Durou 106 anos, filmou até aos 105, praticamente até ao fim – e em Fevereiro último esteve ainda a filmar, em Serralves –, mesmo se achou não ter tido o tempo suficiente para concretizar os seus projectos. Manoel de Oliveira, até então o mais velho realizador de cinema em actividade morreu esta quinta-feira de manhã, na sua casa na cidade portuguesa do Porto.
Apesar de ser um autor de minorias que teve mais reconhecimento fora de Portugal do que no seu país, Oliveira ganhou a admiração dos circuitos intelectuais da Europa e Brasil e dos principais festivais cinematográficos.
Filmes como “Francisca” (1981), “O Convento” (1995) e “Viagem ao Princípio do Mundo” (1997), “A Divina Comédia” (1991), “Não, ou a vã glória de mandar” (1990) e “Um Filme Falado” (2003) são algumas das suas mais emblemáticas obras.
O estilo contracorrente de fazer cinema de Oliveira -usava planos cuidados e lentos numa tentativa de estabelecer uma harmonia entre a palavra e a imagem – atraiu famosos actores como John Malkovich, Catherine Deneuve, Marcello Mastroianni, Marisa Paredes ou Pilar López de Ayala.
Os grandes festivais da sétima arte premiaram a carreira do erudito Oliveira com o Leão de Ouro do Festival de Veneza (1985) e prémios em Cannes (2008) e Berlim (2009), entre outros.
O cineasta, um prodígio de longevidade criativa que durante a sua juventude se destacou como desportista e como piloto de corridas, manteve-se até os últimos meses de vida em activo com filmes como “O Velho do Restelo”, lançado no final do ano passado.
“O meu melhor presente de aniversário é seguir a fazer filmes”, repetia a cada ano desde que sua idade começou a somar três dígitos. Desde então (2008), conseguiu filmar quase uma obra por ano.
Iniciado no cinema mudo, com o documentário “Douro, Faina Fluvial” (1931), a sua heterogénea e vasta obra representa uma contínua reflexão sobre o cinema do século XX e mostra uma sensibilidade especial para adaptar obras de escritores e poetas lusos, como Eça de Queiroz (1845-1900) e o padre António Vieira (1608-1697).
O seu último filme, “O Velho do Restelo”, é exemplo desse afã de condensar em uma tela a profundidade das obras literárias.
“Hoje as pessoas vão ver filmes cada vez mais presas, cada vez com menos atenção”, lamentava-se Oliveira em entrevista à prestigiada revista francesa “Cahiers du Cinema”.
O público “só se interessa pelos efeitos especiais e nos efeitos sonoros espetaculares. A projeção já não é suficiente. A crença no cinema está muito rebaixada”, analisava.
Influenciado pelo espanhol Luis Buñuel, o dinamarquês Carl Theodor Dreyer e Charles Chaplin, o cineasta reconhecia-se no humanismo cristão e abordava, às claras, a inevitável morte.
“Todos os meus filmes mostram que, de facto, todos os homens entram em agonia no momento no qual chegam ao mundo -disse em entrevista na década dos anos 90-. Sou um grande lutador contra a morte (…) Mas a morte acaba por chegar”.