Estimado leitor, nos próximos parágrafos, trazemos-lhe a conversa mantida com o moçambicano, Júlio Messa, de 34 anos de idade, que durante oito dias, entre 21 e 31 de Agosto, irá escalar o monte mais alto de África, o Kilimanjaro, situado na vizinha Tanzânia, com quase seis mil metros. O sacrifíco, bastante desafiador, é feito em nome da paz, solidariedade e perseverança no país. Entre os vários aspectos envolvidos, carregados de uma profunda utopia que nos disse, menos utópico parece-nos ser o pensamento segundo a qual “a nossa atitude determina a nossa altitude”. Quer atingir altas altitudes? Acompanhe-nos na ‘escalada’ desta matéria…
@Verdade: Fale-nos sobre como inicia a sua aventura.
Júlio Messa: Se eu dissesse, do nada, que quero subir o monte Kilimanjaro hoje, de certeza que não iria conseguir. É preciso muita preparação. Por exemplo, eu escalei a montanha mais alta da África do Sul, a Cathedral Peak da cadeia de montanhas Drankensburg, com mais de três quilómetros de altura, no dia 2 de Agosto. Porque nenhum moçambicano tinha estado lá antes, esse evento também é histórico. Ora, se considerarmos que o Kilimanjaro tem 5895 metros de altitude, significa que estou diante de um desafio maior ainda.
Escalar uma montanha é uma experiência que envolve muito mais do que saber subir. Tem que se ver as condições de aclimatização, a quantidade de oxigénio no sangue, factor em que eu levo alguma vantagem, uma vez que estou acima de 90 porcento. Vou um pouco mais confiante porque me preparei. Tenho ido ao ginásio, além de caminhar continuamente nas manhãs para me familiarizar com o frio.
@Verdade: Porque é que decidiu escalar o Kilimanjaro?
Júlio Messa: Nós temos que, de vez em quando, sair da nossa zona de conforto porque temos sonhos a alcançar – construir a nossa casa, concluir o nosso doutoramento, criar a nossa empresa, constituir a nossa família, entre outros. Muitos moçambicanos têm esses sonhos que nunca se concretizam porque não agem. Não se sacrificam para tal.
Então, não sendo político, músico, muito menos um carismático, e trabalhando simplesmente como banqueiro, tenho a certeza de que se eu me preparar para enfrentar qualquer desafio na vida posso conseguir. Portanto, lancei-me o duro repto de escalar o monte Kilimanjaro. Se isso fosse fácil, então, não seria um desafio. Sei que há pessoas cujo medo é a altura, o frio, mas uma das formas de superá-lo é enfrentando-o gradualmente.
O que eu gostaria de ver a acontecer é que as pessoas compreendessem que o que estou a fazer não é unicamente um assunto pessoal – mas é uma forma de mostrar que se enfrentarmos os nossos desafios, podemos ser bem-sucedidos. É importante que essa experiência que realizo se replique na vida de outras pessoas, porque cada um de nós tem o seu Kilimanjaro na vida, o qual chamo desafio. Compreendo que uma das formas de influenciar a mudança de comportamentos, no meu país, é dando um exemplo.
O que aprecio neste acto é a colaboração das pessoas envolvidas. Por exemplo, o logótipo que se produziu no contexto da materialização dessa iniciativa é um misto de todas as ideias das pessoas que o pensaram. Por isso, ele ostenta a bandeira, o coração, o amor… Assim é porque quisemos aglutinar cada ideia de todos. Este é outro exemplo de como podemos viver em harmonia. Temos de ser tolerantes e saber ouvir os outros. Não é obra do acaso que Deus nos deu dois ouvidos e uma boca.
É que temos de ouvir mais do que falamos. A vida é uma escola e aprendemos todos os dias. Por isso, sublinhe-se, o propósito desta caminhada é a necessidade de se criar um alerta sobre a paz, a solidariedade e a perseverança, ingredientes com que os quais podemos ter uma vida bem-sucedida. De qualquer modo, vale a pena esclarecer que não se está perante uma competição em que se irá ganhar algum prémio – mas, ao mesmo tempo, para mim, será muito gratificante porque serei o primeiro moçambicano, oficialmente, a escalar o cume do Kilimanjaro.
A mensagem que pretendo disseminar, repito, é que as pessoas não se devem conformar com o estado habitual da vida. Se se é, por exemplo, um ‘caixa’, porque não se pode ser um gestor da banca e um dia, quem sabe, tornar-se um presidente do conselho de administração. Isso não cai do céu. Para tal, tem que se porem planos em acção. É por essa razão que digo que se eu tivesse acordado hoje com a ideia de escalar o Kilimanjaro amanhã, não iria conseguir. Como tal, venho a preparar-me há mais de oito meses, treinando cinco vezes por semana. O mesmo se aplica quando se pretende fazer um exame ou construir uma casa.
@Verdade: Que aspectos foram levados em conta na sua preparação?
Júlio Messa: Em termos físicos, eu ia ao ginásio cinco vezes por semana. Tive a orientação de um personal trainer qualificado, ao mesmo tempo que treinei muito a controlar a respiração, o que é essencial, porque quanto maior for a altitude mais fino o ar se torna. Por exemplo, a altura média que um helicóptero sobrevoa é de quatro mil metros. No Drankensburg estivemos em 3.010 metros, e agora vou escalar um monte com 5.895 metros, então a preparação é completamente diferente.
Há que ter em conta também a qualidade da alimentação, porque ao longo dos oito dias em que estarei a subir não me vou alimentar de nada do que gosto da minha terra – a matapa, o arroz e a xima, por exemplo. Vou-me alimentar de barras de cereais, proteínas e carbo-hidratos compactos a fim de reduzir o peso do corpo que se deve acostumar a consumir menos água, como forma de preservá-la.
Enfrentar grandes perigos
@Verdade: Que perigos estão envolvidos no enfrentamento desse desafio?
Júlio Messa: A altitude em si exige que o corpo de adapte a esse ambiente. Felizmente, eu aprovei nos testes que fiz com um bom aproveitamento. Outro perigo tem a ver com o tropeçar já que, tendo em conta que nas montanhas é difícil que chegue um helicóptero ou uma viatura, se eu me ferir no quinto dia, por exemplo, para descer só posso ser carregado por homens que só chegarão um ou dois dias depois para me darem um socorro adequado.
Há perigos que têm a ver com a própria natureza. Nos primeiros dois dias passa-se por uma região composta por uma floresta densa, habitada por animais perigosos, cobras, macacos, elefantes, além do facto de que quanto mais se sobe as rochas tornam- se mais escorregadias, o que aguça a necessidade de se ter equipamentos mais adequados: Três pares de luvas, um par de botas, incluindo vestuário que repele a água secando rapidamente. Portanto, não se pode acordar e, do nada, decidir-se escalar a montanha. A preparação física e, acima de tudo, a psicológica são essenciais.
Há pouco tempo estive numa posição em que, há 80 metros para atingir o cume do monte mais alto da África do Sul, o corpo me dizia ‘chega! Pára!’ e a mente dizia-me ‘Júlio, tens a bandeira contigo no pescoço, tens que subir’. Portanto, isso significa que há uma altura em que toda a preparação física é superada pelo cansaço e pela fatiga mental. Por isso a preparação psicológica é determinante. Nesse sentido, pratiquei muito a yoga, a meditação e o controlo de respiração para atingir esse objectivo.
Sacrificar um por todos
@Verdade: Compreende-se que se está perante um sacrifício feito por um em benefício de muitos. Como explica essa particularidade?
Júlio Messa: É que nós sempre gostamos que os outros façam algo por nós. Nesse sentido, quando há problemas culpámos os políticos e os governos, dizendo que eles fazem pouco por nós. Em contra-senso, eu parto do princípio de que nós também temos o nosso dever.
E é dando um exemplo que podemos contribuir para o desenvolvimento do nosso país. Represento os moçambicanos porque carrego comigo a nossa bandeira. Seria muito fácil, para mim, angariar dinheiro particular para pagar os altos custos envolvidos nesta expedição. Mas trabalhei no sentido de todas as pessoas que conheço – dou o exemplo dos cantores Stewart Sukuma, Valdemiro José e Neyma Alfredo – e companhias de comunicação e marketing dessem um pouco de si para se materializar este projecto.
É essa a união que eu sinto. De todos os modos, e a a sua pergunta, realizar esta iniciativa em nome de Moçambique é uma forma de mostrar que é possível que nos unamos a começar por uma iniciativa individual. Costumo dizer que a nossa atitude determina a nossa altitude. Se se tem uma atitude certa pode-se chegar a qualquer altitude.
@Verdade: Como é que tem sido o ritual? Qual é a reacção das pessoas?
Júlio Messa: Creio que nas últimas semanas, a véspera da partida, o evento está a ter um grande impacto. Há muita gente que me diz que sempre quis fazer algo similar, mas nunca tive coragem suficiente para dar o primeiro passo, o que é muito gratificante, pese embora inicialmente não se acreditava muito. Creio que será muito mais gratificante quando eu voltar do Kilimanjaro com o testemunho de que consegui, porque apesar de haver alguma crença ela não é absoluta. Por exemplo, eu conheço uma pessoa que desistiu há cem metros do topo por cansaço.
@Verdade: Qual é o sentido que se confere a esse ritual? Você faz isso como religião?
Júlio Messa: É verdade que eu acredito que existe um Deus que nos protege, mas não faço isso com nenhuma religiosidade. É apenas uma forma de mostrar que se nos concentrarmos nos nossos objectivos e correr atrás deles podemos alcançá-los.
@Verdade: Como é que as pessoas reagiram perante esse acto?
Júlio Messa: Muitas pessoas que não me conhecem pensam que é gozo. De todos os modos, quando investigam, e percebem que o compromisso está assinado, ficam assustadas, por causa do medo que têm de alguma coisa dar errado. Elas mostram, assim, a sua preocupação e carinho porque, de facto, há muitos perigos envolvidos. Compreendo o espanto das pessoas porque escalar a montanha não é nossa cultura. Apesar de termos belos planaltos no país, subir montanhas não faz parte da nossa moçambicanidade.
@Verdade: Que transformações espera que ocorram depois de se realizar esse desafio?
Júlio Messa: Com a pouca idade que tenho, 34 anos, eu já mudei de emprego – entenda-se empresas – mais de 10 vezes, o que os gestores de recursos humanos dizem que é mau. Isso não é comum. Só que gosto e quando tenho de enfrentar um desafio, faço-o absolutamente. Este desafio já está a criar transformações em mim, no sentido de que, em relação àquilo que eu tinha dúvidas de que podia fazer, se usar a escalada do Kilimanjaro, e preparar-me devidamente, posso ajudar mais instituições de caridade ou a minha família.
Ou seja, este desafio está a fazer com que eu acredite mais em mim. Ao ajudar as pessoas mais próximas de nós, estamos a manifestar alguma solidariedade. O problema é que as pessoas pensam que para se ser solidário é preciso, antes de mais, ter muito dinheiro de que se extrairá uma parte para ofertar aos outros. A solidariedade vem daquilo que o seu coração lhe manda fazer dentro das suas possibilidades.
@Verdade: Que conselho dá aos leitores a respeito de tudo o que falámos?
Júlio Messa: Acho que nós precisamos de parar de ter ídolos e começarmos a procurar mentores. Felizmente, os meus ídolos são igualmente os meus mentores, pessoas que posso alcançá-las. Muitas vezes, as pessoas sonham em ser como Obama, Bill Gates, Steve Jobs, o que não é errado, mas para saber como é que essas pessoas ganham na vida é um pouco complicado.
Os meus mentores são pessoas que consigo contactá-las, sempre que as preciso a fim de me darem conselhos. Refiro-me, por exemplo, ao professor doutor Dino Foi, ao senhor Henrique Almeida, entre outras que admiro por já terem feito grandes transformações na sua comunidade, mas, ao mesmo tempo, estão ao nosso alcance. Portanto, o meu segredo é rodear-me de pessoas que me sirvam com bons exemplos.
@Verdade: Quem é afinal Júlio Messa?
Júlio Messa: Sou filho da dona Angelina e do senhor Messa. Nasci em Moçambique e pratiquei desporto. Mas, como qualquer jovem, tive sonhos de ser piloto ou motorista da Fórmula 1, o que não foi possível dada a necessidade de – respeitando as regras da minha sociedade – encontrar um rumo para sustentar a minha vida, ajudando a minha família. Há dois meses completei 34 anos. Sou pai de família, gosto da vida e de desafios no bom sentido da palavra.