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Matola: um gigante em sono profundo

Matola: um gigante em sono profundo

No passado dia 5 de Fevereiro, Matola celebrou 40 anos de elevação à categoria de cidade. Porém, não houve motivos para festejar pois os problemas nos quais aquela urbe se encontra mergulhada são de bradar os céus e, como não podia deixar de ser, continuam a tirar o sono aos munícipes.

Há quatro décadas, os residentes da Matola, na província de Maputo, não tinham problemas de lixo, de usurpação de terra, de estradas esburacadas e um presidente do município estrangeiro aos cancros da urbe.

Hoje, passados 40 anos, Matola ameaça tornar-se um enorme palco para quem lamenta o estado a que o município chegou e se opõe a uma possível recandidatura de Arão Nhancale em 2013, para evitar que uma cidade bem gerida pelo falecido Carlos Tembe caia defi nitivamente no caos.

Actualmente, Matola é uma das maiores cidades do país, contando neste momento com perto de 800 mil habitantes, distribuídos por três postos administrativos, nomeadamente Infulene, Matola- Sede e Machava.

@Verdade visitou aleatoriamente alguns bairros daquela cidade com o objectivo de aferir e perceber dos munícipes a quantas a Matola vai. Os discursos políticos e ofi ciais são diametralmente opostos ao que os habitantes vêem e vivem, os quais se sentem abandonados pela cúpula de Arão Nhancale, o actual presidente.

Bairros como Nkobe, Tsalala e Kongolote desmentem todos os dias Arão Nhancale quando afirma que os problemas de transporte na Matola não são necessariamente de estrada, mas de meios circulantes.

O saneamento do meio, a degradação de estradas e ainda a gestão do solo urbano, uma vez que persistem focos de conflitos nalgumas zonas, tal é a grande procura de espaços tanto para habitação como para outras utilidades são problemas que mancham a governação de Nhancale.

Contudo, as autoridades municipais falam de crescimento em certas áreas. Apontam, como exemplo, a explosão imobiliário e o abastecimento de água, que beneficiou de um centro distribuidor construído em Tsalala. Porém, o mesmo é impulsionado pela auto-construção e o centro é obra e graça do FIPAG.

Cenário nas paragens

De um lado do passeio, na paragem de semicolectivos, uma viatura de tracção às quatro rodas que parece saído de um filme do ocidente. Do outro lado, jovens, senhoras e crianças lutam para serem transportados numa carrinha caixa aberta. Embora a Constituição diga que os moçambicanos são todos iguais no acesso à Justiça, Matola desmente isso no seu dia-a-dia.

A cidade é algo ainda fora do comum. Com marcas cosmopolitas, um traçado urbano por vezes aliciante e ofertas culturais que fariam inveja a muitos municípios. É uma mistura encardida de Maputo e Chamanculo. E como todas as urbes em transformação/degradação, Matola oscila entre o controlo e o caos, e as assimetrias entre ricos e pobres transformam o espaço numa zona fortifi cada.

Efectivamente, Matola, pelo menos a zona de cimento, é uma sociedade gradeada em constante contraste com a sua periferia.

O município não tem recolhido lixo nalguns bairros, sobretudo nas zonas suburbanas, apenas prioriza a recolha para as zonas urbanas. Os munícipes contestam este modus operandi do município e ameaçam parar de pagar as taxas de lixo. Por exemplo, há mais de oito meses que não há recolha de resíduos sólidos nos bairros de Ndlavela, T3, Zona Verde.

O que pensam os munícipes

António Manuel tem 52 anos de idade e reside no bairro Zona Verde há sensivelmente 30 anos. Para ele, a Matola de hoje não é a mesma de há 20 ou mais anos. “Para não recuar muito no tempo, eu prefiro falar da governação municipal de Carlos Tembe (o falecido) e depois compará-la com a do actual edil Arão Nhancale.

Temos boas memórias do anterior presidente, pois ele teve muitos e bons feitos, identificava-se com os interesses e anseios dos munícipes”, comenta para depois acrescentar que se Carlos Tembe estivesse vivo, muitos problemas com que a urbe se debate hoje não existiriam ou não seriam nos mesmos moldes que os actuais.

Para António, dentre os vários problemas que Matola atravessa, o mais gritante é o de conflito de terras. “De há um tempo a esta parte, só se ouve falar de terras, são negócios sujos às vezes envolvendo funcionários do município. Eles inventam parcelamentos para expropriar e usurpar a terra aos cidadãos”, conta.

Segundo ajunta, há dois anos uma equipa de supostos funcionários do Conselho Municipal retiraram algumas famílias das suas casas, alegadamente porque tinham construído num lugar impróprio para o efeito. “As famílias visadas viviam naquele local há mais de 10 anos. Será que as autoridades municipais não viam que havia construções ilegais. Como se justifica que só agora venham expulsar as pessoas alegando tratar-se de construções desordenadas?”, questiona.

Anita Sitoe, reside no bairro de Khongolote desde o ano 2000, pouco depois das enxurradas que devastaram quase tudo e mais alguma coisa em todo o país.

“Eu vivia algures no vale do Infulene, as chuvas destruíram completamente a minha casa, ficámos (eu e os meus três filhos) uma semana ao relento. Depois, as estruturas do bairro levaramnos para o centro de acolhimento provisório, onde permanecemos três semanas”, afirma acrescentando que enquanto aguardavam naquele centro, as autoridades municipais diziam que estavam a preparar uma zona de reassentamento, que viria a ser o bairro de Khongolote.

No entanto, esta munícipe disse sentir-se muito satisfeita pelo facto de o Conselho Municipal da Matola ter disponibilizado um espaço para as famílias afectadas reconstruírem as suas vidas.

“Prometeram que o novo bairro teria corrente eléctrica, água, escolas e estradas. Tivemos de ficar muito tempo para vermos cumpridas estas promessas, ainda que parcialmente, pois ainda temos problemas das vias de acesso, que estão em péssimas condições, facto que é mais visível nos dias de chuva”, comenta.

Ana Sitoe disse que Carlos Tembe, o então edil da Matola, já havia começado a resolver os problemas vividos naquele bairro de expansão, nomeadamente o da corrente eléctrica e o das escolas. Mas, a sua morte, diga-se, prematura, deitou todos os seus projectos e sonhos abaixo e os munícipes entregues à sua sorte.

“Não teremos jamais um presidente como Tembe, altruísta e com forte sensibilidade humana, ele identifi cava-se com os problemas dos munícipes, não se deixava subornar e não permitia que os seus funcionários se envolvessem em esquemas fraudulentos, negócios sujos. Não eram feitos parcelamentos desnecessários como acontece agora”, diz.

A partir do momento em que Maria Vicente, em substituição do malogrado, tomou as rédeas da Matola as coisas começaram a mudar, anunciando um sofrimento eterno na urbe. Ou seja, os problemas surgiam a cada dia que passava, alguns já existentes tomavam contornos alarmantes.

A proliferação dos resíduos sólidos (lixo) em quase toda a cidade e as construções desordenadas, ante o olhar impávido e sereno das autoridades municipais, davam a sensação de haver conivência e apatia de quem de direito.

A governação interina de Maria Vicente terminou oficialmente em 2009 com a tomada de posse de Arão Nhancale, cujo manifesto eleitoral granjeava a simpatia de qualquer um, mas não passava de uma utopia, uma miragem, um sonho inalcançável, ou seja, letra morta.

“Nós não sabemos as razões da aberração da Frelimo ao ter colocado este senhor como candidato cuja vitória não se descarta tenha sido com recurso a fraude, o que se afigura o modus vivendi deste partido. Talvez as fraudes fariam sentido se fossem a resolver os problemas dos munícipes, o que não acontece na prática, pois adensam as dificuldades dos próprios munícipes (o eleitorado)”, comenta Simão Mathe, de 29 anos de idade.

“Matola está numa iminente podridão aguda”

Este jovem afirma que Matola está numa iminente podridão aguda, os problemas estão à solta, as autoridades municipais saqueiam o dinheiro do erário público para fins pessoais. Até os mais incautos e desatentos conseguem ver quão revoltada a juventude matolense está com o governo municipal.

“Nós os jovens não temos voz para sermos ouvidos, quando apresentamos projectos que podem catapultar o desenvolvimento municipal e criar um espírito de empreendedorismo, a cúpula abastada de Nhacale faz ouvidos de mercador, e reprova-nos”, aponta.

Simão Mathe, que também é residente do bairro da Machava-Sede, diz ainda que o Fundo de Desenvolvimento Distrital, vulgo “sete milhões”, não passa de uma fantochada. É um dinheiro que existe, mas não tem beneficiado os munícipes, excepto um punhado de pessoas que tem a confiança política dos dirigentes dos bairros, os quais aprovam ou reprovam os projectos de desenvolvimentos nos ditos conselhos consultivos locais.

“Não é preciso ter-se um bom projecto de desenvolvimento para se ter acesso ao fundo dos sete milhões, basta para o efeito ser-se da Frelimo ou familiar dos dirigentes dos bairros e municipais ou mesmo ter-se relações promíscuas com estes”, ajunta.

Pagar impostos e depois?

Os munícipes interpelados pela nossa reportagem foram unânimes em afirmar que o Conselho Municipal tem feito campanhas de educação cívica com o fito único de apelar aos munícipes a pagarem os impostos, nomeadamente o Imposto Pessoal Autárquico, o Imposto Predial Autárquico e as famigeradas e absurdas taxas de lixo.

A troco dos impostos pagos pouco ou nada tem sido feito pelo governo municipal. “Nós queremos saber, afinal de contas para onde vai o nosso dinheiro, mensalmente pagamos taxas de lixo, mas continuamos a coabitar literalmente com os resíduos sólidos. Ficamos meses a fio sem ver o camião ou algum tractor do município para recolher o lixo”, comenta Xavier Cossa, de 32 anos de idade e residente algures na Machava-Km 15.

Já para Gilda Manjama, vendedeira no mercado do T.3, Matola já deixou de ostentar o bom nome que tinha, pois os munícipes vivem num eterno abandono e esquecimento pelos dirigentes municipais.

“Já há anos que Nhancale prometeu asfaltar a estrada Zona Verde/Khongolote, mas até agora pouco ou nada se fez. Quando chove a estrada fica totalmente lamacenta. O município asfaltou apenas uma parte, faltando ainda um grande percurso por ser intervencionado. Não queremos que estes problemas de estrada sejam herdados por outros dirigentes. O edil tem que se esmerar para resolvê-los como prometeu nas suas campanhas eleitorais”, apela.

No entanto, Gilda diz que ainda que Matola tenha problemas, há que louvar alguns feitos da edilidade como a expansão da rede de abastecimento de água, com a instalação de novos sistemas de abastecimento deste líquido precioso.

“Agora com a vinda do Fundo do Investimento e Património de Abastecimento de Água (FIPAG), já não precisamos de percorrer longas distâncias para termos acesso a água potável. Agora estamos mais preocupados com as péssimas condições de saneamento do meio, há muito lixo que povoa a nossa urbe, mesmo com as taxas que se pagam para a sua remoção”, afiança.

O drama por que passam os habitantes da Matola não é de hoje. Há anos que persiste. O problema é do conhecimento das autoridades locais, mas não há ainda uma solução à vista. Até agora, a única solução encontrada para a situação da falta de água pelos moradores mais desfavorecidos é o furo ou poço, onde centenas de famílias encontram água para consumo.

Na maioria dos bairros, o acesso a água potável ainda é um problema sério que afecta directamente milhares de agregados familiares que compõem o município da Matola. E, como se não bastasse, a essa situação, agrega-se o precário (ou quase inexistente) sistema de abastecimento.

Grande parte dos munícipes já não se lembra dos bons momentos em que água jorrava nas suas torneiras e vive na promessa de que a situação há-de mudar. Porém, enquanto nada é resolvido, homens, mulheres e crianças desdobram-se à procura do precioso líquido todos os dias

Conflitos de terra ainda em voga

O (des)ordenamento territorial urbano afigurase um dos grandes problemas que tomou de assalto o município da Matola uma vez que ainda continuam as bolsas de conflitos de terra, alguns cidadãos permanecem renitentes em construir ou edificar as suas moradias em áreas sem a devida autorização das entidades de direito, o que acaba por resvalar em ocupações desordenadas do solo urbano. Estes desmandos acontecem em baixo do nariz do governo municipal.

É quase impossível falar da Matola sem mencionar os casos de venda de terrenos envolvendo, algumas vezes, as autoridades municipais. Comprar um espaço na Matola custa muito dinheiro, talvez seja por isso que os funcionários do município viram neste negócio uma oportunidade para enriquecer.

Um cidadão cuja habitação esteja num espaço aparentemente impróprio é imediatamente despejado ou expulso, mas tempos depois o mesmo espaço é vendido a terceiros, um negócio apadrinhado pelos agentes do Conselho Municipal.

Transformar problemas em desafios

Eleutério José reside algures no município da Matola e diz que a cidade está em expansão, daí que é necessário colocar infra-estruturas sociais de vária índole para acompanhar o seu crescimento. “As estradas são o essencial, pois elas permitem a circulação de pessoas e bens. Neste momento, a cidade da Matola precisa de uma grande intervenção no sector das estradas”, comenta.

Este munícipe disse não haver dúvidas da localização estratégica desta urbe, pois ela também serve de um corredor para os que vão à África do Sul e Suazilândia. Para José, dentro da Matola existem algumas vias estratégicas que permitem a ligação entre os bairros. Por exemplo, os troços Machava-km 15/ Nkobe, Zona Verde/Khongolote; Cinema 700/ Malhampsene, entre outros.

Estas vias afiguram-se importantes elos, mas o mais preocupante é o facto de estarem em péssimas condições, sendo que nos dias de chuva ficam quase intransitáveis.

“Os munícipes nunca se sentirão felizes enquanto estes problemas antigos não forem resolvidos”, comenta acrescentando que, no concernente ao saneamento, já se notam algumas melhorias, “mas é necessário que se trabalhe mais para tornar esta urbe mais limpa”.

Conflito de terra

O caso mais flagrante da disputa de terra na Matola envolve o antigo primeiro-ministro (PM), Pascoal Mucumbi. Efectivamente, o cidadão Chibafe Alfredo Zibia alega ser proprietário de um terreno agora em disputa desde 1976. Porém, esclarece que o antigo PM usou as suas influências para se apoderar do mesmo.

Actualmente, Chibafe Zibia move um processo contra Mucumbi para reaver o seu terreno, mas até agora nada foi revolvido.

O processo deu entrada na 1ª Secção do Tribunal Judicial da Província de Maputo (TJPM) em meados de 2006, com o número109/06/B, e, de acordo com duas notificações a que @Verdade teve acesso, datadas de 26 de Novembro de 2009 e 4 de Março de 2010, Pascoal Mucumbi e o Conselho Municipal da Cidade da Matola foram notificados pelo referido tribunal para prestarem declarações em volta do caso que a família que se diz prejudicada admite que se trate de “tráfico de influências” e até de “corrupção”.

O estranho é que as referidas audiências em tribunal não chegaram a acontecer, alegadamente pelo facto de os réus alternadamente terem “gazetado” às audiências marcadas por aquele órgão judicial. Inconformada, a família Zibia, através do seu advogado, submeteu ao TJPM outro documento datado de 18 de Março de 2011, apelando para a celeridade processual.

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