Ninguém é obrigado a acatar os nossos conselhos. Quando somos consultados damos um conselho profissional da melhor maneira possível. Quando estamos a trabalhar também nos cursos e nas visitas discutimos quais são as normas, quais são as éticas e o que é um estatuto editorial. Discutimos. Eu não posso chamar a isso de interferência, mas chamamos atenção para o seguimento de certas regras básicas para o jornalismo.

(@V) … E quando as rádios atropelam as regras de jornalismo?

(PG) – Isso tem a ver com outras entidades. Nós não podemos fazer outra coisa se não dizer que foi cometido um atropelo por causa de A, B e C. Mas a questão de enquadramento de jornalistas comunitários no SNJ que tem o seu comité de deontologia ainda não é pleno.

O SNJ está a trabalhar com algumas rádios. Esperamos que o nosso apoio resulte em trabalho de melhor qualidade visto sob todos os pontos de vista. Não pode haver centralização da nossa parte. Não podemos dar ordens. Até porque acreditamos que dar ordens é um processo que deve ser feito através da discussão dos pontos de vista e só assim é que se chega a conclusões duradoiras.

Mudanças

(@V) – Alguma coisa tem mudado positivamente?

(PG) – Alguma coisa sim, mas não é de um dia para outro. Sinto que há maior consciência hoje em dia. Mas o CAICC não actua isolado. Não somos os únicos que falam de liberdade de imprensa. Longe disso. Temos é a nossa abordagem específica de ajudar a produzir matérias e a usar as tecnologias para facilitar os fluxos de informação do distrito para fora e de fora para dentro do distrito.

Como também criar maior igualdade no acesso a estas informações para os cidadãos por via das rádios e CMC. Eu acho que alguma coisa está a mudar, mas não se pode relaxar, nem tão pouco, é preciso continuar.

(@V) – A língua tem-se afigurado uma barreira para este trabalho?

(PG) – A língua é uma barreira, quer dizer, para nós. Os parceiros locais são os intermediários porque cabe a eles transformar a informação e traduzir para as línguas que as comunidades falam. Por exemplo, nas rádios. Isso é uma área na qual trabalhamos. Agora, dificuldades na qualidade das traduções, mesmo a RM tem nas emissões provinciais. Tentamos. Não é fácil. Se perguntas alguém o que quer dizer governação ou qual é a palavra na língua da pessoa.

Quando questionas o sentido dessa palavra dizem que é governo, liderança, chefia. O conteúdo pleno do termo governação não é abrangido. Esses são problemas. Não só para nós, mas a capacidade de traduzir para Ecoti é limitada. Temos de confiar no pessoal de Angoche e da Ilha para poder fazer. O que podemos fazer é apoiar dando todas as ferramentas possíveis. Porém, no fundo a tecnologia é usada por pessoas.

(@V) – Quais são as maiores dificuldades?

(PG) – Nós temos dificuldade, claro. Comunicação, distância, coisas que mandamos que não chegam, etc. Mas as maiores dificuldades são aquelas que são sentidas nos locais onde estão as rádios. Essas são traduzidas em dificuldades como, por exemplo, ter continuidade. Podemos formar recursos humanos e no mês seguinte a pessoa deixa a rádio porque encontrou emprego ou foi estudar. Há muita rotação nos recursos humanos.

No que toca às dificuldades, em geral, estes colaboradores voluntários estão a fazer um trabalho bastante heróico em condições bastante adversas e isso, obviamente, afecta a sua capacidade de tomar o tempo necessário para implementar mudanças, conseguir assumir que é preciso pesquisar melhor em vez de pôr um gravador em frente de uma pessoa. Temos de entender e sempre ir adaptando as nossas estratégias para facilitar porque nós não somos donos da verdade.

Eles é que vivem no dia-a-dia a verdade. Dificuldades há milhentas, mas não vale a pena falar delas. Podemos resumir naquilo que todo mundo fala: recursos humanos, infra-estruturas, sustentabilidade, etc. O facto é que o trabalho está sendo feito. Nós podemos dar uma certa contribuição e ajudar os que estão a fazer o trabalho. Pelas avaliações que têm sido feitas sobre o trabalho do CAICC foram bastante favoráveis no sentido de que os nossos parceiros locais notaram a nossa presença.

(@V) – Quais são as vitórias?

(PG) – Eu penso que uma das grandes vitórias tem sido pôr as pessoas a falar. Ou seja, fazer crescer essa rede e ver as conversas no grupo do e-mail onde as pessoas contam os seus problemas, as suas vitórias. Durante os primeiros anos era mais prático e depois as pessoas começaram a emitir opinião ao ponto de descordarem umas das outras, mas sem deixarem de ser amigas.

Sinto que está criada uma certa solidariedade ao nível destes lutadores que é positiva e que pode durar muito tempo. Isso para mim é importante porque um pode aprender do outro, sobretudo porque já não estão isolados a lutar sozinhas. Pode surgir um problema técnico ou editorial e as pessoas discutem e aconselham.

O projecto CAICC nasceu em 2006 e tem como sede o Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane (CIUEM), entidade gestora.

O núcleo do Comité Director é constituído por entidades envolvidas em iniciativas comunitárias baseadas em TIC, nomeadamente: o Fórum Nacional de Rádios Comunitárias (FORCOM), a Unidade Técnica de Implementação da Política de Informática (UTICT), o Instituto de Comunicação Social (ICS), o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o CIUM.

Um dos desafios do CAICC é estender a linha verde ao serviço de mensagens de texto, algo que ainda não foi conseguido. Actualmente, a linha verde está configurada para receber chamadas.

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