O ministro da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA), José Pacheco, fora da Comissão Política da Frelimo, desde o último Congresso decorrido na cidade da Matola, província de Maputo, expulsou, do aparelho do Estado, os colegas que são alvos de um processo-crime por alegado desvio de 170 milhões de meticais no Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA), nomeadamente Setina Titosse, antiga Presidente do Conselho de Administração (PCA) daquela entidade pública, e outros que ocupavam ou não cargos de chefia.
Segundo os despachos que o @Verdade teve acesso, foram também alvos da vassourada do ministro: Brasilino Salvador, ex-chefe do Departamento Agro-pecuário no FDA, e Joaquim Mazive, agrónomo e técnico de crédito na mesma instituição. Os dois são indiciados de forjar projectos para obtenção de financiamento.
A mão de ferro de José Pacheco fez-se sentir igualmente sobre Neide Xerinda, funcionária do Estado há 26 anos e ocupava o cargo de directora executiva do FDA, bem como à pessoa de Celeste Ismael, outrora técnica de monitoria e avaliação, afecta ao Departamento Agro-pecuário na instituição ora lesada. Se a decisão de José Pacheco foi ou não à mal, dado o presumível retraimento das relações profissionais que existiam entre ele e Setina Titosse, o certo é que esta e outros colegas têm, agora, mais um problema por digerir.
Valha-lhes Deus, para em caso de condenação no processo-crime relacionado com o suposto desvio de fundos do FDA, tenham a magna sorte de Diodino Cambaza, ex-PCA dos Aeroportos de Moçambique (ADM), que após ser sentenciado por roubo de 54 milhões de meticais naquela firma do Estado, primeiro beneficiou de redução da pena, de 22 para 12 anos de prisão maior. Segundo, ao sair da cadeia, ele voltou, pela porta da frente, aos ADM como assessor da mesma empresa que ele próprio prejudicou.
O @Verdade teve acesso aos despachos de expulsão dos funcionários em questão. O documento contra Setina Titosse foi exarado a 05 de Outubro prestes a findar. José Pacheco determina que contra esta funcionária é “aplicada a pena disciplinar de expulsão” do Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional (SETSAN), onde era secretária executiva.
A nota já foi rubricada pelo Tribunal Administrativo (AT), a 13 de Outubro em curso.
O governante fundamenta o afastamento da colega, do MASA, a meio do julgamento levado a cabo pela Sétima Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), nos termos da alínea f) do artigo 81 do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE).
O preceito em causa, que versa sobre os “tipos de sanções disciplinares”, impõe que “são sanções disciplinares aplicáveis aos funcionários e agentes do Estado”: alínea a) advertência, b) repreensão pública, c) multa, d) despromoção, e) demissão e f) expulsão.
Pacheco foi ao extremo na aplicação da medida que lhe conveio, o que significa que Setina Titosse, Neide Xerinda, Brasilino Salvador, Celeste Ismael e Joaquim Mazie estão definitivamente afastados do aparelho do Estado, “com perda de todos os direitos adquiridos” durante o “exercício das suas funções”. Diga-se que foram décadas de trabalho atiradas ao caixote de lixo.
O artigo 88, do Estatuto de que Pacheco se socorreu para punir os seus ex-colegas, a sanção de expulsão é aplicada ao funcionário que: a) “atente contra a unidade nacional”, b) “atente contra o prestígio ou dignidade do Estado”. Mas este não parece ser o caso.
No nosso entender, Pacheco recorreu, por exemplo, às alínea g) e h), do artigo acima indicado, para justificar a expulsão da sua colega.
As duas alíneas em causa determinam que é afastado do aparelho do Estado o funcionário que: “for condenado à pena de prisão maior ou de prisão pela prática de crime desonrosos e outros que manifestem incompatibilidades com a permanência no aparelho do Estado”, ou ainda que “pratique ou tente praticar desvio de fundos ou bens do Estado”. Porém, o processo no qual Setina, Neide, Brasilino, Celeste e Joaquim são co-réu ainda está em curso.
Pedido de audiência ignorado
O @Verdade sabe ainda que quando Setina foi restituído à liberdade [provisoriamente], após nove meses de reclusão, pediu audiência ao MASA, mas Pacheco nunca se dignou a recebê-la.
A 26 de Julho deste ano, a ex-secretária executiva do SETSAN endereçou uma missiva ao MASA, explicando que “tendo estado ausente aos serviços por ter sido acusada de desvio de fundos e estando na condição de arguida”, apesentava-se ao seu posto “depois de nove meses” afastada.
Setina pretendia saber para que sector iria trabalhar, uma vez que já estava solta. Passaram meses sem que Pacheco tugisse nem mugisse a respeito do assunto, como quem estava ciente de que bastava o seu silêncio para a colega acumular faltas que, por conseguinte, pesariam nos factos que implicariam a sua irradiação do aparelho do Estado.
Aliás, vários outros colegas e co-réus envolvidos no caso de desvio dos 170 milhões de meticais continuaram a trabalhar normalmente e os sectores a que estão afectos foram sugeridos pelo próprio Pacheco, o que levanta um provável dualidade de critérios.
Ademais, a medida tomada de expulsão aplicada pelo governante encaixa como uma luva nas informações segundo as quais, a partir de uma certa altura, Setina e Pacheco passaram a não ter boas relações de trabalho, porque este último via aquela como uma ameaça, dada a sua rápida ascensão profissional.
A medida é legal mas…
Sobre o caso que nos referimos, o @Verdade ouviu o advogado Rodrigo Rocha. Este disse que o despacho de Pacheco é legal e parece ter seguido os trâmites que antecederam a sua produção. Todavia, cabe à Setina recorrer da decisão do ministro.
O nosso interlocutor explicou que quando uma pessoa é – independentemente de o motivo estar ou não relacionando com o trabalho que exerce – não está a desempenhar as funções para as quais foi contratada. Consequentemente, comete e acumula faltas injustificadas, as quais dão lugar a processo disciplinar.
De acordo com Rocha, o número 2 do artigo 95 do Regulamento do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, “as faltas injustificadas seguidas ou interpoladas até 5 dias dão lugar a procedimento disciplinar”.
O número 1 do mesmo artigo determina que a “falta injustificada implicará, para além do procedimento disciplinar que possa caber, a perda do vencimento correspondente e de 3 dias na antiguidade”.
Governo gratifica ladrão que o prejudicou
Diodino Cambaza, ex-PCA dos ADM, foi condenando a 22 anos de prisão maior por abuso de cargo e funções, desvio de fundos, remuneração e pagamentos indevidos e simulação ilícita.
Ele, que esteve à frente dos ADM, entre 2005 a 2008, desviou 54 milhões de meticais, o que ficou provado em tribunal e recolheu aos calabouços.
A sina deste compatriota – considerado um dos maiores ladrões filiados ao partido no poder e que integra o Executivo – foi de tal sorte que, após a condenação apresentou recurso ao Tribunal Supremo e viu a sua pena reduzida de 22 para 12 anos de prisão maior e pagamento de perto de 37 milhões de meticais.
Durante o período em que Cambaza esteve preso, também acumulou faltas mas parece que ninguém se deu tempo de registá-las nem de aplicar um processo disciplinar nos mesmos moldes em que Setina foi punida pelo MASA.
Mas isso não era tudo que os moçambicanos precisavam ver: quando Cambaza cumpriu metade da pena, voltou aos ADM como assessor da mesma empresa que ele próprio lesou.
Aparentemente ignorando quaisquer princípios éticos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não viu algum impedimento para que o visado fosse reintegrado naquela companhia. E ficou a mensagem: em Moçambique, algum momento, o roubo parece compensar. Se não é por membro da Frelimo, basta estar no próprio Governo ou numa das empresas por ele tuteladas.