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“Não gosto de me apegar às coisas da terra”, Sizaquel

“Não gosto de me apegar às coisas da terra”

É uma meia-verdade que a compositora e intérprete Sizaquel Matchombe (devia escrever-se Matlombe), que venceu o galardão de “Melhor Voz Feminina” no Ngoma edição 2014/15, é uma mulher sem artifícios. Apesar de não trançar extensões, não pintar as unhas e não abusar de cosméticos, para ser genuinamente natural, como se orgulha de ser, ela precisava, talvez, desfazer as suas dreadlocks e ter um cabelo natural como o da nossa diva da música ligeira moçambicana, Elvira Viegas, que se envaidece dos seus totós.

Em Moçambique, inúmeros artistas começaram a cantar nas igrejas e evoluíram até tomarem a música a sério e como profissão. Sizaquel não é a excepção, mas teve outra influência no seio familiar. O seu pai (Januário Matlombe), conta a descendente de funcionários da Saúde, gostava de música e o “vírus” passou para a filha, a mais velha entre os irmãos.

Segundo ela, na década de 80, o seu progenitor fazia parte de uma banda que ensaiava na sua casa. “Fui acompanhando a carreira dele (…) e surgiu o vício de querer cantar, porque, às vezes, ele chamava-me para fazer os coros das suas músicas. Assim criei o gosto pela música”.

Sizaquel nasceu em Nampula, em 1979, mas viveu também nas províncias de Tete, de Chimoio e da Beira em resultado de mudanças constantes de residência pelos pais por motivos de trabalho. Contudo, foi em Maputo onde passou a maior parte da sua vida.

Numa sociedade como a nossa, onde a ostentação e a estravagância tendem a ser problemas normais, o que a distingue dos demais, para além do poder da voz e do sucesso, é o seu estilo de vida que assenta como uma luva nuns versículos de escritos de Timóteo, segundo os quais “… as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, com as boas obras”.

Sizaquel sagrou-se vencedora incontestável no meio de outras vozes poderosas e foi à final do Ngoma 2014/15 findos 32 programas radiofónicos. O voto popular e a avaliação do júri atestaram o seu talento.

A jovem cantora, que fala de si sem receios nem rodeios, é isso tudo e mais alguma coisa que se queira descobrir. Aliás, ao contrário das mulheres da mesma profissão que quando atingem o estrelato se envaidecem e se transfiguram de tal sorte que ficam irreconhecíveis, sobretudo em vestuários e maquilhagens, ela diz que gosta de preservar o que ela é. “Não sei como é que consigo ser simples. Para mim, não ser simples é sofrer”.

A sua simplicidade nota-se, realmente, em tudo, desde os aparelhos telefónicos que usa, passando pela indumentária, até à forma de ser e estar. O argumento para esta naturalidade é que ela impõe limites em tudo para evitar possíveis dissabores por causa de coisas materiais. “Eu não gosto de me apegar às coisas da terra. Preocupo-me mais com o meu estado de espírito. Sou extremamente feliz assim como eu sou. Tenho orgulho de ser eu mesma (…). Acho que ser simples é a melhor maneira de estar no mundo”.

Em 2004, Sizaquel ganhou um concurso de descoberta de talentos, o “Fantástico”, e recebeu um convite para integrar o grupo Kapa Dêch, ora desfeito, e cantou ao lado de artistas que dispensam apresentações, como é o caso de Tony Django, que já não faz parte do mundo dos vivos.

A sua primeira participação no Ngoma, o maior evento de premiação musical em Moçambique, aconteceu em 2006, “mas não consegui ganhar nenhum prémio”. Na mesma época, Sizaquel brindou os seus admiradores com “Tivoneleni” (Cuidem-se), o seu primeiro trabalho discográfico de originais bastante conhecido pelo seu sucesso, cujo produtor foi um músico angolano Yé-Yé, do qual muito pouco se houve falar actualmente.

Em 2007, a fã de Wazimbo, Ali Faque e Zena Bacar conquistou o prémio de “Melhor Canção” no Top Ngoma, com a música “Nikazalile” (Estou Cansada). Há dúvidas de que sejam muitas as pessoas que não conhecem esta letra, bem como as outras, porque, por várias vezes, os fãs da artista já se dirigiram a ela para perceber o seu alcance e saber se era ou não reflexo de alguma experiência amarga que a autora tenha vivido. “Eu digo que não, porque a minha fonte de inspiração é a sociedade, o amor e as coisas que acontecem ao meu redor”.

Depois desse sucesso, Sizaquel, que frequenta a Escola de Música porque pretende no futuro transmitir o que sabe sobre esta área com convicção, repetiu a proeza, na edição de 2010/11, com o tema “Taka Xai Xinhe”.

Anos mais tarde, Stewart Sukuma ficou encantado com o talento da jovem e convidou-a para corista na sua banda, Nkuvu, da qual fez parte durante sete anos. Neste momento, trabalha com vista a seguir uma carreira a solo.

Com a sua recente distinção com o galardão de “Melhor Voz Feminina” no Ngoma, a cantora sente que o seu trabalho está a ser reconhecido. “Significa que a voz ainda não está velha”. E recorda que “Tivoneleni”, um dos seus êxitos, “tem um significado muito forte”. Quando a pessoa produz um ritmo não pode ser à toa, tem de ter e transmitir sentimentos na letra, pois “o músico é como um pastor, um professor e a música deve ser uma terapia”.

Com um álbum gravado, Sizaquel está a compilar músicas antigas e novas para lançar mais um trabalho. Ela vive do seu ofício e afirma que tal é possível em Moçambique.

“Desde que comecei a fazer a minha carreira vivo de música. (…) Decidi que a música tinha de ser a minha principal fonte de rendimento; por isso, entreguei-me a ela”.

“Infelizmente, actualmente, é fácil ser músico em Moçambique. O facto já está a afectar negativamente a cultura moçambicana porque há muita música” a representar o país fora sem condições para o efeito e apela para que não se esqueça de que a arte é o cartão-de-visita de qualquer nação, pelo que deve ser valorizada.

Sizaquel lamenta, também, que haja bons artistas a desaparecerem com o tempo. “Temos poucos patrocínios na música e Moçambique precisa de uma verdadeira indústria”, o que “ainda não somos porque, se calhar, não sabemos que a base de um país é a cultura. Aqui as pessoas desvalorizam por completo a cultura, a música e a arte no geral (…). Diz-se que a música não tem fronteiras, mas para mim a identidade tem, sim”.

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