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Mamboes, Mambas, Mambinhas :Três gerações de ouro de quilates diferentes

O ouro, para brilhar mais, tem que ser polido e lapidado. Os 34 anos de existência da Selecção de todos nós, actualmente designada de Mambas, podem ser caracterizados pela existência de três gerações de ouro: a do pós-Independência; a da qualificação para os dois CAN’s (1996 e 1998) e a actual, com largas possibilidade de nos levar a um quarto Campeonato Africano.

Vamos designá-las por Mambões, Mambas e Mambinhas. São gerações que atravessaram épocas, tempos e realidades bem diferentes, com características próprias, especificidades e até vicissitudes relacionadas com os momentos políticos mais ou menos conturbados.

No imaginário dos mais velhos, seria irrealista comparar Calton a Dominguez ou Joaquim João a Simão Mate. Para os “kotas”, os jogadores do antigamente eram melhores, não tinham era um décimo das condições dos actuais. No cerne da questão, gravitam os contratos hoje bem mais chorudos e o número de jogos internacionais realizados por ano.

De permeio, a geração Rui Évora, Riquito e Chiquinho Conde, que alcançou a proeza mais visível: participação nos CAN’s da África do Sul e de Burkina Fasso. Quem foram então os melhores e maiores futebolistas de sempre, nos já consideráveis 34 anos da nossa Independência Nacional?

A resposta a esta pergunta não existe. O que existem são várias opiniões, ao estilo de “cada cabeça, sua sentença”. Factos e Paradoxos Um estudo nosso indica isso mesmo: jogadores como Joaquim João, Calton e Chababe, que penduraram as botas há mais de 20 anos, paradoxalmente, continuam a disputar lugares de topo no número de internacionalizações, “paredes-meias” com Tico-Tico, Chiquinho Conde ou Pinto Barros.

Como se explica esta situação, tendo em conta que a Selecção Nacional, no pós-Independência, realizava em média 6/7 jogos/ano e o número de partidas ultimamente quase triplicou? Porque os ventos mudam, as realidades também sofrem metamorfoses. Hoje por hoje, mesmo os jogadores “indiscutíveis” já são discutíveis, o que não aconteciam noutras gerações. Trocando em miúdos: jogadores como Joaquim João, Calton, Chababe, Frederico, Palma Pinto ou Orlando Conde, tinham lugar cativo na Selecção e nenhum treinador “ousava” pôr a sua titularidade em causa.

Actualmente, a “libertação” dos craques apenas nas datas-FIFA, obriga a um leque de convocados bem maior. Por outro lado, as opções tácticas muitas vezes condicionam a utilização da totalidade das estrelas, pela priorização dos objectivos para cada partida. “Cada jogo é um jogo” e actuam os atletas capazes de responder aos planos traçados para cada partida, não sendo muitas vezes as estrelas da companhia.

1.ª Geração – 1975/1986 Exaltação pela Independência superava todas as carências

Em Abril de 1981, a Selecção Nacional entrou em estágio para uma partida na Machava, frente ao ex-Zaire. Tínhamos perdido em Kinshasa por 5-2 e na nossa casa tínhamos a espinhosa missão de virar o resultado. Acabamos marcando os três golos de que necessitávamos, mas consentimos outros tantos. Era o período do cartão de abastecimento, das carências que atingiam tudo e todos. Os nossos atletas no dia do jogo, tiveram ao pequeno-almoço, castanha de caju e…Coca-cola. Para o almoço, massa esparguete e frango, sem acompanhantes.. Porém, à tarde, o Estádio da Machava “rebentava pelas costuras”.

O povo exigiu e a Selecção deu o que podia. O crer e o querer, levaram-nos a um empate a 3 golos, diante de uma das mais fortes e profissionalizadas selecções africanas, cuja estrela cintilante dava pelo nome de Maela. Eram os sinais de um sentimento de exaltação irrepetível pela Independência. Não havia prémios de jogo consideráveis. Em caso de vitória, o Estado prometia um rádio Xirico para cada jogador, o que era considerado aceitável, face à realidade. Mas os jogadores superavam-se. O amor à camisola, o mesmo que dizer à Pátria, permitia “operar milagres” aos nossos sub-alimentados “Mambões”.

UMA SELECÇÃO COMPLETA A “SALTAR O ARAME”

As viagens que a Selecção fazia para atender aos compromissos internacionais, permitiam estabelecer comparações. As diferenças eram inaceitáveis, mesmo tendo em conta as dificuldades por que o país passava. Para lá do carapau congelado e a farinha amarela que eram servidos aos atletas, outras dificuldades chegavam e sobravam: falta de transporte, de um chuveiro, de vitaminas e de medicamentos. Entretanto, aqui ao lado, na Zâmbia, os KK Eleven detinham um estatuto especial na sociedade, o que lhes permitia ter dois carros “top de game”, uma residência e vida folgada. As diferenças eram gritantes.

Além disso… Fechado o mercado de transferências para a “metrópole” que acolheu Eusébio e Coluna e os lançou aos olhos do Mundo, as provas internas começavam a ser demasiado rotineiras para os nossos craques. Sentiam que o seu futuro estava ser hipotecado, pois as suas capacidades exigiam novas oportunidades. A Pátria no seu todo e o futuro individual entravam em rota de colisão.

A fase que se seguiu foi a da “deserção”: semanalmente eram anunciados nomes que iam “saltando o arame”, a maioria para a África do Sul, outros para Portugal. Uma Selecção inteira, da qual podemos recordar alguns nomes: Isaías, Zaza, Pelembe, Sergito, Vicentinho, Bernardo, Gomes, Tinga, Amadinho, Cadango, Faruk, Mandito, Cossa… para a RAS; Nito, Artur Meque, Artur Semedo, Kwan, Amenga, para Portugal. Outros ainda, que continuaram no País, perderam a motivação, pendurando as botas muito cedo. Exemplo? Gil Guiamba.

As autoridades moçambicanas recusavam-se a passar a carta internacional. Por isso lá fora, os nossos compatriotas tiveram de jogar na clandestinidade, vítimas de empresários sem escrúpulos que mudavam os respectivos nomes e os obrigavam a assinar contratos a preço de banana. Alguns dos visados lamentam não ter nascido no tempo certo. Ninguém tem dúvidas quanto ao talento daquela geração. E há quem alimente a ideia de que as qualidades de Orlando Conde, por exemplo, se desfilassem na época do seu irmão Chiquinho, poderiam atingir patamares bem mais elevados. Será?

2.ª Geração – 1985 a 2005 Abertura das fronteiras resultou em dois CAN’s

Na viragem de um ciclo para o outro, com as condições no país a sofrerem melhorias, Chiquinho Conde – o tal dos 3 CAN’s – foi a figura de proa. Marcou uma década, atrás de Lurdes Mutola no orgulho à moçambicanidade. Em Junho de 1987 ele “abriu as fronteiras”, tendo sido o primeiro moçambicano a assinar um contrato profissional com o Belenenses. Seguiram-se Ali Hassan, Calton, Jojó e Tchaka-Tchaka, antes da avalancha de saídas para alguns países do nosso Continente, em especial a África do Sul. O “cheiro” do profissionalismo a sério acabou por dar frutos com a segunda qualificação a CAN’s, em ‘96, para a África do Sul.

Dois anos depois, o “bis” para Burquina Fasso, após a tarde de todas as loucuras, com choros na Machava pelo afastamento do Malawi nos últimos minutos, através de um tento de Tico-Tico, o até agora maior goleador nacional de todos os tempos. No final deste período, começou a “rendição” gradual, que permitiu o aparecimento de jogadores como Tomás, Pinto Barros e Dário. A Selecção já era formada pelos internos e externos, com o “dedo” de Viktor Bondarenko a marcar diferenças em momentos decisivos. A designação Mambas pegou de estaca e Moçambique atingiu, nessa altura, o ponto mais alto no “ranking” da FIFA que foi o 39.º lugar em 1998.

3.ª Geração – 2005 a 2009 Tempo de paz e de profissionalismo sem “capuz”

Com a “legião estrangeira” na primeira linha, os Mambas entraram, em definitivo no coração dos moçambicanos. O “Moçambola”, bem alavancado por grandes empresas nacionais, recomeçou a levar gente ao futebol, o que nos permite pensar grande e não nos atemorizarmos diante de qualquer adversários.

É um dado adquirido que quem tem Dominguez tem tudo. Mas nós temos ainda Simão Mate, Mahomed Hagi, Paíto, Genito e outros. Com a Costa do Marfim, Madagáscar e Botswana pela frente, qualificamo- nos para a segunda fase. A operação Nigéria foi um momento alto da vida dos Mambas e poderia ter sido melhor se a actuação do juiz do jogo da Machava não nos tivesse sido tão avessa. O cabeceamento de Dário no limite do fora-de-jogo e a não expulsão do defesa nigeriano que derrubou Miro impediram-nos de começar a sonhar desde logo com outros voos.

As grandes diferenças, de facto, estarão mais nas “montras” em que os jogadores exibem habitualmente o seu talento, do que na real capacidade individual. A sonhar com os olhos postos em objectivos antes impensáveis, esta 3.ª geração de Mambas parece apostada em dar muitas “picadelas” que se transformarão em grandes alegrias para todos nós. O tempo é de paz e concórdia no país, o espectro da guerra já pertence à história. Há que descobrir novas Mutolas.

Mas enquanto isso não acontece, as esperanças residem nesta geração de ouro de empenhados futebolistas, para nos darem alegrias e aumentarem a tão necessária dose de auto-estima no coração dos moçambicanos.

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