Um cidadão moçambicano, identificado pelo nome de Justice Malati, foi encontrado sem vida nas celas da esquadra da Polícia de Daveyton na cidade sul-africana de Johannesburgo, nesta segunda-feira (01). Foi nas celas desta esquadra que em 2013 um outro cidadão moçambicano, Mido Macia, foi encontrado morto depois de ser agredido, algemado na parte traseira de uma carrinha da Polícia sul-africana, e arrastado por vários metros na estrada.
O moçambicano, de 36 anos de idade, foi detido no domingo (31), segundo a Polícia, citada pelo site noticioso News 24, embriagado na via pública do bairro de Etwatwa, na região de Benoni, e levando para a esquadra em Daveyton.
Na segunda-feira foi encontrado inanimado na sua cela por agentes da Polícia que chamaram paramédicos que verificaram que o moçambicano estava morto.
“Outros detidos disseram que ele terá batido com a cabeça na parede repetidas vezes antes de cair inanimado”, afirmou o porta-voz da Polícia da província de Gauteng, o tenente-coronel Lungelo Dlamini, que acrescentou que a causa da morte do moçambicano ainda não foi determinada e a corporação abriu um inquérito para apurar as causas que levaram Justice Malati à morte.
“Tu não sabes que os machanganas não saem vivos da esquadra de Daveyton?”. A pergunta foi feita por um vizinho da viúva de Justice, Linah Khoza, momentos depois de ser confirmada a morte do moçambicano.
Poti Bheziya, vizinha que acompanhou a viúva à esquadra, refuta a versão da Polícia por ser inconsistente com os ferimentos que viu no corpo do malogrado. “O pescoço e a cara estavam inchados, e ele também tinha sangue na parte de trás da cabeça mas não havia pingos de sangue na parede. Havia apenas uma pequena mancha de sangue que secou”, disse Poti ao jornal sul-africano The Star que acredita que os ferimentos parecem de alguém que foi agredido.
De acordo com a viúva, citada pelo The Star, no domingo (31) ela discutiu com Justice por este se haver embriagado na véspera. O malogrado começou a ficar violento e alguns populares intervieram para o acalmar, tendo alguém chamado a Polícia, que acorreu ao chamado e deteve-o. Contudo, Justice resistiu exigindo que lhe dissessem sob que acusação o detinham, mas a Polícia algemou-o e colocou-o numa carrinha da corporação. Mais tarde um amigo foi visitar Justice à esquadra de Etwatwa mas foi informado de que ele havia sido transferido para Daveyton.
Familiares e amigos disseram ao The Star que não têm dúvidas de que Justice Malati foi morto pela Polícia, tal como Mido Macia.
Até hoje não foram julgados “assassinos” de Mido Macia
Foi nas celas desta esquadra da Polícia que, a 26 de Fevereiro de 2013, um outro cidadão moçambicano, Jossias Mido Macia, foi encontrado morto, com graves ferimentos, sobretudo na cabeça. Antes de ser detido Mido, que exercia a actividade de taxista, foi agredido por agentes da Polícia que o algemaram na parte traseira de uma carrinha da corporação e o arrastaram por várias centenas de metros pelas ruas de Daveyton, a leste de Joanesburgo.
Na altura nove agentes da Polícia foram detidos e indiciados da morte do moçambicano. Os acusados alegaram que Mido Macia lhes confrontou quando ele recusou-se a tirar o seu táxi que estava mal parqueado e que, por via disso, obstruía o trânsito. Macia foi encontrado sem vida, somente com a roupa interior e peúgas, nas celas do Posto Policial de Daveyton, horas depois de ter sido arrastado na referida estrada. As suas calças viriam a ser encontradas horas depois noutro compartimento da mesma subunidade da Polícia.
Os resultados da autópsia indicaram que o moçambicano morreu de asfixia depois de ter sido barbaramente espancado. Durante as audiências, os nove indiciados negaram o seu envolvimento na morte de Macia, alegando que o mesmo estava vivo quando foi encarcerado.
Thamsanqa Ncema, Linda Sololo, Meshack Malele, Motome Ramatlou, Percy Mnisi, Bongumusa Mdluli, Sipho Ngobeni, Lungisa Ewababa e Bongani Kolisi, acabaram por ser soltos sob fiança e aguardam julgamento que tem sofrido sucessivos adiamentos ao longo destes dois anos.
Segundo o Tribunal Superior de Delmas, em Joanesburgo, o julgamento dos nove agentes da Polícia sul-africana tem sido adiado devido à sobrecarga de trabalho do magistrado que, simultaneamente, está a conduzir outro julgamento igualmente complexo e que não pode ser suspenso para dar andamento ao “Caso Mido Macie”.
Xenofobia continua?
Pouco depois da morte de Mido Macia, o advogado que representa a sua família no julgamento, José Nascimento, disse a jornalistas que o facto de os agentes da Polícia sul-africana terem algemado o taxista na parte traseira de uma viatura policial, arrastando-o de seguida pela estrada alcatroada numa distância de cerca de 400 metros, é, por si só, “uma tendência de xenofobia”.
Nos meses de Abril e Maio deste ano a África do Sul viveu uma onda de xenofobia que causou a morte de oito cidadãos estrangeiros, entre eles o moçambicano Emanuel Sithole que foi agredido e esfaqueado por cidadãos sul-africanos a 18 de Abril no bairro de Alexandra, na cidade sul-africana de Johannesburg, acabando por perder a vida.
Quatro cidadãos sul-africanos, um deles menor, foram detidos e acusados do assassinato. Aguardam julgamento detidos.
A violência contra cidadãos estrangeiros na África do Sul conheceu o seu ponto mais alto em 2008, com a morte de sessenta e duas pessoas, entre elas outro cidadão moçambicano, Ernesto Nhamuave, que foi queimado vivo. As autoridades policiais sul-africana acabaram por arquivar o caso por alegada falta de testemunhas e suspeitos.
Segundo o jornal sul-africano Sunday Tribune, que cita estatísticas das autoridades locais, entre 2008 e 2013 pelo menos 289 moçambicanos tinham sido mortos pela polícia da África do Sul.
Ignorando completamente estes dados, o Presidente da África do Sul, Jacob Zuma, quando visitou Moçambique no passado mês de Maio afirmou que “os povos da África do Sul e Moçambique (…) nunca tiveram problemas”.
“Os moçambicanos são nossos irmãos, nossas irmãs, é um problema de família”, disse Zuma, que acrescentou: “É importante para nós apresentar desculpas em nome da minoria que se comportou mal”.
Para conter a recente onde xenófoba, o Governo sul-africano enviou o Exército para as ruas. Entretanto, depois da acalmia dos ataques de cidadãos sul-africanos a cidadãos estrangeiros pobres, o Governo de Jacob Zuma colocou em marcha uma operação, alegadamente contra o crime organizado, nos bairros mais pobres, que envolve a Polícia e o Exército.
A operação Fiela, que na língua Sotho significa “varrer e limpar”, é descrita como a “oficialização da xenofobia” pois nas incursões das autoridades milhares de cidadãos imigrantes estão a ser detidos e deportados para os seus países de origem. Na primeira semana 947 moçambicanos foram detidos e repatriados numa acção que apanhou desprevenido o Governo de Filipe Nyusi. Na altura o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Oldemiro Baloi, disse que “esperávamos que, depois dos ataques xenófobos, houvesse alguma acalmia e que fossem procurados meios para se resolver o problema de fundo, que é o da imigração ilegal”.
A África do Sul, com uma população de cerca de 50 milhões de pessoas, é o lar de cerca de cinco milhões de imigrantes, muitos deles ilegais, que são apontados pelos sul-africanos como os responsáveis pelas altas taxas de criminalidade do país e pelas dificuldades sociais em que vivem.
Vivem ilegalmente, segundo as autoridades sul-africanas, mais de 800 mil zimbabweanos, 400 mil moçambicanos e 300 mil congoleses. Grande parte deste imigrantes, apesar da xenofobia dos cidadãos e da violência das autoridades, prefere continuar na chamada “terra do rand”.