Se, por um lado, nos dias actuais, os jovens têm-se voltado contra os idosos, profanando-os de diversas formas que, em nada contribuem para o desenvolvimento social do país, por outro, inspirando-se naquele grupo social, muito recentemente, o escritor e declamador moçambicano, Mestre Tchaka, decidiu fazer o contrário, e, criou o Projecto Kokwana Minha Inspiração.
Por definição, forjada pelo seu criador, o Projecto Kokwana Minha Inspiração é uma iniciativa cujo objectivo é entreter os idosos residentes nos centros de acolhimento. “Sabemos que, muitas vezes, esta classe social se encontra distante dos seus familiares, o que origina a má experiência de ansiedade e o sentimento de abandono. Neste sentido, queremos divertir com eles a fim de evitar que se confrontem com problemas de natureza psicológica como, por exemplo, a sensação da solidão, o que lhes pode causar uma possível frustração”, começa por dizer Tchaka.
A iniciativa, com um profundo carácter de responsabilidade social, não foi criada por um mero acaso: “Parece-me que, nos lares da terceira idade, a vida é monótona, resumindo-se em acordar, comer e dormir, sucessivamente. Então, sendo nós os jovens os futuros idosos, se hoje não fizermos algo por eles significa que estamos a desprezar os nossos poços do saber, as chamadas bibliotecas ambulantes”, refere.
E não lhe faltam argumentos: “Se mantermos uma distância entre nós, os jovens, e os idosos significa que estamos a admitir que o jovem de hoje é o idoso vazio do amanhã. Por essa razão, temos de fazer diferente, aproximarmo-nos às pessoas na terceira idade a fim de explorar, no bom sentido da palavra, os vários e ricos conhecimentos que eles possuem”. Tchaka defende a ideia de que é preciso que os jovens pais incutam nos (seus) filhos o amor pelos avôs mesmo que eles não sejam (os seus) familiares biológicos. Para si, há a necessidade de se ter essa prática como uma responsabilidade moral e social.
É neste contexto que se cria o Projecto Kokwana Minha Inspiração não só com o objectivo de oferecer um entretenimento sadio às pessoas da terceira idade, como também de se resgatar algumas práticas culturais nativas do nosso país que, em algum momento, acabam por se apagarem no quotidiano, em resultado da falta de harmonia entre as gerações. O artista enfatiza que “seria muito bom se se mantivessem vivas aquelas cerimónias em que jovens, adultos e idosos, todos juntos, se concentravam em torno de uma lareira para interagir e fazer o intercâmbio de ideias e de experiências”.
Entre artes e artistas
Com efeito, no passado sábado, 23 de Agosto, o Lar da Terceira Idade de Matendene acolheu uma série de actividades artístico-culturais realizadas por vários artistas, um dos quais, o músico Dilon Djindji. Apresentou-se, logo pela manhã, o canto e a dança tradicional e a execução dos respectivos instrumentos musicais, o recital de poesia, o humor e o teatro, particularmente seleccionados em resultado do seu carácter terapêutico.
Comentando sobre este último aspecto, Mestre Tchaka afirma que “não olho o idoso abrigado num lar de acolhimento da mesma maneira que o que vive com os seus (próprios) familiares. O primeiro está mais propenso a uma série de traumas e problemas psicológicos. Nesse sentido, as artes, o teatro e o humor sobretudo, têm um lado terapêutico que vale a pena explorar para a promoção do bem-estar social do idoso”.
Dilon Djindji, considerado por Tchaka, o leão da marrabenta, é um dos idosos que possuindo muita experiência na vida para transmitir não somente aos jovens como também às pessoas da sua idade, participou no Projecto Kokwana Minha Inspiração. Os artistas e o público que se deslocaram até ao Lar de Matendene não quiseram unicamente realizar uma experiência turística.
Em resultado disso, o evento não apenas foi um campo de exposição de uma série de manifestações artístico-culturais. Criou-se um contexto apropriado em que se discutiram os problemas contemporâneos da nossa sociedade, ao mesmo tempo que se reflectiu sobre as suas prováveis soluções. A meta era, como Tchaka explicou, pensar na realidade actual do idoso em Moçambique, bem como nas garantias da sua segurança social, o que continua a ser um sector problemático.
Construir a sociedade
Questionámos ao arquitecto do Projecto Kokwana Minha Inspiração, Mestre Tchaka, sobre as razões da criação de mais um programa exclusivamente voltado para o idoso, ao que o poeta recordou-se de que “durante muito tempo estive afastado de uma série de actividades voltadas à responsabilidade social do artista.
Olhava para a arte como sendo algo exclusivo do mundo dos criadores, os artistas sobretudo, o que, quando se toma em consideração que todos – artistas e pessoas comuns – partilham o mesmo espaço social, enfrentando os mesmos problemas, compreendi que devia dar mais de mim”. Em resultado disso, “decidi mudar a minha forma de actuação. Os artistas são as antenas da sociedade.
E como eles são, na sua maioria, muito vistosos, as mensagens que transmitem na sociedade podem ser, facilmente, acatadas. E se tais conteúdos contribuírem para uma construção social positiva – isso é muito bom”, diz. Tchaka acredita que o artista pode mudar a forma de pensar da sociedade em que se encontra, se assim quiser. Então, compreende a necessidade de actuar nesse sentido, em benefício das comunidades em que exerce alguma influência.
Uma dádiva para os idosos
Ao longo dos dias que precederam a realização do Projecto Kokwana Minha Inspiração, no dia 23 de Agosto, o mentor da ideia deslocou-se a várias instituições e empresas a fim de solicitar algum apoio para a materialização da iniciativa. Por essa razão, se lhe perguntarmos sobre as oferendas – em sentido material – que possuía para o seu grupo-alvo, Tchaka lembrar-nos-ia da seguinte realidade: “Nós os artistas não temos nada além da arte, por isso, culturalmente, somos mendigos.
É neste contexto que, nos últimos dias, tenho estado a pedir apoios de diversas organizações para que, depois das nossas actividades culturais, tenhamos um lanche de confraternização entre os artistas envolvidos e os idosos”. De todos os modos, “sinto-me feliz por estar a fazer algo que marca a diferença no seio do movimento artístico nacional. Com o trabalho que tenho feito, consegui algumas peças de vestuário que serão oferecidas aos idosos”.
Resultados
Tendo em conta que a ideia central do Projecto Kokwana Minha Inspiração não é, necessariamente, que o mesmo sirva de uma plataforma turística, mestre Tchaka considera que a meta é a mendicidade praticada pelos idosos nos principais centros urbanos do país.
“Não vamos para lá a fim de realizar uma actividade turística, mas queremos discutir e reflectir sobre os problemas do idoso, manifestando, culturalmente, as suas necessidades. Queremos acabar com o abandono dos idosos nas ruas, incluindo os despejos sistemáticos de pessoas de terceira idade – das suas casas – protagonizados pelos próprios filhos sob a acusação de feitiçaria. Sabemos que há idosas que são sexualmente abusadas. Seria de bom-tom que, se não for possível , se reduzisse este misto de acontecimentos que desonram a nossa sociedade”.
É neste sentido que se faz um apelo ao bom senso das pessoas que desrespeitam os idosos, onde quer que eles se encontrem. Afinal, “seria positivo se pudéssemos reduzir a quantidade de pessoas de terceira idade que se encontram nos centros de acolhimento, porque sabemos que a instituição primária para o acolhimento dessa classe social é a família. O problema é que os seus familiares pouco se importam com os mesmos”.