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Moçambique só tem dois escritores?

Até Ungulani Ba Ka Khosa é marginalizado no estrangeiro. E todos nós sabemos quem é Ungulani, a sua verve, a capacidade que tem de transformar os seus textos em ritmo esquizofrénico e o seu imenso potencial por demais despejado e mais do que provado pela báscula da sua imaginação. Mas essa realidade, que pretende ignorar um escritor eternamente entoado pelo UALALAPI (um dos cem melhores livros africanos do século XX), parece não incomodar o ainda autor de Os Sobreviventes da Noite (Prémio Nacional José Craveirinha).

Ungulani Ba Ka Khosa – ele próprio – afi rmou, numa cavaqueira entre os homens da pena, recentemente havida na sede da Associação dos Escritores Moçambicanos, em Maputo, onde avultava Kalungano (Marcelino dos Santos), que o facto de “lá fora” não se falar dele ou falar-se pouco, não o perturbava. Mas entristece- lhe que os seus confrades, com um nível de escrita dos melhores escritores de África, não sejam sequer conhecidos para além das fronteiras moçambicanas.

Este tema vai aparecer na sequência de um encontro solicitado por Marcelino dos Santos e Paulina Chiziane, que têm uma viagem marcada para o Brasi, onde vão participar, de 1 a 7 de Novembro corrente, na Conferência Literária Fliporto-Brasil. As duas fi guras – humilde e inteligentemente – queriam dos seus camaradas subsídios a levar para esse encontro. Daí que um dos escritores presentes tenha lembrado a Kalungano e à autora de Niketche, para falarem de nomes que vão para além de Mia Couto e da própria Paulina Chiziane. É que a ideia que existe “extramuros”, é a de que os únicos escritores nomeados em Moçambique são aqueles dois, o que não constitui – nem de longe nem de perto – verdade. Ungulani Ba Ka Khosa, mesmo tendo manifestado o seu desapontamento e até tristeza, não quis evocar nomes porque, segundo suas palavras – isso pode criar alguns embaraços.

Mas há quem não teve meias medidas e libertou as palavras, dizendo que, com todo o respeito que existe à volta de Mia e Paulina, temos nomes da dimensão de grandes escritores africanos. “Não devemos nada a eles. Somos tão bons como os que hoje rasgam os limites da África e instalamse no universo, ombro com ombro”.

Moçambique tem fi guras da literatura como Suleimane Cassamo, Aldino Muianga, Marcelo Panguana, Armando Artur, Eduardo White – só para citar alguns exemplos – ao lado dos quais se passa todos os dias, como se eles não existissem. “Lá fora” ninguém os conhece, assim como ninguém conhece, por exemplo, Aurélio Furdela, Pedro Muiambo, Sangare Okapi e Rogério Manjate, que são outros dos exemplos da nova jazida literária do nosso país. Não se pode duvidar que seja uma grande injustiça não falar destes escritores. Como não é justo – com respeito a todos os os seus feitos – falar-se apenas de Mia Couto e Paulina Chiziane, quando se atravessam as fronteiras de Moçambique. Ainda nesta conversa – bastante acalorada – desenvolvida na Associação dos Escritores Moçambicanos, as pedras do caminho terão sido lançadas sobre a cabeça dos críticos literários, que têm como missão nobre trazer à luz aquilo que de bom é produzido no nosso país. Porque o que fi ca a parecer, com esta tecelagem, é que a literatura moçambicana gravita apenas em dois escritores, o que se torna demasiadamente doloroso, sobretudo se verifi carmos que estamos num patamar que nos orgulha.

O nosso posicionamento

A culpa não será propriamente daqueles que não conhecem os nossos escritores. Mas pode ser também – depois da ausência dos nossos críticos – daqueles que manipulam as coisas. E quando é assim torna- se necessário que façamos algo para dizer que estamos presentes, sob o risco – não o fazendo – de sermos trucidados pela história. Aliás, Marcelino dos Santos dizia, no encontro, que “na literatura nunca nos curvamos diante de ninguém. É verdade que temos jovens medíocres, mas temos outros com qualidade assinalável e é preciso falar deles”. Kalungano dizia estas palavras quando alguém lembrava que Nampula está a crescer muito do ponto de vista de produção literária.

É preciso que se tenha muita atenção porque há grandes obras que passam ao largo sem nos apercebermos, não só por culpa dos ensaístas, mas também por conta da própria imprensa, que se acomodou em certos nomes, não querendo ver mais para além disso. “Se quisermos construir de forma sólida a imagem de nós, temos que levantar a âncora de um ou dois nomes e trazer aqueles que realmente são o nosso estandarte literário”. Entretanto, como diria um dos presentes, é necessário que os livros dos nossos escritores “penetrem” nas universidades, é importante que os escritores que viajam para o estrangeiro levem obras moçambicanas e façamnas conhecer, é preciso que os escritores falem uns dos outro como tem feito Paulina Chiziane e Lília Momplé: Elas fazem- no de forma espontânea, elevando-se mutuamente.

Confragedor

Calane da Silva, presente na “cavaqueira”, sugeriu que devemos ser um pouco mais agressivos. Nos curriculuns das escolas moçambicanas, por exemplo, a maior parte dos livros usados são estrangeiros e, segundo Calane, “nós também devemos “furar” para que os nossos livros façam parte da lista das obras lá estudadas nas escolas.”. Ainda de acordo com o autor de Xicandarinha na Lenha do Mundo, é preciso meter o nome dos jovens escritores nas conferências. “Como é que os jovens vão crescer se ninguém lhes dá oportunidade?! Temos que fazer isso porque fazendo-o, estamos a investir no futuro”. Do Brasil, os escritores moçambicanos e não só, esperam de Marcelino dos Santos e Paulina Chiziane, um “relatório”, porque os brasileiros não nos conhecem. “A título de exemplo, para eles a nossa luta de libertação é uma lenda”. E quando é assim, pode ser fácil adivinhar o resto.

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