Os direitos e regalias do antigo Presidente da Assembleia da República, o maior órgão legislativo do país, já se encontram reflectidos no Estatuto do Deputado e foram, recentemente, aprovados em sede do Parlamento durante a discussão na especialidade deste documento. Tal como sucede com os chefes do Estado e com os deputados que já não estejam em exercício, a lei estabelece para o parlamentar que tenha exercido as funções do Presidente da Assembleia da República um conjunto de condições que permitem a este ter uma vida opulenta e, até, “folgada”.
Assim, de acordo com o previsto no artigo 27, Capitulo IV, do Estatuto do Deputado aprovado por consenso e sob forte aclamação das três bancadas que compõem o Parlamento, algo, diga-se, em abono da verdade, incomum na “Casa do Povo”, “o deputado que tenha exercido as funções de Presidente da Assembleia da República por, pelos menos, metade da legislatura e cuja cessação do mandato não resulte de motivos disciplinares ou criminais tem direito a subsídio de reintegração equivalente a 100 porcento do vencimento base por cada ano do exercício do mandato”. Este subsídio é acumulável com a pensão de aposentação e devem ser pagos numa única tranche, num período nunca superior a 180 dias, tal como determina o artigo 45 do mesmo documento.
Por ter exercido as funções de Presidente da AR, o parlamentar passa a ter direito à totalidade do vencimento actualizado; viatura para uso pessoal, de cinco em cinco anos, a expensas do Estado; uma verba destinada à manutenção e equipamento da sua residência; subsídio de água, luz, telefone, empregados domésticos e alimentação; pensão de aposentação desde que tenha descontado 13 porcento do salário base e assistência médica e medicamentosa para si, cônjuge e os dependentes previsto nos termos do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado.
Mas isso não é tudo. O artigo 28, do mesmo instrumento, estabelece que um ex-número um da AR tem direito a passaporte diplomático para si, cônjuge e filhos menores e incapazes, segurança e protecção especial, tratamento protocolar compatível, nos termos da Lei do Protocolo do Estado, oficial às ordens, cartão de identificação própria e livre trânsito no edifício da Assembleia da República. “Os cônjuges e os herdeiros sobrevivos do Presidente da Assembleia da República têm direito a uma pensão de sobrevivência correspondente a 100% do vencimento base”.
Este direito, porém, cessa em caso de morte, novas núpcias ou relação similar do cônjuge e maioridade ou inexistência do facto determinativo da incapacidade. A inclusão desta matéria (regalias e direitos do antigo Presidente da AR) no Estatuto do Deputado resulta da reivindicação apresentada pelos parlamentares aquando da aprovação do documento na generalidade. Na ocasião, a deputada da bancada parlamentar da Renamo, Maria Inês, expressou a vontade de ver tornadas públicas tais benesses.
A posição da deputada foi acolhida de imediato pela bancada da Frelimo através da parlamentar Virgínia Matabele, que propôs que a Comissão para Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade desse procedimento a essa matéria durante a análise, na especialidade, da lei referente aos Direitos e Deveres do Presidente da República em exercício e após a cessação de funções.
Regalias do deputado
Durante o debate, invulgarmente consensual, do Estatuto do Deputado que culminou com a sua aprovação na generalidade foram dados a conhecer os direitos e regalias dos deputados em exercício e após cessarem funções.
As condições determinadas em relação aos chamados “mandatários do povo”, em exercício, contrastam de forma abismal com a realidade da esmagadora maioria populacional que vive na extrema pobreza. A diferença é de tal forma profunda que o deputado que aufere o menor salário na “Casa do Povo”, retiradas as regalias, chega a ganhar 27 vezes mais que o cidadão que ganha o salário mínimo em vigor no país.
Beneficia igualmente de um conjunto de direitos, com destaque para o porte e uso de arma de defesa pessoal, formação adequada inicial e contínua, seguro de vida e de incapacidade, passaporte diplomático para si, cônjuge e filhos menores, livre trânsito em locais condicionados, apoio, cooperação, protecção e facilidades das entidades públicas ou militares da República, para o exercício do seu mandato nos termos da lei, entre outros, para além da remuneração e demais subsídios estabelecidos na lei.
O Estatuto dos Deputados clarifica que “os direitos inerentes à qualidade de deputado, ou adquiridos em virtude dos exercício do seu mandato, não prejudicam quaisquer outros direitos que o deputado tenha ou venha a usufruir no exercício de outras funções”.
O mesmo dispositivo determina que durante o exercício do seu mandato, o parlamentar tem direito à aquisição de uma viatura ligeira, em condições bonificadas. E ressalva que em caso de roubo ou da destruição total da viatura, satisfeitos pela seguradora os encargos perante o Estado, o deputado pode requerer novamente este direito. “Em nenhuma circunstância e antes de decorridos cinco anos, a viatura pode ser alienada, trocada, alugada, hipotecada, doada ou servir de objecto de contrato-promessa de compra e venda, salvo contra o pagamento dos direitos alfandegários, emolumentos gerais aduaneiros e demais imposições”.
Entretanto, este mesmo deputado, após cessar funções, tem já por direito, à luz do seu novo Estatuto, a um subsídio de reintegração de 75 porcento do salário base, por cada ano de exercício do mandato, bastando para o efeito que o motivo da cessação da actividade não seja disciplinar ou criminal. O antigo deputado tem ainda direito à “isenção de direitos aduaneiros e outros encargos para a importação de uma viatura para uso pessoal; passaporte de serviço; assistência médica e medicamentosa, entre outros”.
Mordomias são para garantir “dignidade”
De acordo com o deputado e presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade, na Assembleia da República, Teodoro Waty, as regalias, diga-se, “chorudas”, previstas no Estatuto do Deputado visam conferir “dignidade” aos antigos e actuais parlamentares. Waty fez a afirmação perante os jornalistas após a aprovação, por consenso e sob forte aclamação, daquele documento na especialidade, acrescentando que as benesses fixadas para os antigos deputados são apenas “o mínimo” que se podia fazer para aqueles que “construíram com muito sacrifício e suor a solidez do edifício parlamentar”, por isso é importante que sejam dignificados.
Para Waty, a “dignidade de um Estado, no caso moçambicano, mede-se, também, pela das suas instituições. Eu acredito que o Governo, o erário, compreendeu que vale a pena investir na instituição parlamentar. É uma questão de dignidade. O Estado só se considera digno, também, quando as suas instituições são dignas e dignificadas pelo seu povo”, disse.
A posição defendida por Waty ficou também implícita nas palavras da presidente da Assembleia da República, Verónica Macamo, quando afirmou que o Estatuto do Deputado veio diminuir os “desequilíbrios” criados pela Lei da Probidade Pública (LPP) aos visados. Aqui, importa recordar que aquando da aprovação da LPP, vários deputados que se encontravam em conflito com esta norma legislativa, a maioria por ocupar cargos ou exercer funções em mais de uma entidade pública/Estado, nas quais auferia igualmente salário, foram obrigados a abdicar do mesmo ficando com um somente.
Assim, segundo Waty, da mesma forma que foram estabelecidas os direitos e deveres do Chefe de Estado, em exercício e após cessar funções, os deputados entendem que merecem o mesmo. “É importante que o Chefe de Estado não pense no que lhe vai acontecer no dia seguinte, principalmente depois de cessar as funções. Ele tem que, de manhã, de tarde e de noite, pensar no seu povo sabendo que este vai-lhe recompensar.
Não lhe vai deixar na rua da amargura”, disse a fonte, justificando as regalias dos Chefes de Estado. Por outro lado, “pensamos que deve ser feito o mesmo aos governantes e deve ser pensado também para os parlamentares”. Waty considera ainda que as regalias em causa estão devidamente em equilíbrio com a realidade moçambicana, pois de contrário não seriam aprovados pelo Parlamento.