A Igreja Católica, a única instituição legal em Cuba que conservou durante meio século distância ideológica do Governo comunista, aparece agora como mediadora entre as autoridades e a oposição, após uma relação espinhosa. Pela primeira vez desde 2008, quando ocupou a presidência, Raúl Castro reuniu-se na quarta-feira com o cardeal Jaime Ortega e com o líder da Conferência Episcopal (COCC), Dionisio García, para falar da situação nacional, incluindo os presos políticos, e ambas as partes tornaram pública a notícia pela imprensa ou por seus porta-vozes.
O encontro foi realizado quase três semanas após Ortega mediar com sucesso a situação das passeatas das esposas de presos políticos que pediam a libertação de familiares. Ainda que haja aproximação entre a Igreja e o Estado cubano, sem aspirar a uma aliança por diferenças ideológicas, filosóficas e políticas, “ainda existe desconfiança mútua, preconceito”, opinou Orlando Márquez, diretor da principal revista católica em Cuba.
Após o triunfo da revolução de Fidel Castro em 1959, iniciou-se um período de enfrentamento no qual a Igreja demonizou o comunismo e o Governo expulsou sacerdotes e nacionalizou colégios e outras propriedades da Igreja. Nos anos 70, sem acesso aos meios de comunicação e ao ensino, a Igreja fechou-se em seus templos sem abandonar críticas ao Governo, que instaurou um Estado ateu e limitou a entrada de religiosos no país, entre outras restrições.
Mantendo interrompidas as relações entre Cuba e o Vaticano desde 1935, o governo e a Igreja local sustentaram um distanciamento mais calmo nos anos 80, que voltou a ser tenso após a queda do bloco comunista nos anos 90, com fortes críticas dos bispos em sua pastoral “O amor tudo espera”, de 1993. Ainda que o governante Partido Comunista (PCC) tenha se aberto aos religiosos em 1991, com a Constituição modificada para excluir a discriminação por credo e o Parlamento tenha aceitado como deputados representantes de outras religiões, a Igreja Católica manteve-se longe desse processo.
Com a histórica visita do Papa João Paulo II em janeiro de 1998 – após a qual foram libertados 300 presos políticos e comuns – foi aberto um caminho de diálogo e cautelosa aproximação, que levou à atual relação, qualificada de “muito saudável” pelo cientista político Aurelio Alonso. “Não acredito que o Estado esteja conferindo um papel à Igreja, acredito que a Igreja ganhou uma posição institucional na sociedade civil”, disse Alonso à AFP sobre o novo papel mediador.
A reunião entre Raúl Castro e a hierarquia católica dá “continuidade à mediação que a Igreja vem realizando em favor de alguns temas de interesse nacional, sendo parte de sua missão fazer tudo o que possa contribuir para melhorar as relações entre os cubanos”, disse à AFP o secretário-executivo da COCC, José Félix Pérez. Recentemente, o cardeal Ortega convocou os presidentes Raúl Castro e Barack Obama ao diálogo para superar as velhas diferenças entre Cuba e Estados Unidos, uma conjuntura na qual – opinam analistas – a Igreja pode desempenhar, também, um papel mediador.