O Ministério da Educação disponibilizou para o presente ano lectivo cerca de 2 milhões de vagas para os novos ingressos, das quais 1.176.151 para a 1ª classe, 427.181 para a 6ª classe, 169.354 para a 8ª classe e as restantes 50.654 para a 11ª classe.
O processo de matrículas, que iniciou no dia 3, decorreu até ao dia 11, quarta-feira, sendo que o ingresso na 1ª classe era para crianças nascidas em 2006, ou seja, com seis anos. Para o presente ano lectivo, o efectivo de alunos situar-se-á nos 6,4 milhões, e o de professores nos 100 mil.
Na cidade de Maputo, a Escola Primária 3 de Fevereiro, localizada no centro da cidade, esgotou as 139 vagas para a 1ª classe no primeiro dia das matrículas, o que gorou as expectativas de muitos encarregados que esperavam matricular os seus filhos naquele estabelecimento. É o caso da dona Celeste, que diz ter chegado às três da manhã para poder ser uma das primeiras pessoas a receber as senhas.
“Apesar de ter chegado nas primeiras horas do dia, não consegui inscrever o meu filho. Esta escola é muito concorrida. Esperava estar entre as primeiras 50 pessoas, mas não foi o que aconteceu. Eu era a 150ª. Quando disseram que já não havia vagas não quis acreditar. Fiquei mais umas duas horas mas em vão”.
A Escola 3 de Fevereiro tem sido uma das primeiras escolas a esgotar as vagas da primeira classe, o que nos levou a questionar aos encarregados de educação sobre as razões que os levam a optar por aquele estabelecimento de ensino. Eles foram unânimes em afi rmar que preferem matricular os filhos naquela escola porque está próxima do terminal de chapas e por ser uma das mais bem organizadas da capital.
“Eu trabalho aqui perto e é muito prático ter os meus filhos a estudar aqui. Posso vir ou voltar com eles, dependendo do horário”, disse um dos encarregados de educação.
Enchentes nos serviços de registos e notariado
Entretanto, até ao terceiro dia do processo algumas escolas continuavam vazias e ainda com vagas para novos ingressos. Esta situação deve-se ao facto de os encarregados de educação não terem registado os seus filhos a tempo, algo já recorrente na nossa sociedade.
Este hábito (de deixar tudo para a última hora) fez com que houvesse enchentes nos notários, típicas do período (de matrículas). E este ano não fugiu à regra, o que fez antever muita procura nos últimos dias, o que acabou por acontecer.
O @Verdade fez uma ronda pelos principais locais de registo da cidade de Maputo, nomeadamente a 1ª e a 2ª conservatórias e os postos de registo localizados nos bairros de Hulene e 25 de Junho, e o ambiente era preocupante: centenas de pessoas nas filas à espera de uma oportunidade para registar os filhos.
Quando questionados sobre os motivos que os levaram a ficarem muito tempo sem registar os filhos, este tinham sempre as mesmas respostas, como se tivessem combinado entre si: falta de tempo e ausência do cônjuge.
No posto de registo localizado no bairro de Hulene, encontrámos o casal José e Carla. Estavam acompanhados dos seus dois filhos, por sinal gémeos. O sono já tinha tomado conta dos dois petizes, e com razão. Tinham chegado àquele local às quatro da manhã.
Carla disse que não pôde registar os meninos porque o marido está sempre na África do Sul, onde trabalha como mineiro. “Ele só vem uma vez por ano e não leva muito tempo. Aproveitámos estas férias que ele teve para registar os nossos filhos”.
Já no posto de registo do bairro 25 de Junho o que mais preocupava as pessoas era o facto de algumas não formarem fila para registar os filhos, bastando para tal falar com alguns funcionários afectos àquela instituição, facto que os levou a dizer que havia esquemas de corrupção.
“Nós estamos na fila há mais de seis horas, mas há pessoas que nem precisam de formar. Chegam, falam com os funcionários e depois de alguns minutos são convidados a entrar. E, como se não bastasse, quando saem fazem questão de exibir os boletins de nascimento”, afirmaram.
Mas num aspecto os cidadãos têm una opinião comum: “o sistema foi bem organizado e está a funcionar de forma ordeira. Acho que se deve à experiência dos anos anteriores”.
“Não é preciso autenticar os documentos”
Para além de registar os seus filhos, há alguns encarregados de educação que se dirigiam aos serviços de registos e notariado simplesmente para autenticar as fotocópias das cédulas ou bilhetes de identidade dos seus filhos, o que obrigou os funcionários a criar duas filas, uma para registos e a outra para autenticações.
Sobre este aspecto, o Ministério da Educação, através do seu porta-voz, Eurico Banze, veio a público dizer que tal não é/era necessário, uma vez que todos os documentos exigidos no acto da matrícula podiam ser autenticados nas secretarias das escolas onde o encarregado de educação pretendia matricular o seu filho, bastando para tal apresentar o original, ou seja, não há/havia necessidade de se dirigir aos notários.
“Os que não conseguirem vagas podem recorrer ao ensino técnico, à distância ou privado”
Sobre a exiguidade do número de vagas, Eurico Banze diz que a instituição que representa está ciente desse facto, por isso criou o ensino técnico e o ensino à distância como forma de absorver os que não puderem ingressar no ensino geral. “O nosso conselho é que essas pessoas se inscrevam no ensino técnico-profissional e à distância”.
Por seu turno, António Cacecasse, porta-voz da Direcção Provincial da Educação e Cultura em Nampula, apelou aos pais e encarregados de educação no sentido de, no caso de não conseguirem vagas nas diferentes escolas públicas, recorrerem às escolas privadas.
Cacecasse fez saber que ao nível da província de Nampula foram criadas mais de 500 mil vagas para o presente ano lectivo, contudo não suficientes para abarcar totalmente a demanda, o que significa que muitas crianças poderão ficar fora do Sistema Nacional de Educação. “Há escolas que estiveram às moscas durante o período das matrículas e algumas ainda têm vagas. Os que não puderam matricular-se poderão recorrer a elas”
O drama dos que não conseguiram matricular-se
Raimundo Somulha diz ter passado por três escolas secundárias da cidade de Nampula à procura de vagas na 8ª classe para seus dois filhos e a resposta que recebia era a mesma: (Já) não há vagas. A nossa fonte diz ainda que para as primeiras classes ao nível da cidade de Nampula, não se registam grandes problemas.
O cenário muda quando se chega à 8ª classe. “Os meus filhos vão ficar um ano sem estudar. Terei de fazer de tudo para os matricular numa escola privada, apesar de não ter condições para tal”.
Nicolau Elísio, de 46 anos de idade, diz que não acreditava que a sua filha pudesse ficar um ano sem estudar. Ela terá de adiar os seus sonhos. “Passou para a 11ª classe e este ano fiz de tudo para que ela tivesse uma vaga no ensino público, mas não foi possível. A escola onde ela estava a estudar não lecciona a 11ª classe. Falei com funcionários de duas escolas que me pediram três mil meticais. Eu não tenho onde arranjar esse valor”.
Na escola Secundária Francisco Manyanga encontrámos Regina Magaia, de 20 anos de idade, a tentar a todo custo matricular-se, mas quis o destino que as coisas não lhe corressem de feição.
Marta João diz ter concluído a 10ª classe numa escola privada mas em Novembro perdeu a única pessoa que se preocupava com os seus estudos: o pai. “A minha família não tem condições para pagar as propinas. Eles cobravam 750,00 meticais por mês. Foi por isso que decidi procurar uma vaga no ensino público”.
“Já passei pelas escolas secundárias Josina Machel, Lhanguene, Armando Guebuza e Matola. O que pude perceber é que só consegue vaga quem tem condições para subornar os funcionários. Garanto que se eu tivesse três mil meticais estaria matriculada”, desabafa.