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Jóta-Jóta

Faleceu Jóta-Jóta

O homem elástico

 

Tínhamos ganho na Machava por um memorável 3-0, a uma Selecção camaronesa recém-glorificada no Mundial de Itália. A “fera” jogava agora em casa e sentia-se ferida. O ambiente em Yaoundé tornou-se um inferno. Em volta do campo havia fogueiras. Dava a impressão que era onde pretendiam assar os moçambicanos. Antes do jogo, Joaquim João, o famoso JJ, foi duas vezes à casa-de-banho, “mas não saía nada”. No final dos 90 minutos, Moçambique perdeu por 4-0, afinal o resultado que nos eliminava. Foi um dos momentos mais dramáticos da vida do “crónico” capitão do Ferroviário e da Selecção Nacional, um dos maiores e mais carismáticos defesas-centrais de todos os tempos da nossa Pátria Amada.

 

A grossa braçadeira de capitão, o estilo e a “souplesse” com que se antecipava para os desarmes, eram as suas imagens de marca. Nos momentos difíceis era a ele que competia erguer o astral dos colegas. Ao longo cerca de 20 anos de carreira, as suas qualidades de atleta íntegro e cidadão dedicado, valeram-lhe a medalha Nachingweia, que guarda com muito carinho. Uma vez penduradas as botas, Joaquim João abraçou a carreira de treinador, exercendo com a mesma entrega as novas funções a que se propôs. Já foi adjunto nos Mambas e treinador principal em diversos clubes, da capital e do resto país. Actualmente orienta o Ferroviário de Inhambane. Não considera que houve alguma despromoção, pois… – O que importa é levar as ricas experiências acumuladas, a todos os cantos do país onde se jogue futebol – vai dizendo, a gracejar. Mas o que ele não entende mesmo, é como no seu tempo ficava, nos dias que antecediam os grandes jogos, totalmente em estado de tensão, absorvido a pensar no que poderia acontecer na partida em questão. Hoje, muitos dos seus jogadores até descem ao relvado para o aquecimento, munidos de fones para ouvirem música! Sinais dos novos tempos…

 

 “Bana estilo”

Marcou uma época e um estilo. Um regalo para quem o viu jogar. O “manachuabo” estiloso, diz com orgulho que a Selecção Nacional, no seu tempo, era formada, maioritariamente, por “chingondos”(nortenhos). E vai enumerando: Nuro Americano, José Luís, Chababe, Filipe, Orlando Conde, Rui Marcos, Sábado, Djão, Ângelo e outros. Quem assim fala, não é gago. Só que o eterno problema das assimetrias, obrigou-os a virem para o Sul para se afirmarem. Jóta-Jóta, conhecido por homem elástico, é um central que ainda está na retina de muitos dos que acompanharam os períodos áureos do nosso futebol pós-independência. A sua arma principal? A antecipação e a “adivinhação” dos lances. Mas tudo feito com estilo e elegância, evitando sujar os calções…

 

De atacante falhado, a estrela do desarme

Foi difícil a sua iniciação, na Zambézia, com uma perna partida de permeio, facto que quase o fazia abandonar o futebol de vez. Ouçamo-lo: – Parti a perna num jogo e a minha mãe, depois de todos os tratamentos para eu ficar bom, proibiu-me de jogar. Estive para seguir a carreira da pintura, até tinha muito jeito, mas o “bichinho” do futebol falou mais alto. Tempos volvidos, foi numa deslocação do então Ferroviário de Lourenço Marques a Quelimane, recheado das suas estrelas, que parmitiram a Joaquim João dar nas vistas. Depois… foi chegar à capital, ver e vencer? Nada disso. O então jovem Joaquim João, em 1969 com 19 anos chegou à capital recheado de sonhos e ambições. Mas, atenção: o JJ jogava a ponta-de-lança. E como pelas bandas do Sul as coisas eram bem diferentes, teve que “comer banco” até ao dia em que… – O treinador Francisco Pontes viu que as minhas aptidões não eram para avançado e mandoume jogar a defesa central, numa partida em que vencemos o Benfica por 4-2. Contra mim jogava o meu irmão Afonso João. A partir daí, nunca mais “comi banco” e até ascendi à Selecção, na nova posição que me foi confiada. Longe da família, com saudades da terra um episódio o marcou de inicio: -A questão da língua. Uma tortura nos primeiros tempos. É que, enquanto em Quelimane toda a gente na cidade se comunicava em Português, aqui não. Alguns levavam a mal por eu não saber ronga. Jambane, Nelson Mafambane, Baltazar, Gafur e outros, encorajaram-me a vencer. Mas não foi fácil.

Com ficha assinada e tudo… Falhou o Benfica por “culpa” da tropa

Em 1973, gorou-se a oportunidade de dar um novo rumo à sua carreira. Após uma deslocação do Ferroviário a Portugal, treinou no Benfica, sob as ordens do inglês Jimmy Hagan e agradou. Chegou a acordo para a transferência, assinou a ficha mas… – A tropa inviabilizou tudo. Nem o Benfica conseguiu remover esse obstáculo. Creio que passei ao lado de uma grande carreira. O meu empresário era o senhor Armando Silva. Ficou a mágoa. Felizmente, na tropa, nunca fui para o mato, estive sempre na secretaria, também graças ao futebol. 

 

O começo: Trabalho de manhã treinos à tarde

Nasceu em Mopeia, já lá vão 58 anos. Pertence a uma familia de desportistas: Mário João, irmão mas velho, defesa, notabilizou-se no Setúbal e no Boavista. Vive actualmente no Porto; Afonso João, avançado, jogou no Benfica de LM. Só o Luís não deu muita atenção ao futebol, pois desde cedo apostou na Marinha Mercante. A sua carreira começou em Quelimane, no Ferroviário, sob o comando de Humberto Nazaré. Veio para a capital em 69, contratado como futebolista, mas profissionalmente como auxiliar de secretaria. Vivia no Lar dos CFM, trabalhava de manhã e treinava à tarde, mas só era dispensado nas vésperas dos jogos. Fora disso, os treinos eram depois das 17 horas. – Uma coisa curiosa é que, se saíssemos do serviço e não fôssemos treinar, automaticamente apanhávamos falta. O esquema estava montado e a disciplina era rigorosa. 

 

 

 

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