No palco, o baterista dá o primeiro sinal. Os demais instrumentistas ecoam a melodia. Em cena, uma sequência de movimentos expansivos, gestos pequenos e subtis, quedas lentas e genuínas ocupam o tablado em combinações de solos, duos, trios e ou quartetos. As crianças bailam, os jovens e os velhos cantam. Os fãs embriagam-se, comem, aplaudem, gritam, enquanto os outros preparam os tachos. A vila de Marracuene enche-se de gente e a marrabenta conquista as atenções.
Nos dias que correm, para além de entreter, unir várias gerações de artistas para festejar – como tem sido comum em, quase todos os finais de Janeiro e início de Fevereiro, na cidade de Maputo e na vila sede de Marracuene –, a marrabenta tem sido um dos pontos mais discutidos na sociedade moçambicana. Ora, o que mais preocupa os criadores e, curiosamente, o público, é a autoria deste estilo musical.
Alguns consagrados como António Marcos, Dilon Ndjindji, entre outros, por diversas vezes, agitaram-se com a presunção do mérito da criação. Mas, a verdade, até aqui dita, à boca grande, é que o estilo é genuinamente nosso. Só de moçambicanos.
Na última segunda-feira (02), diferentemente do que acontecera há sensivelmente um século, aquando da sangrenta batalha, a vila sede de Marracuene, comummente conhecida como terra de Gwaza Muthini – massacre que aconteceu a 02 de Fevereiro de 1895 –, foi o campo de muita dança, música, diversão e convívio entre moçambicanos idos de diversos cantos de Maputo e não só.
O “show” iniciado na Estação dos Caminhos- de-Ferro de Moçambique (CFM), no habitual “Comboio Marrabenta”, cruzou becos e bairros da capital moçambicana, com curiosos, artistas e jornalistas culturais a bordo, na caravana cujo destino era Marracuene. A locomotiva partiu às 14.00 horas e chegou ao destino uma hora depois. Isto é, às 15 horas.
Na vila, além do espectáculo musical, da exibição e da venda de produtos gastronómicos e artesanais, nas primeiras horas do dia, realizou-se a habitual “Kuphahla”, uma evocação aos espíritos dos antepassados, seguida da deposição de flores junto ao monumento edificado em homenagem aos heróis perecidos.
O referido acto, que se realiza anualmente em Fevereiro, recorda a resistência anti-colonial que opôs os guerreiros comandados por Nwamatibyana, Zihlahla e Mahazule ao exército português, em 1895. Depois das celebrações tradicionais, as comunidades e os turistas que visitam Marracuene voltaram a sua atenção para o “ukanyi”, uma bebida preparada com base na fruta do canhoeiro.
Gwaza Muthini, que significa picar/matar com um objecto contundente na sua própria casa, é a prova clara de que, mais do que a luta, a nossa história pode ser relembrada através da arte.
Entretanto, para celebrar a sua primeira aparição aos palcos neste 2015, o músico moçambicano, Dilon Ndjindji, além de reactivar a sua relação com a música, teve uma actuação que impressionou os seus mais nostálgicos admiradores. Dilon, que se julga autor da marrabenta, encheu de alegria os seus conterrâneos numa actuação que levou mais de 30 minutos.
Juntaram-se ao evento os Makwaela dos TPM, Mabermuda, Maningue Nice, B. Friend e Banda Marracuene que, tal como o “mais velho”, fizeram o público vibrar com as suas actuações.
Para encerrar as actividades da oitava edição do Festival Marrabenta, ainda na vila de Marracuene, no dia seguinte, 03, o Centro Cultural de Matalana acolheu uma sessão de música acústica concebida pelo falecido artista plástico Malangatana Velente Ngwenha, em 2009.
Nos dias 05 e 07 os concertos terão lugar no Cinema 700, no município da Matola, e na capital da província de Gaza – Xai- -Xai -, respectivamente. O Festival Marrabenta é organizado, anualmente, pelo Laboratório de Ideias. Foi criado em 2008, e tem o objectivo de valorizar e promover a cultura moçambicana, em particular a marrabenta.