Um estreito corredor conduz a um improvisado balcão de madeira e uma prateleira com duas garrafas vazias de cerveja e refresco. Uma porta lateral dá acesso a uma sucessão de quartos, quase todos ocupados.
“Só restaram três quartos. Um deles custa 300 Meticais e os outros dois custam 100 meticais. Todos têm serviço completo e as moças estão lá”, disse Jochua*, 47 anos. Este é o Centro Social 25 de Setembro, um dos maiores bordéis de Chimoio, e Jochua faz as vezes de guarda e proxeneta. A casa tem seis prostitutas fixas para uma média de 30 clientes por dia.
Trish Mwamutara, 32 anos, às vezes é vista por lá. Não é fixa, mas uma amiga empresta o quarto para que ela leve os seus clientes ao Centro. Mwamutara. Abandonou uma carreira de assistente administrativa numa fábrica de cordas de linho no Zimbábwè.
“Eu vim a Moçambique para revender roupa de cama, mas as minhas amigas convenceram-me a me prostituir, por ser um negócio muito rentável e que pode fazer superar a crise financeira. Eu aceitei”, disse.
Como Mwamutara, muitas zimbabueanas cruzam a fronteira entre os dois países para fugir da crise económica e agrária do seu país de origem. Um número crescente delas acaba por ter que recorrer ao sexo comercial para sobreviver. As dificuldades financeiras tornam essas mulheres ainda mais vulneráveis ao HIV, principalmente devido à diferença nos preços entre sexo com camisinha (10 Meticais) e desprotegido (100 Meticais).
Segundo Marília Pugas, médica-chefe na Direcção Provincial de Saúde (DPS) em Manica, o número de trabalhadoras do sexo vindas do Zimbábwè tem aumentado nos últimos anos.
“A situação já estava preocupante e havia necessidade de reduzir o número de prostitutas, além de salvaguardar o ambiente sanitário dos nossos compatriotas, uma vez que estas prostitutas nem todas estão saudáveis”, afirmou Pugas.
Assim, sob o pretexto de defesa do sistema sanitário, a Polícia da República de Moçambique (PRM) conduz desde o ano passado a chamada Operação Vassoura: desmantelamento de bordéis e barracas – casas onde as trabalhadoras do sexo moram e vendem álcool aos clientes – para repatriar prostitutas do Zimbábwè.
Foram realizadas ao todo cinco acções na província de Manica em 2008, que repatriaram mais de 400 trabalhadoras do sexo zimbabueanas. A maioria tinha o visto de entrada para Moçambique vencido.
Coordenadas pelas autoridades de polícia e saúde, as operações se concentraram nas principais “paragens sexuais” do corredor da Beira, que inclui as cidades de Manica e Chimoio, vila de Gôndola e o posto administrativo de Inchope.
As prostitutas moçambicanas encontradas nos estabelecimentos tinham dois destinos: se maiores de 18 anos, eram detidas por uma semana; a menores de idade eram entregues às famílias.
Nem as estrangeiras que tinham a situação regularizada em Moçambique escaparam da repatriação.
“Há nessa operação uma flagrante violação dos direitos humanos por discriminação”, disse Isidro Rackson, da Liga dos Direitos Humanos. “O motivo por que essas mulheres estão a ser repatriadas viola o direito da livre circulação e convivência dos estrangeiros em Moçambique.”
Pedro Jemusse, do Departamento de Relações Públicas no Comando Provincial da PRM em Manica, disse que a Operação Vassoura acontecerá “sempre que necessário”. A seroprevalência nacional entre adultos em Moçambique é de 16,2 por cento. Essa taxa sobe para 20,1 por cento no Zimbábwè.
O Inquérito Nacional sobre a Prevenção de SIDA de 2006 mostrou que o sexo comercial é prática comum em Moçambique: 46 por cento dos entrevistados recorriam ao sexo comercial, principalmente no centro e norte do país. Existem hoje cerca de 30 mil trabalhadoras do sexo em Moçambique e um total de 125 mil clientes.
Novas aliadas: sem camisinha, nada de sexo Por isso, ao invés de tratá-las como vilãs, algumas organizações estão a encarar as prostitutas do Zimbábwè como novas aliadas na resposta ao HIV em Moçambique.
Uma delas é a Organização da Mulher Educadora de SIDA (OMES), na cidade de Chimoio, que transforma prostitutas da província de Manica em activistas por meio da sensibilização de clientes quanto ao uso de camisinhas e cuidados de saúde.
“É difícil sensibilizar as trabalhadoras de sexo a largarem este trabalho, mas transformá-las em activistas de SIDA é uma tarefa menos complicada,”, disse Maria Clara Paulo, coordenadora da OMES em Manica.
A iniciativa já traz resultados. Desde 2007, 150 trabalhadoras de sexo já se tornaram activistas, 30 delas do Zimbábwè. Hoje elas trabalham para a OMES nas áreas de fronteira – uma manobra estratégica, segundo Paulo, já que os clientes da região preferem as prostitutas zimbabueanas.
A activista da OMES Judithy Tchipo, 23 anos, revelou que muitos clientes sabem da importância do preservativo, mas alguns dispensam o seu uso quando se trata da segunda ou terceira relação com a mesma mulher.
“Entre nós, temos dispensado o cliente quando ele se nega a usar a camisinha. Essa tem sido a única arma para forçá-lo a usar o preservativo, caso contrário não há sexo”, disse.
*Nome fictício para proteger a privacidade.