Fornicação, nudez e decadência ocidentais são associadas por vários afegãos à democracia, mostrando que esse conceito importado do exterior ainda não foi bem assimilado no Afeganistão no momento em que se aproximam as eleições presidenciais e provinciais de 20 de agosto.
“Liberdade e fornicação. Essa é a democracia do Ocidente, dos americanos e dos europeus, e ela se desenvolve da mesma forma aqui”, declara Wasim, garçom em um restaurante de Cabul. Para Mansur Aslami, proprietário de uma revista de cosméticos de 21 anos, a democracia significa que um homem e uma mulher podem andar juntos na rua sem ser questionados. Reprovando a postura, ele disse ver “sinais de democracia entre os clientes, com os braços e os pescoços descobertos, mas contanto que a democracia respeite o Islã, tudo bem”.
Oito anos após a queda dos talibãs, a maioria das pessoas nesta sociedade muito conservadora não entende esse conceito importado do Ocidente e o associa ao declínio moral e ao distanciamento em relação aos valores islâmicos tradicionais, segundo os especialistas. O Afeganistão chegou a flertar com a democracia nos anos 1960 e 1970, organizando eleições legislativas parciais. A experiência foi interrompida pela invasão soviética de 1979 que levou a décadas de guerra. Entre 1996 e 2001, o governo dos talibãs ingressou o país em um período obscuro.
Quando os extremistas foram derrubados do poder no final de 2001 por uma coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos, as mulheres retiraram as burcas e muitas pessoas saíram às ruas para comemorar. Mas essas mudanças abruptas causaram consternação em parte da sociedade rural, profundamente conservadora. A insurreição islâmica e a antipatia em relação às tropas ocidentais levaram muitos afegãos a voltar a adotar o rígido comportamento islâmico.
A Constituição adotada após a queda dos talibãs enuncia os princípios democráticos, mas 70% dos de 26 a 30 milhões de habitantes são iletrados e não sabem de nada. Além disso, o acesso à internet ou a outras mídias é limitado, e as cerca de 20 redes de TV e 90 estações de rádio divulgam, principalmente, programas de música e poucos debates políticos. Os filmes ocidentais, facilmente adquiridos, aumentam ainda mais a impressão de depravação sobre os países democráticos. “Não sei o que quer dizer democracia”, diz Nour Ali, um morador de Cabul de 81 anos, que ostenta uma longa barba branca. “Só sei que quando pergunto às mulheres ‘por que vocês andam quase nuas na rua?’, me respondem que ‘é a democracia’. Essa é a democracia? Dançar, deixar a pele à mostra, viver na desonra? Se é isso, não deveria existir”, afirma o homem.
A corrupção endêmica, a insegurança, os chefes da guerra e seus exércitos particulares minam ainda mais os esforços para instaurar a democracia. A nomeação de autoridades de reputação duvidosa e o fracasso do governo Karzai em perseguir os criminosos de guerra fizeram com que muitos afegãos se desiludissem com o novo sistema. Ideais que levaram séculos para se impor no Ocidente foram simplesmente atirados no país.
Por isso muitos não votarão ou o farão sem compreender o que está em jogo, considera o especialista afegão Wahid Mujda. “Quando perguntamos às pessoas o que é a democracia, elas respondem que é a falta de pudor e a ausência de religião, e que por causa disso a insegurança aumenta a cada dia”, segundo Mujda. “A democracia é algo ao qual as pessoas devem ser habituadas progressivamente”, considera.