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Litos Carvalha: um treinador que uniu a competência à perfeição

Litos Carvalha: um treinador que uniu a competência à perfeição

Numa conversa longa com o @Verdade, o treinador principal da Liga Muçulmana, Litos Carvalha, abriu o “livro” e falou abertamente dos segredos que fizeram com que a sua equipa conquistasse o Moçambola, edição 2013, a duas jornadas do término. Revelou, também, que vai abandonar o comando técnico dos muçulmanos depois de erguer o troféu.

@Verdade – Quando é que tomou a decisão de abolir os estágios pré-competitivos na Liga Muçulmana?

Litos Carvalha – Se dependesse de mim, os estágios nunca teriam existido neste clube. Quando cheguei encontrei um conjunto com hábitos e costumes muito diferentes do meu perfil, mas que não podiam ser alterados bruscamente. As mudanças tinham de ser graduais. Houve uma altura em que os jogadores começaram a se queixar da falta de descanso no Centro de Estágio porque não conseguiam se adaptar às camas. Foi a partir daí que decidi, então, abordá-los sobre a abolição dos estágios.

@V – E qual foi a reacção deles depois da comunicação?

LC – Foram unânimes em afirmar que era melhor para todos. Mas também foi um desafio visto que tinham de mostrar que são realmente profissionais e responsáveis. Nós, como equipa técnica, depositámos total confiança nestes rapazes, até porque sabem que quem não cumprir com as regras não vai produzir o desejado e, quando é assim, esse atleta é rapidamente descartado. Na Liga Muçulmana existe um modelo e um sistema baseado no conjunto e qualquer um dos jogadores tem a capacidade de jogar como titular.

@V – E é benéfica esta regra?

LC – Para nós é, senão não teríamos conquistado o campeonato. A disciplina que eu imponho numa equipa é mais do que um regulamento interno do clube. Esta regra visa descortinar o profissionalismo que mora em cada um dos jogadores sem exercer nenhuma autoridade. Vou dar um exemplo. Há quatro anos atrás estive a dirigir o Maxaquene. Naquela altura algumas pessoas do futebol moçambicano catalogavam os meus jogadores de bêbados sem, contudo, fazerem nada para melhorar a situação. Havia um atleta que era demasiadamente acusado de andar nas barracas. Tomei a sábia decisão de nomeia- -lo capitão da equipa para ser visto como um exemplo. Consegui recuperar esse jogador que passou a ser convocado para a selecção nacional e que, naquela altura, se tornou um verdadeiro ídolo da turma tricolor.

@V – Não há medo de alguém, por exemplo, comportar-se mal na noite da véspera do jogo?

LC – Eu não tenho medo. Todos os jogadores sabem que ao se comportarem mal serão descobertos, avisados e despedidos do clube. Eles não têm hipótese nenhuma. Admitimos que haja incidentes como problemas familiares e de saúde. Alguns segredos tácticos da Liga Muçulmana

@V – A Liga Muçulmana é muito temida pela sua pujança ofensiva constante em todos os jogos. Como explica isso?

LC – Há anos que li uma reportagem que falava sobre os treinadores que privilegiam o meio-campo para estabelecer o seu futebol. E como jogador eu sempre fui tecnicista e amante de um modelo bem elaborado. Foi esta forma de pensar que sempre procurei transmitir aos meus jogadores quando tornei-me treinador dos escalões de formação do Estoril da Praia em Portugal, onde até fui campeão nacional pelos juniores.

@V – E este modelo assenta-se na imutável disposição táctica do 4 – 3 – 3, com dois centrais, dois laterais, um médio defensivo atrás de dois “miolos”, dois “soltos” e um ponta de lança?

LC – Logicamente. É assim como nós jogámos. Eu sempre mentalizei aos meus atletas para jogarem bem, para darem um bom espectáculo de futebol de modo a poluírem as zonas de finalização e criarem muitas oportunidades de golo. Nalguns casos temos privilegiado o 4 – 4 – 2 numa espécie de losango, o sistema táctico mais ofensivo do mundo na minha óptica. Tudo parte do meio-campo onde temos Josephy e Liberty, dois médios pivôs com a obrigação de colocar o esférico na zona perigosa do adversário onde, normalmente, coloco entre três e quatro jogadores preparados para finalizar.

@V – É correcto afirmar que a Liga Muçulmana “ataca” para não sofrer?

LC – Seja contra o Costa do Sol, seja contra o Maxaquene, o Ferroviário de Maputo ou Têxtil de Púnguè, a minha equipa, pela sua qualidade, é capaz de ganhar por três, quatro ou cinco golos. Isto porque conseguimos envolver muitos atletas nas acções ofensivas. Os nossos laterais, por exemplo, quase sempre jogam como médios- alas e até por vezes como extremos. Nas jogadas de ataque, um dos movimentos característicos da Liga Muçulmana é o de “matar” um médio ofensivo para torná-lo ponta de lança substituindo- o, naturalmente, por um lateral. Isto em termos práticos transforma o 4 – 3 – 3 em 4 – 2 – 4 ou 4 – 1 – 3 – 2.

@V – Em vários confrontos, a Liga Muçulmana tem jogado apenas com três defesas. Porque?

LC – Corremos esse risco para não danificar o nosso processo ofensivo devastador. Ao defender temos o apoio do Momed Hagi que desce para dar apoio aos três homens e formar a barreira clássica de quatro. Descaracterizamos a nossa defesa para ter mais dois médios atrás de dois pontas de lança, o que nos ajuda a ganhar as segundas bolas na saída do adversário, ou seja, força a pressão alta.

É um risco que se corre. Mas tudo é preparado ao longo da semana e ao pormenor. Contudo não deixa de ser uma forma de jogar que varia em função do nosso adversário. Devo confessar que os meus rapazes estão de parabéns porque conseguem assimilar rapidamente os processos de jogo durante os treinos, o que aliás virou rotina. A nossa grande luta foi a execução dos “triângulos”, em que um jogador com o esférico deve ter sempre duas linhas de passe o que nos permite arrasar na posse de bola e nas triangulações.

Os defeitos e as qualidades da Liga Muçulmana

@V – Defrontar uma equipa que investe extremamente no contra-ataque. Em Moçambique todos os adversários da Liga jogam dessa forma e alguns com maior audácia; a forma como jogámos cria desgaste aos nossos jogadores, o que pode ser bem aproveitado por equipas inteligentes; temos imensas dificuldades em manter a nossa qualidade nos últimos minutos de uma partida, o que dá a entender a muitos que estamos a menosprezar o rival; temos falta de capacidade de jogar em campos muito mal tratados e em péssimas condições. Por isso que os nossos resultados fora de portas não foram satisfatórios; e é difícil enfrentar conjuntos que se fecham na zona defensiva.

LC – Habilidade de criar muitas oportunidades de golo; Jogar a 40 metros da baliza do adversário; muito talento junto e capaz de originar ruptura no processo defensivo contrário para marcar muitos golos; e elevada capacidade de cansar os oponentes.

Não vou renovar pela Liga Muçulmana

@V – Está em final de contrato. Vai renovar com a Liga Muçulmana?

LC – Não. Esta é a mais difícil decisão que terei tomado. Falei com a minha família, a quem dedico este título, e juntos decidimos que não posso continuar em Moçambique ao fim de 18 meses de trabalho. Se houvesse alguma possibilidade de viver com ela cá não teria problema nenhum em renovar com a Liga Muçulmana. Mas os meus filhos, mais do que nunca, precisam de estar perto de mim. Precisam do carinho do pai. Digo isto com muita dor e sobretudo por ter visto o semblante triste dos meus jogadores quando comuniquei-lhes esta decisão. Vou abandonar um clube muito sério e profissional.

@V – E qual será o futuro do Litos?

LC – Volto a Portugal para cuidar da minha família. Sei que não estarei desempregado por muito tempo, até porque tenho fé que um dia irei regressar a este maravilho país.

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