No cruzamento de Inchope, na província de Manica, a pobreza cola-se à pele dos moradores. A falta de água potável, a fome e o desemprego são os problemas que tiram o sono à população. Apesar disso, centenas de pessoas procuram ganhar a vida socorrendo-se das mais variadas tarefas, desde a preparação de alimentos, passando pelo arrendamento de quartos para repouso até a venda de ratazanas. Porém, a prostituição, “impulsionada” pelos camionistas, é a actividade que mais ganha espaço. Em suma, Inchope é, na verdade, um mundo à parte criado pela necessidade de sobrevivência.
Inchope é o principal cruzamento rodoviário da região Centro de Moçambique. Localizado no posto administrativo com o mesmo nome, a 45 quilómetros da sede do distrito de Gondola, em Manica, e atravessado pela Estrada Nacional Número Um (EN1), tem uma população estimada em 30 mil habitantes permanentes. Neste local, onde diariamente centenas de moçambicanos se cruzam debaixo do sol ou da chuva, a vida nunca foi fácil. Mas o que já era bastante difícil tem vindo a piorar nos últimos anos.
Se no passado o drama das famílias era viver sob a ameaça de não ter o que comer no dia seguinte, presentemente, a população debate-se com problemas de diversa ordem e sem solução à vista, nomeadamente a falta de água potável, acesso limitado aos cuidados sanitários e o desemprego. Porém, diga-se em abono da verdade, a fome é que está a colocar os residentes à beira do desespero, tornando Inchope num lugar multifuncional, onde quase todos procuram meios de ganhar o sustento diário.
Ana Gustavo ainda é uma menor de idade: tem apenas 11 anos. Apesar disso, ela vê-se obrigada a contribuir para o exíguo rendimento diário da casa, até porque a situação financeira da família nunca foi das melhores. A sua mãe é camponesa e o pai também, mas, nas horas vagas, (sobretudo durante a noite) é caçador de ratos.
A falta de chuva tem comprometido sobremaneira a produção de algumas culturas, tais como feijão, amendoim e milho, além de hortícolas, na machamba daquele agregado familiar cujos próximos dias serão bastante difíceis. A salvação tem sido a mandioca e a batata-doce que, por razões de segurança alimentar, não são comercializadas.
Sentada à beira da EN1 e com um olhar tímido, a rapariga de 11 anos de idade vende porções de tomate e uma enorme ratazana. O fruto, conta, colheu na pequena horta que existe a alguns metros do quintal da sua casa e o animal, que está a ser comercializado ao preço de 200 meticais, foi capturado pelo seu progenitor. Ela frequenta a quarta classe.
Já devia estar na sala de aulas, porém, à semelhança de outras crianças residentes naquele posto administrativo, teve de escolher entre a escola e a comida para a família constituída por quatro Texto & Foto: Redacção pessoas. De referir que a fome tem vindo a contribuir para o abandono escolar naquela região.
“Tenho aulas no período de manhã, mas hoje não fui à escola porque preciso de vender estes produtos para termos o que comer em casa”, explica a rapariga que, para chegar até a escola, tem de percorrer seis quilómetros, e, no mínimo, 10 para se instalar na EN1 e desenvolver a sua actividade. Entretanto, a distância parece não ser argumento suficiente diante da falta de pão.
Ana conta que chegou cedo àquele local, por volta das 6h00, com uma bacia cheia de tomate, mas até ao meio-dia ainda não tinha comercializado nem sequer metade. A sorte andou distante da petiza naquele dia. Os potenciais clientes são os viajantes que passam por aquele posto administrativo oriundos e/ou com destino às regiões Norte, Centro e Sul do país.
A fome não só preocupa a família da pequena Ana, mas também centenas de residentes de Inchope que todos os dias sentem a dor causada pela pobreza. Desde o ano passado não chove naquele ponto do país, facto que está a colocar a população num drama sem precedentes. Matilde Jonas, de 39 anos de idade, é uma mãe solteira há mais de quatro anos. Divide uma pequena habitação (se é que se pode dar essa designação a um cubículo de construção precária) com duas irmãs, uma sobrinha e dois filhos.
As suas condições de vida têm vindo a deteriorar-se com o andar do tempo. Ela afirma que a situação começou a agravar-se a partir dos meados de 2011 quando, devido à de falta de chuva, perdeu quase toda a produção de feijão e milho, por sinal as únicas fontes de rendimento daquela família.
“Fiquei sem saber o que fazer, pois já havia perdido tudo”, conta. Mas, como havia necessidade de sustentar a família, Matilde e a sua irmã mais nova decidiram começar o negócio de venda de comida no mercado local ao longo da Estrada Nacional Número Um. “Graças a essa actividade, temos conseguido obter algo para comer”, garante.
Falta de água
Não é apenas a fome que está a deixar a população de Inchope à beira do desespero. Também a falta de água para o consumo. O problema que já tem “barbas brancas” e é do conhecimento das autoridades locais, e não só, que pouco ou quase nada fazem para mudar o cenário. Consequentemente, os moradores são obrigados a caminhar longas distâncias para obter o precioso líquido.
Ter um poço tradicional no quintal é um luxo do qual poucas pessoas podem usufruir – que o diga Maltide Jonás que todos os dias tem de acordar às 4h00 da manhã e percorrer pelo menos sete quilómetros para obter água no riacho mais próximo.
Às vezes, recorre aos poucos poços que existem naquele posto administrativo onde tem de pagar um metical e 50 centavos por cada recipiente de 20 litros. A falta de água potável tem, por assim dizer, martirizado mulheres e crianças. “Tem sido uma vida de muito sofrimento. Já falámos com as autoridades do posto de modo a resolver esta situação, mas ainda não tivemos uma resposta satisfatória”, diz.
A imagem de mulheres, jovens e crianças com recipientes de água na cabeça ao longo da estrada revela o drama por que passam os residentes de Inchope diariamente. Trata-se de um problema que persiste há anos. Apesar disso, centenas de famílias desfavorecidas recorrem aos rios para obter água para o consumo e lavar a roupa.
Em meados deste ano, durante um comício popular orientado pelo Presidente da República, no âmbito das Presidências Abertas, a população pediu água potável a Armando Guebuza.
Em Inchope, a profundidade do lençol freático impossibilita a abertura de furos. Para instalar um sistema independente de distribuição de água, o governo provincial de Manica precisa de pouco mais de seis milhões de euros.
O desemprego
A economia de Inchope é impulsionada pelo comércio informal na EN1, onde diversas actividades comerciais sobressaem aos olhos de centenas de transeuntes. Além da venda de produtos alimentares, a indústria “hoteleira” é a que mais cresce naquele cruzamento. Ao longo da Estrada Nacional despontam pousadas e pensões para responder à demanda. O número de pessoas que procuram locais para repousar cresce todos os dias devido à sua localização geográfica.
O negócio de arrendamento de quartos para repouso é o que mais cresce nos últimos tempos, devido ao fluxo de pessoas que param naquele local de modo a fazerem-se transportar em autocarros para outros pontos do país. Além disso, os “chapas” que, por exemplo, fazem o percurso Nampula-Maputo geralmente têm a paragem para o descanso em Inchope durante a noite, facto que contribui para a grande procura de acomodação.
Embora se esteja a registar um crescimento do sector de hotelaria, o desemprego continua a ser a principal dor de cabeça dos jovens. Na verdade, em Inchope não há oportunidades, ou seja, não há emprego, tanto na administração do posto como no comércio local. Esporadicamente, surgem vagas para trabalhar em algumas pousadas e pensões.
Abel Nagine, de 21 anos de idade, conseguiu há cinco meses um emprego numa pensão. Ele limpa e arruma os quartos, e aufere um salário mensal de 1500 meticais, valor com o qual garante o sustento diário da sua família constituída por três pessoas. Mas nem sempre foi assim.
Primeiramente, Abel vendia água e bolachas na EN1 e, mais tarde, foi à procura de oportunidades na cidade da Beira. Na capital provincial de Sofala a sua vida foi marcada por momentos difíceis, tendo tomado a decisão de regressar à terra natal, Inchope. “O dinheiro que ganhava como empregado doméstico era bastante pouco, por essa razão optei por voltar para casa e recomeçar a minha vida”, afirma.
Ao contrário de Abel, Jacinto Amade, de 28 anos de idade, nunca saiu da sua terra natal, apesar do desemprego. Desde pequeno começou a ganhar a vida nos mercados daquele posto administrativo, e não só. “Eu vendia sumo, refresco e água aos passageiros, mas com o andar do tempo fui percebendo que o negócio não era rentável”, conta. Hoje, Jacinto compra laranjas na cidade de Chimoio e revende-as no cruzamento de Inchope.
O (crescente) mercado da prostituição
Durante o dia, a azáfama nos mercados informais ao longo da Estrada Nacional Número Um mostra um mundo criado pela necessidade de sobrevivência. Ou seja, centenas de moçambicanos procuram o sustento diário, recorrendo às mais variadas actividades no principal cruzamento rodoviário da região Centro do país. O intenso movimento de viaturas, camiões de grande tonelagem e autocarros de passageiros fazem de Inchope um lugar de inúmeras oportunidades, ainda que ilusórias.
Diariamente, o negócio de sexo cresce a uma velocidade alarmante. Inebriadas pelas aparentes oportunidades, mulheres de diversas idades, moçambicanas e zimbabweanas, fazem-se à rua durante a noite para se prostituírem. A actividade é impulsionada, por assim dizer, sobretudo por camionistas que são os principais clientes. Quando escurece, é possível ver dezenas de camiões com destino às cidades da Beira e de Maputo e ao vizinho Zimbabwe estacionados à beira da estrada.
A tabela de preços é definida por cada uma das trabalhadoras de sexo. Geralmente, varia entre 200 e 500 meticais por cada acto. Uma noite inteira chega a custar mil meticais. Este valor não inclui o pagamento do quarto que custa 600 a 1500 por dia numa pousada ou pensão. Mas, a reboque do mercado da prostituição, cresce o negócio de arrendamento temporário de quartos, vulgarmente conhecidos por “escondidinhos” cujo custo mínimo é de 100 meticais. Estes espaços têm sido muito concorridos para a prática dessa actividade.
Saúde
Em Inchope, os problemas de saúde são frequentes. Malária, diarreia e HIV lideram a lista de casos mais reportados naquele posto administrativo. Porém, a questão ligada à saúde materno-infantil preocupa a população, apesar de terem aumentado, nos últimos anos, os partos institucionais a nível do distrito de Gondola.
O facto deve-se ao alargamento da rede para 14 unidades para atender 310.424 habitantes. No ano passado, o distrito registou 9.121 partos em todas as unidades de saúde. Em 2010 realizaram- -se 8.273. As autoridades sanitárias têm vindo a socializar os partos, aos quais o marido ou qualquer parente podem assistir, mobilizando, assim, os familiares a preferirem levar a cabo os partos nas maternidades.
Perfil
Inchope é um posto administrativo do distrito de Gondola, província de Manica. Gondola tem a sua sede na vila do mesmo nome. É limitado, a norte pelos distritos de Macossa e Bárue, a oeste pelo distrito de Manica, e pelos distritos de Sussundenga e Búzi, da província de Sofala, a leste pelo distrito de Nhamatanda também da província de Sofala, e a nordeste pelo distrito de Gorongosa, ainda na província de Sofala.
O município de Chimoio é completamente rodeado pelo distrito de Gondola e forma como que uma ilha no seu centro. De acordo com o censo de 1997, o distrito tinha 184 629 habitantes e uma área de 5 290 km², daqui resultando uma densidade populacional de 34,9 h/km². Além de Inchope, o distrito está dividido em seis postos administrativos, nomeadamente Amatongas, Cafumpe, Gondola, Macate, Matsinho e Zembe.