No dia que Moçambique comemora 40 anos de independência nacional nove centenas trabalhadores da multinacional irlandesa Kenmare Moma Mining Limited, que explora as areias pesadas de Moma, na província de Nampula, foram vítimas da carga policial porque exercem o seu direito à greve. Pelo menos um dos trabalhadores ficou ferido na sequência do disparo de gás lacrimogéneo pelas forças da Lei e Ordem apoiadas por agentes da Unidade de Intervenção Rápida.
Desde a passada segunda-feira(22), os trabalhadores moçambicanos contestam os cortes nos subsídios que recebiam e exigem a redução da carga horária de trabalho, de 48 para 45 horas semanais. Um dos representantes do Comité Sindical da Kenmare disse ao @Verdade que a paralisação das actividades resulta do facto de se ter descoberto nas folhas de vencimentos referente ao mês de Junho corrente, que o subsídio pelo trabalho nocturno tinha sido reduzido sem explicações nenhumas.
“Decidimos paralisar os trabalhos para exigir os nossos direitos”, afirmou a fonte que acrescentou que a questão das deduções já tinha sido debatida com o patronato e afastou-se essa hipótese face à recusa das pessoas que seriam lesadas. “Trata-se de um assunto encerrado, uma vez que houve muitas discussões entre a empresa e o comité sindical (…)”.
No passado, o subsídio em causa estava fixado em 61% sobre o salário base de cada trabalhador que observava o regime de turnos, mas o valor foi “reduzido para 20% sem ter havido nenhuma comunicação. Isso é uma injustiça”, disse o nosso entrevistado, que esclareceu que, em consequência do corte da referida subvenção, os empregados exigem que a direcção da Kenmare elimine o turno da noite. “Queremos que se estabeleça um único horário de trabalho, que é das 07h00 às 15h00, e que se eliminem os turnos das 15h00 às 23h00”, bem como o das “23h00 às 07h00”, anotou a nossa fonte.
Mediada pela Inspecção-Geral do Trabalho e pelo Centro de Mediação e Arbitragem Laboral, ambos de Nampula, a Direcção da empresa e os trabalhadores tem reunido para encontrar uma solução para o diferendo mas sem sucesso principalmente devido a irredutibilidade da Kenmare que alega o registo de prejuízos, desde 2014, devido a queda dos preços minérios extraídos pela empresa nos mercados internacionais.
Um relatório do Centro de Integridade Pública, constatou que esta multinacional, até 2013, quando dava lucros, muito pouco contribuiu para os cofres do Estado. De acordo com o relatório “Mineração sem desenvolvimento: o caso da exploração das areias pesadas de Moma”, a empresa Kenmare beneficia de incentivos fiscais e montou uma estrutura accionista e de organização (com subsidiárias em paraísos fiscais) preparada, de antemão, para a evasão fiscal, pelo que, apesar de a mina ser rentável, gera poucos proveitos para cofres do Estado moçambicano.
Segundo o CIP, a Kenmare, que no princípio do ano demitiu 162 trabalhadores moçambicanos e agora está a reduzir o subsídio pelo trabalho nocturno alegando prejuízos na sua operação, não tinha pago, até 2013, o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRPC), embora a mina tenha começado a gerar lucros em 2011. Paradoxalmente, os trabalhadores moçambicanos que trabalham na Kenmare pagam o IRPC, sofrendo deduções na fonte, o que significa que o que em conjunto os cidadãos descontaram é 2,5 vezes maior do que aquilo que a empresa canalizou para o Estado moçambicano. Efectivamente, por cada dólar de receita entre 2008 e 2011, a Kenmare pagou um cêntimo em impostos ao Governo moçambicano.
Na manhã desta quinta-feira, o grupo de centenas de trabalhadores em que greve que estava a condicionar o acesso à fábrica, tentando bloquear a estradas, foi vítima da agressividade das forças policiais, entretanto chamadas pela direcção da Kenmare para deterem os grevistas. “Neste momento a direcção da Kenmare deu ordens a FIR para disparar gás lacrimogéneo contra os manifestantes e um foi atingido na cabeça”, relatou esta manhã um dos membros do Sindicato, via telefónica, que acrescentou ainda que “hoje era para continuarmos na sala das negociações mas quando nos ligaram nós do parte do Sindicato negamos ir porque a empresa só está a usar violência.”