Sob o olhar impávido das autoridades municipais, inúmeros passeios da cidade de Maputo estão praticamente tomados pelos lavadores de carros que, de modo informal e livre, exercem a sua actividade, não obstante existir um diploma que proíbe a lavagem de veículos na via pública. Ao longo das ruas do grande Maputo, a actividade de lavagem de viaturas sobressai aos olhos de quem nelas circula.
Em algumas vias públicas, os passeios, reservados exclusivamente aos peões, servem somente para a prática daquela actividade. Aliás, as Avenidas Mao Tse Tung, 24 de Julho, Karl Max, Guerra Popular e Samora Machel – concretamente nas imediações da Praça 25 de Junho –, têm os passeios inteiramente tomados pelos lavadores de carros que fazem desses locais o seu posto de trabalho. Mal alguém estaciona o automóvel, um grupo de jovens, com detergentes, escovas na mão e panos pendurados no ombro, rapidamente se aproxima e anuncia os seus serviços: “posso tirar a poeira, patrão…”, “posso fazer uma lavagem geral e engraxar os pneus, chefe..?” e “eu vou controlar o seu carro…”.
É desta maneira que os jovens lavadores de carros, espalhados um pouco por todos os lados, tentam conquistar o cliente. E é este o cenário que se assiste todos os dias em quase todas as principais artérias da cidade. O diploma designado “Postura de Trânsito” do Concelho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM) estabelece, no seu artigo 36, que “é proibida a reparação ou lavagem de qualquer veículo na via pública…” e ao infractor é-lhe aplicada uma sanção que consiste no pagamento de uma taxa de mil meticais. Esta postura surge porque o “CMCM teve a consciência de que esta actividade suja a cidade e contribui para a degradação dos passeios, além de contribuir para a vandalização de tubagem de água”, diz Armando Bembele, director para a área de Transportes e Trânsito do CMCM.
Porém, este diploma é desconhecido pelos lavadores de carros, alguns munícipes assim como pelos proprietários dos veículos, razão pela qual esta “profissão” é das mais procuradas e a actividade cresce a olhos vistos. “Não sabia que lavar carros na rua era proibido”, afirma André Jacinto, um munícipe que encontrámos ao longo da Avenida 24 de Julho, que lamenta ainda o facto de esta actividade “sujar a cidade”, tendo acrescentado que os “passeios e as ruas estão cheios de água, a edilidade deveria fazer algo para mudar a situação”. Bernardo Ferreira é da opinião de que o Concelho Municipal deve disponibilizar espaço apropriados para que os lavadores de carros exerçam as suas actividades, para se evitar a “danificação dos passeios e das ruas, visto que não foram construídos a pensar naquela actividade”.
Uma actividade a combater
Os lavadores têm estado a infringir a norma, uma vez que, além de ser proibida, se trata de uma actividade informal, “o que não significa que haja passeios reservados para esta prática, ou seja, não existe uma autorização para tal. O que se tem assistido é uma violação sistemática de uma norma tal como outra que acontece e escapa ao controlo dos agentes camarários”, comenta Bembele.
Segundo Bembele, esta é uma “actividade a combater” e, para o efeito, o município tem estado a licenciar locais para esta prática e não só. “Já existem car wash pela cidade que são sítios apropriados para a lavagem de veículos”. A polícia municipal tem estado a recolher baldes e, em alguns casos, passa multas aos proprietários e aos lavadores de carros, mas “devido à massificação da actividade, tem sido difícil controlar a situação”.
Aliás, o que acontece é que “como a polícia anda uniformizada, os lavadores de carros facilmente escondem os baldes e as escovas e ficam ali como quem vigia a viatura”. Armando Bembele insta os automobilistas a não deixarem que as suas viaturas sejam lavadas nas vias públicas e aconselha a irem para os lugares apropriados. O Concelho Municipal lançou um concurso para disciplinar o parqueamento, e a entidade vencedora irá ajudar o CMCM a controlar esta situação considerada “complexa”.
“Não haverá vigilantes de carro informais, os lavadores estarão integrados neste novo serviço e a partir daí será fácil discipliná- los do que na situação actual”, diz. Esta situação será resolvida ainda este ano e é vista pela edilidade como uma possível solução, descartando-se a hipótese de licenciá-los. “Todos estarão organizados, uniformizados e acreditamos que grande parte das preocupações ficará ultrapassada”.
Ganhar a vida com a inércia municipal
Lavar viaturas nas ruas é, para muitos jovens, um meio de sobrevivência diante da falta de emprego. Alberto Massinga, de 23 anos, é um desses jovens que, há três anos, se dedica à lavagem de automóveis na praça 25 de Junho, na zona baixa da cidade. Não sabia que pratica aquela actividade à margem da lei, uma vez que “nunca fui multado” e, muito menos, precisou de fugir da polícia municipal. Massinga amealha por dia, em média, 600 meticais, montante com o qual sustenta um agregado familiar composto por 11 elementos. Com apenas a 5ª classe por terminar, a falta de condições levou-o a deixar de estudar.
Já Tomás Pereira, de 15 anos, explica que a iniciativa de lavar automóveis surge da necessidade de ajudar a sua avó nas despesas da casa. Por dia, consegue arrecadar 500 meticais e outras vezes não passa dos 100 porque “nem sempre há carros para lavar” e, por causa da idade, perde grande parte de trabalho, visto que os mais velhos se auto-intitulam “donos” de um determinado posto e impedem-no de trabalhar. Já lá vão dois anos, período em que se dedica a essa actividade ao longo da Avenida Guerra Popular.
O valor que amealha cobre apenas as despesas do dia-a-dia, razão pela qual diz que não consegue ir à escola. Grande parte dos proprietários das viaturas recorre a lavadores de carros nas ruas por estes cobrarem menos quando comparados com o preços praticados nas estações de serviço formais. “Estes jovens prestam um serviço imediato e ainda cobram preços baixos. Para ter uma ideia, são apenas 150 meticais para teres o carro limpo e os pneus engraxados contra mais de 500 que um car wash cobra pelo mesmo serviço”, afirma Miguel Aurélio, proprietário de uma viatura, apesar de reconhecer que é uma actividade ilegal. “Falta informação de que é proibido lavar carros na via pública”, diz.
A mesma visão é partilhada por um outro automobilista, Cassamo Macuácua que comenta que o preço é “bastante convidativo”, além de se mostrar surpreso quando lhe demos a conhecer da existência de um diploma que proíbe a lavagem de viaturas na via pública. “É a primeira vez que oiço falar sobre isso. Nunca fui multado e nunca soube que alguém o tinha sido por deixar que o seu carro fosse lavado em plena via pública”,frisou.
Car wash
Apesar de a concorrência desleal com os lavadores de carros na via pública, algumas estações de serviço espalhadas pela cidade comentam que não se sentem desmotivadas com a situação, visto que ainda existem certos proprietários de automóveis que procuram por aquele serviço naqueles locais apropriados. Segundo aqueles, a clientela tem a consciência de que, num car wash, a lavagem é “bem feita e ajuda a manter as superfícies exteriores do veículo no melhor estado”, evitando-se o “risco de ter a viatura riscada” devido ao uso de instrumentos não apropriados. Os lavadores estabelecidos apontam o dedo à edilidade, acusandoa de pouco ou quase nada fazer para acabar com os informais que ganham a vida ilegalmente, uma vez que existe um dispositivo que proíbe aquela actividade na via pública.
Os proprietários das car wash visitados pela nossa reportagem afirmam que os seus rendimentos não são satisfatórios devido à disputa que mantêm com os lavadores informais que, estabelecendo preços baixos, atraem para si grande parte dos potenciais clientes. Para lavar uma viatura do tipo turismo nas estações de serviço como, por exemplo, a OK, custa 350 meticais contra os 100 a 150 praticados pelos informais.