Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Meio século a costurar cestos

Meio século a costurar cestos

Aos 72 anos de idade, dos quais 50 dedicados à cosedura de cestos com base em sacos, Felisberto Uhinje Bié, carinhosamente tratado por vovô Beto, contraiu matrimónio pela primeira vez. Ele é dono de uma saúde de “ferro” e vive no Infulene “D”, onde, diariamente, excepto aos domingos, move o pedal da sua máquina de costura para poder garantir a sobrevivência da sua família. Com esta profissão, que até certo ponto é um exercício físico para os seus membros inferiores, o ancião conseguiu criar cinco filhos, para além de outros dois cujos restos mortais jazem algures. A saúde de vovô Beto dá inveja, principalmente para os que alegando falta de meios de sobrevivência se descuidam.

A sua alegria estampada no rosto disfarça as rusgas que indicam a sua longevidade. O sorriso que nele cintila é contaminante e faz pensar que o envelhecimento é psicológico. Ao @verdade, Felisberto Bié reconstitui a sua história e vida, contando que, aos 15 anos de idade, começou a procurar um emprego formal, porém, não possível por causa de várias adversidades da vida. Depois de várias tentativas fracassadas em Maputo, ele entrou ilegalmente na vizinha República da África do Sul, onde também não teve sucesso. Volvidos alguns anos, regressou a Moçambique, em 1958, para novamente organizar a vida na terra natal.

Na sua luta em arranjar um emprego, Felisberto Bié conheceu Saugineta, a mulher com a qual casou recentemente, aos 70 e 72 anos idade respectivamente. Diante das dificuldades, vovô Beto não cruzou os braços e arranjou uma profissão: recorrer a sacos para fabricar cestos. Este passou a ser o seu ganha-pão. Contudo, inicialmente costurava pastas escolares a partir do mesmo material. Os seus filhos, dos quais um que aprendeu do pai a exercer a mesma actividade, cresceram e estudaram graças aos rendimentos obtidos do ofício em alusão.

Segundo o idoso, o dinheiro com que comprou a primeira máquina de costura, de segunda mão, e os respectivos acessórios proveio de biscates que fazia na altura em que estava na África do Sul. A profissão de que o nosso interlocutor se orgulha aprendeu de um vizinho. Depois de alguns anos, vovô Beto comprou uma máquina nova, construiu uma casa de caniço algures no município da Matola.

Em 1975, aquando da independência de Moçambique, a pessoa a que nos referimos habitava nas proximidades do Estádio da Machava, no bairro de Infulene “D”, onde se encontra até hoje. Vovô Beto lembra que nesse ano, em que as pessoas viviam uma euforia por causa da liberdade, pois a dominação colonial portuguesa acabava de passar para a história, “os tempos eram difíceis, não havia dinheiro, o meu negócio não rendia o suficiente e para sobreviver dependia do que a machamba da minha esposa dava. Pouco tempo depois começou a guerra civil e o custo de vida tornou-se ainda mais insuportável. Tínhamos que estar sempre prontos para fugir, sobretudo à noite, porque o conflito atingia a zona onde residíamos”.

Apesar do conflito armando, que só cessou em 1992 com a assinatura do Acordo Geral de Paz, em Roma, na Itália, vovô Beto não parava de exercer o seu ofício. Aliás, por mais que quisesse, naquele momento, num país dilacerado pela guerra, não havia tantas alternativas no que diz respeito ao emprego ou outro tipo de ocupação rentável. Todavia, o seu negócio voltou a ser lucrativo anos depois do término da guerra, pois muita gente que mandava os filhos para a escola recorriam a idoso para adquirir pastas. Entretanto, a modernidade e tecnologia de produção, principalmente das indústrias têxteis, atrapalharam a vida do nosso entrevistado.

A partir de uma certa altura, o mercado moçambicano ficou abarrotado de pastas confeccionadas com base em tecidos. Ninguém já queria saber de “sacos” para o seu filho ou para o que fosse. Por conseguinte, o número de clientes diminuiu drasticamente, porém, a vida não parou porque vovô Beto tinha uma família por cuidar e que dependia do resultados da sua máquina de costura. A partir de uma certa altura, após o conflito armado, o comércio informal nas cidades de Maputo e da Matola ganhou ímpeto. Algumas senhoras começaram a dedicar- se ao negócio nos diferentes mercados e artérias das duas urbes, enquanto outras montam bancas nas suas casas. Isso fez com que os cestos de vovô Beto fossem mais procurados para transportar neles produtos tais como cebola e tomate.

“Tive que ensinar o meu filho a costurar para me auxiliar porque as encomendas aumentaram. Houve tempo em que as vendedeiras de Malanga e Xipamanine compram bastante os cestos”. Entretanto, houve outra crise porque no mercado existiram várias alternativas de recipientes para transportar produtos. “Mas nunca deixei de exercer a minha profissão. Hoje, cada cesto custa 60 meticais. Trabalho todos os dias, excepto aos domingos porque tenho um encontro com Deus na igreja”.

Meio século depois a exercer essa profissão, vovô Beto considera-se um homem satisfeito porque consegue custear as despesas do seu lar sem tantos problemas. Com a sua esposa estão juntos há 55 anos. De acordo com o nosso interlocutor, o matrimónio só aconteceu aos 70 e 72 anos de idade devido à falta de meios. Todavia, graças a uma iniciativa de casamentos colectivos para pessoas de terceira idade, realizado pelo Conselho Municipal da Cidade da Matola, o desejo de levar a mulher ao altar foi concretizado.

“Sinto-me plenamente realizado e penso que consegui cumprir na íntegra as minhas responsabilidades como homem. Superei todos os desafios que a vida me impôs. Se for para morrer, já posso descansar em paz. Apenas gostaria de apelar aos mais novos para lutarem pelos seus sonhos, mas é preciso acreditar até ao fim”.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts