Mahlazine não teria sido possível fora do país. O encurtamento de rotas, as oscilações no fornecimento de corrente eléctrica, o conflito de terras e uma juventude sem memória fazem deste espaço de terra um bairro tipicamente moçambicano.
Localizado a norte da cidade de Maputo, no distrito municipal ka-Mubukwane, o bairro de Mahlazine é limitado pelos bairros do Zimpeto e Magoanine”A” (Norte), George Dimitrov ou Benfi ca (Sul e Leste), e Magoanine (Oeste).
O nome do bairro já é uma lenda. Há quem diga que este surgiu em memória dos que ali combateram contra o colono. Porém, outros há que defendem que a presença do paiol naquela parcela da cidade de Maputo foi a causa da atribuição deste nome ao espaço. O que não se pode duvidar é que Mahlazine está ligado à palavra “Mahlaza” e é relativo à beligerância.
Vovó Marta, que viu o bairro nascer, antes da independência, conta que antes de ir morar para aquela zona residia no bairro Chamanculo, mas devido às chuvas que fustiga(va)m aquele bairro e com a ajuda do então padre da Missão Roque saíram de Chamanculo para o actual Malhazine. A ajuda prestada pelo padre fez com que o bairro fosse, por muitos anos, chamado “Bairro do Padre”.
Com a proclamação da independência, em 1975, o então Presidente Samora Machel, após efectuar uma visita àquele local, perguntou qual era o nome do bairro, ao que os moradores responderam que não tinha nenhum nome, mas que chamavam “Bairro do Padre”, em reconhecimento à solidariedade prestada pelo missionário.
Esta situação, segundo vovô Marta, deixou Samora Machel indignado, tendo de imediato atribuído o nome de Mahlazine, talvez motivado pela existência de um paiol.
Por seu turno, o secretário do bairro, João Baptista Chichuto, diz que este surgiu na sequência da transferência de 250 famílias que foram retiradas pela empresa Entreposto Comercial na avenida do Trabalho para dar lugar às obras de ampliação das suas instalações.
Das 250 famílias, apenas quatro é que aceitaram a mudança. As restantes discordaram da proposta devido às dificuldades pelas quais tinham de passar para poder chegar ao centro da cidade. Na altura, os transportes públicos operavam até o bairro do Jardim.
Com os terrenos que sobravam, a Missão Roque viu-se obrigada a distribui-los pelos que demonstravam interesse, mas para tal a pessoa tinha de professar a religião católica. Caso não, devia pagar 100 escudos (moeda usada em Moçambique antes do metical). Foi desta forma que o bairro começou a ser habitado. “O nome de Mahlazine não está associado à existência do paiol”, diz o secretário.
O secretário refuta todas as informações que associam o nome do bairro à existência do paiol. Chichuto conta que a atribuição da designação “Mahlazine” ao bairro data de 1 de Novembro de 1974, quando numa reunião dos extintos “grupos dinamizadores”, o moderador quis saber qual seria a designação a atribuir ao bairro que, até então, já tinha usado mais de cinco, nomeadamente Bairro do Padre, Bairro da Missão, Bairro Kodam, Bairro de São Roque, Aldeia Padre João e Bairro Ka-Mwatinhoca (Bairro das Cobras), este último atribuído devido à abundância de serpentes.
Em resposta, movidos pelo espírito revolucionário, os entusiastas propuseram nomes como Bairro Progresso, Bairro da Liberdade ou Bairro da Paz. Mas uma voz saída do meio da população disse que o bairro devia chamar-se “Mahlazine” porque naquele local foram travadas grandes batalhas que opunham líderes de resistência ao colono. Referimo-nos aos Régulos Matsolo, Mavota, o chefe Matibjana. “Foi neste bairro que os chefes Matibjana e Matsolo se reuniram para a batalha de Marracuene, o Gwaza Muthine”.
Aquando da construção da actual Av. Lurdes Mutola, foram encontradas algumas armas tradicionais que teriam sido usadas nas lutas de resistência contra o colono, bem como nas batalhas entre os chefes tribais, pela conquista de mais territórios.
Contrariamente ao que se diz, o secretário do bairro afirma que “Mahlaza”, palavra da qual deriva o nome Mahlazine, é proveniente de Angónia, um distrito da província central de Tete. Esta é uma forma de alerta para que se lance fogo contra o inimigo. É o mesmo que dizer “fogo contra o inimigo!”.
Juventude desconhece a génese do bairro
Vários jovens por nós entrevistados afirmaram desconhecer a história do bairro e quaisquer factos que possam estar por detrás do seu surgimento. Hermenegildo Nhacudine, de 27 anos de idade, nascido e criado no bairro de Mahlazine, diz desconhecer as razões que ditaram a atribuição daquele nome ao bairro. “Não sei porque chamam Mahlazine ao local”, disse.
O desconhecimento da história do bairro e do seu respectivo nome é visto por Nhacudine como sendo o resultado da falta de transmissão de conhecimentos por parte dos que os detêm. “A administração do bairro e os mais velhos nada fazem para nos informar”, acrescenta.
Para Raúl Tinga, de 21 anos de idade, o desconhecimento da história daquele bairro deve-se à existência de várias versões em torno do mesmo assunto. “Há muitas histórias sobre este lugar e não sabemos qual delas é a verdadeira”, lamenta. Tinga também aponta o dedo acusador à administração de Mahlazine, alegadamente porque esta nada faz para que a verdadeira história do espaço seja conhecida.
Em relação a esta questão, o secretário considera que o desconhecimento da história do bairro por parte da juventude está ligado à falta de interesse em conhecê-la. “Anualmente, quando se celebra o aniversário do bairro (1 de Novembro), o secretariado distribui aos residentes, embora em número insufi ciente, boletins que retratam a história deste bairro. O próximo evento terá lugar no dia 5 de Novembro, aconselho- -os a participarem”.
Paiol, o carrasco do povo
Os acontecimentos do dia 22 de Marco de 2007 não se apagam da memória de quem viu alguém perder algum membro do seu corpo, ou até mesmo a própria vida, muito menos para quem perdeu algum familiar. É ocaso de Marta Sendela, que perdeu dois dos seus cinco filhos.
Marta não conseguiu esconder a angústia e a nostalgia quando convidada a dar o seu parecer em relação à existência de um paiol naquele bairro. “Sempre que oiço um estrondo qualquer, lembro-me dos meus dois filhos”, foi com estas palavras que ela nos respondeu.
O Estado indemnizou-a pelos danos, mas ela diz que preferia ter os filhos de volta, pois os bens perdidos não fariam nenhuma diferença diante da presença dos filhos. “Nada pode apagar a dor, nem mesmo uma indemnização pode trazer os meus fi lhos de volta”.
O facto de saber que ainda há engenhos explosivos por perto deixa-a mais preocupada e com receio da ocorrência de mais uma explosão.
O medo de Marta é partilhado por todos os residentes do bairro. As vendedeiras do único mercado ali existente pediram, em uníssono, que o paiol e o respectivo armamento fossem retirados o mais rapidamente possível.
A saúde tem o seu preço
No rol das dificuldades com que Mahlazine se debate consta a falta de uma unidade sanitária. Os moradores são obrigados a recorrer ao Centro de Saúde de Bagamoyo, ao Hospital Psiquiátrico de Infulene ou aos hospitais Central e José Macamo para ter acesso a cuidados médicos, pois o bairro não possui um hospital sequer, apenas uma clínica privada.
“Não temos condições (financeiras) para frequentar a clínica (privada). Vezes há em que temos de alugar uma viatura para levar o doente ao hospital”, dizem.
Escola sem carteiras
O bairro de Mahlazine conta com quatro escolas, das quais duas são secundárias e uma primária, nomeadamente as escolas Primária de Mahlazine, secundárias de Mahlazine e ka-Mubukwane, esta última que, há quatro anos, leccionava apenas o nível primário, mas que, devido à procura e à superlotação da primeira (Secundária de Mahlazine), teve de introduzir o primeiro ciclo do ensino secundário. Existe também a Escola da Igreja Metodista Unida, que lecciona o nível primário e secundário.
A Escola Primária de Mahlazine debate-se com a falta de carteiras. Cada sala de aulas possui menos de vinte carteiras, para um universo estimado em mais de meia centena de alunos por turma.
Casos há de salas que não têm secretárias para os professores, o que os leva a dar aulas em pé, se não recorrerem às carteiras destinadas aos alunos. A escola, já degradada, funciona em condições deploráveis. Tentativas de ouvir o respectivo director não surtiram efeito porque este estava ausente.
Crónicas oscilações de electricidade
A oscilação da corrente eléctrica também constitui preocupação para os moradores de Mahlazine, onde são registados mais de cinco cortes por dia. Contam que, em meados do mês de Outubro, o bairro fi cou 4 dias às escuras por causa de um eventual curto-circuito.
Outro problema ligado à corrente eléctrica prende-se ao facto de ainda se usarem cabos nus e sem isoladores, o que faz com que em dias de ventania haja contacto entre estes. Sempre que há oscilações os moradores ficam privados de água, uma vez que esta é fornecida por operadores privados, cujas bombas funcionam à base da energia eléctrica.
Rotas encurtadas
Para quem está no centro da cidade pode até pensar que, depois de Benfica, Mahlazine é que conta com o maior número de transportes semicolectivos, o que até certo ponto é verdade, tendo em conta o número de “chapas” que estão licenciados para operar naquela rota (Museu-Mahlazine).
Mas esta realidade não se reflecte na vida dos moradores de Mahlazine. Estes são obrigados a fazer ligações para poderem chegar ao destino porque os “chapas” não atingem o terminal, o que na cidade de Maputo é normal.
Aliás, se o bairro de Mahlazine não tivesse problemas de transporte seria uma excepção. “Nas horas de ponta, os “chapas” terminam no Choupal, Benfi ca ou Missão Roque e somos obrigados a gastar mais de 30,00 meticais por dia só em transporte”, contam.