Um relatório da Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (ITIE) revela discrepâncias nos valores que as companhias mineiras afirmam ter pago ao Estado moçambicano e os montantes que o Governo diz ter recebido.
O Governo moçambicano diz ter recebido 92,2 milhões de meticais (um dólar equivale a cerca de 13 meticais) contra 204 milhões de meticais declarados pelas companhias mineiras.
Os referidos valores são referentes a pagamentos de impostos sobre a produção, superfície, rendimento de pessoas colectivas (IRPC), taxas de processamento, licenças e dividendos efectuados em 2008.
O estudo envolveu seis companhias mineiras, nomeadamente Vale Moçambique, Kenmare Moma Mining, High African Mining Co., Rio Tinto, Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos e Sasol Petroleum Temane.
Estas companhias foram seleccionadas de um grupo de 23 empresas arroladas, porque já se encontram numa fase de produção, com uma contabilidade organizada, pagando impostos directos num montante superior a 1,5 milhões de meticais.
Segundo o relatório, durante o levantamento de dados, o Governo declarou não ter recebido, em 2008, nenhum valor referente à taxa de licença, IRPC e dividendos. Contudo, as companhias dizem ter pago em licenças cerca de 1,7 milhões de meticais e 72,2 milhões de meticais em IRPC.
O governo afirma ter recebido cinco milhões de meticais correspondentes a taxa de superfície, um valor inferior ao declarado pelas companhias mineiras. Enquanto isso, o montante referente ao imposto sobre a produção declarado pelo Executivo é de 32,7 milhões de meticais, um valor inferior ao declarado pelas empresas.
Assim, regista-se um défice de 11,6 milhões de meticais entre o valor declarado pelas companhias mineiras e o montante que o Governo afirma ter recebido.
Entretanto, o Governo, através do Comité de Coordenação da ITIE em Moçambique, veio ao público explicar que as discrepâncias registadas nos valores pagos e recebidos são resultado da diferença de metodologia usada na apresentação de dados de algumas empresas e da Direcção Geral de Impostos.
As empresas visadas são a Kenmare Moma Mining, CMH e Sasol Petroleum Temane. Falando a imprensa hoje em Maputo, o coordenador da ITIE em Moçambique, Benjamim Chilenge, disse que as aludidas empresas “prestaram informações tendo em consideração o ano da ocorrência dos factos sujeitos a tributação e não ao período efectivo do pagamento, tendo em consideração o seu regime de tributação especial e não o ano civil”. Assim, Chilenge defende que “os dados facultados (pelas companhias) não reflectem ao período do pagamento efectivo feito em 2008”.
Segundo Chilenge, depois de se constatar que as informações fornecidas pelas companhias não correspondiam a realidade fez-se a reverificação e correcção dos dados em conformidade com a metodologia: pagamentos efectuados no ano de 2008.
Tal reverificação reduziu o valor declarado como pago pelas companhias de cerca de 204 milhões de meticais para 177 milhões de meticais e aumentou o valor recebido pelo Governo de 92.2 milhões de meticais para 172.6 milhões de meticais.
Entretanto, a reverificação aponta um défice de 4,5 milhões de meticais, estando actualmente em curso investigações para apurar o paradeiro dos valores.
As organizações da sociedade civil, representadas por Thomas Selemane consideram que apesar das discrepâncias o relatório é valido. “O mais importante é seguir os passos e princípios que conduzem a transparência na indústria extractiva” frisou.
Carlos Nuno Castelo Branco, Director do Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique (IESE), numa comunicação sobre as constatações do relatório, apresentada a 25 de Fevereiro último, defende que o Governo moçambicano não está preparado para gerir os recursos naturais.
Castelo Branco explica que não existe um sistema fiável que permita apurar o que está a concessionar, valor, o preço de venda, quantidades, qualidade, custo das operações e ganhos das empresas. Para Castelo Branco existe apenas informações fornecidas pelas próprias empresas, que carecem de um mecanismo de verificação independente.
“A experiência internacional mostra que as empresas tendem a inflacionar os custos e deflacionar ganhos para minimizar lucros e custos fiscais. Dado o peso da exploração dos recursos minerais no investimento e no crescimento da economia nacional, e o seu enorme potencial estabilizador ou desestabilizador da economia, a inadequação do sistema de informação e valorização dos recursos minerais e da sua exploração é um problema extremamente grave”, advertiu.
A produção do relatório da ITIE é um passo para o país ser submetido à iniciativa, de forma a garantir que os recursos naturais contribuam efectivamente para o crescimento da economia nacional e melhoria das condições de vida dos cidadãos. O relatório final, depois das devidas correcções, será submetido em Maio próximo ao Secretariado Internacional da ITIE.
De referir que o relatório foi entregue pelos auditores/consultores ao Governo em Fevereiro último. Enquanto isso, uma equipa de auditores da empresa Adam Smith Internacional deverá deslocar-se a Moçambique para harmonizar os dados e elaborar o relatório final do Governo que será submetido ao Comité Internacional do ITIE.
De acordo com Abdul Razak, presidente do Comité de Coordenação da ITIE, caso Moçambique seja aceite como um país cumpridor das regras de boa governação e gestão dos recursos naturais, todos os anos serão publicados relatórios detalhados sobre os valores pagos pelas companhias que operam na indústria extractiva no país e os montantes efectivamente recebidos pelo Governo.
Assim, todos os moçambicanos terão acesso as informações sobre a gestão dos recursos naturais e seu contributo para a economia. Por outro lado, o Governo poderá melhorar a gestão dos recursos naturais e, assim, evitar uma eventual instabilidade económica e política.