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Ídasse Tembe: “Uma geração (totalmente) alcoolizada não pode pensar no futuro do país!”

Ídasse Tembe: “Uma geração (totalmente) alcoolizada não pode pensar no futuro do país!”

Terminada a 5ª Bienal da Expo-Arte Contemporânea Moçambique – que decorreu em Agosto na cidade capital – o célebre artista plástico moçambicano, Ídasse Tembe, travou uma conversa com @Verdade na qual deplorou a condição social em que se encontram os jovens do seu país. “Na cabeça dos (nossos) governantes, é como se a juventude fosse algo que nunca existiu”, considera acrescentando que “os jovens perderam o norte”, afinal a falta de orientação em que se encontra contribui para que levam uma vida ao “deus-dará”. Descubra a seguir os seus argumentos…

Quem investir o seu tempo a ler algo sobre o percurso da vida artística de Ídasse Tembe, invariavelmente, perceberá que é uma personalidade que nasceu numa época em que as instituições sociais do país (referimo-nos ao ensino, à religião, à família, à política) possuíam uma postura diferente da actual. Aliás, para muitos, isso é voz comum.

Como corolário do facto de o artista – em colaboração com dois companheiros, nomeadamente o escultor alemão Wolker Schnusttger e o músico angolano Victor Gama – participou na criação do projecto Um Passo Com Unha.

Além das obras, o mote da mostra remete-nos à ideia de um passado nostálgico, a infância. É por essa razão que começámos a conversa procurando perceber o sentido que a iniciativa engendra no espaço social.

“Um projecto que associa três pensamentos que aceitam o desafio de comungar um ideal no qual eu, por exemplo, rebusquei alguns signos no totem – que são memórias da época de meninice, algo memorável – para recriar uma iniciativa que, nas brincadeiras da época, representava uma medida exacta que por essa razão não deve falhar. Trata-se de um jogo – no caso o de berlindes – porque de uma ou de outra forma as pessoas são sujeitas a resolver equações da vida social no seu quotidiano”.

Quero viver como uma criança

Ídasse Tembe é um homem maduro e já caminha para a terceira idade. Se calhar seja por isso que para nós faz muito sentido que nos fale das suas nostalgias em relação ao tempo que passou.

Diz-nos que para homens experientes que, como ele, já experimentaram inúmeras peripécias sociais que envolvem o mundo e a humanidade – as quais contrapõem a visão agradável que as crianças têm em relação ao futuro – não há melhor expectativa em relação à vida senão essa vontade de viver como petiz, sem escassez de amparo.

Talvez um discurso directo traduza melhor os ditos sentimentos. “Espero que Um Passo Com Unha – o aludido projecto – seja uma maneira de convidar o homem para a necessidade de repensar no sentido de encontrar a esperança de abrir parêntesis entre a acção do bem – decepando todas as peripécias negativas que protagoniza – ligando-a à perspectiva que tem em relação ao futuro como criança, de modo que possa prosseguir feliz. Esta é a função da arte!”.

O homem tornou-se desumano

A experiência dos outros não se enquadra em nós, sabemos disso. Mas a verdade é que contrariamente ao que acontece na nossa época – em que a nossa educação sublima o empreendedorismo (ou seja, o poder material) – se repensarmos que, como homem, Ídasse se definiu com base em alicerces de uma educação que sensibilizava as pessoas em relação às artes e cultura, podemos deduzir que a sua visão do mundo é diferente da nossa. Mas, enquanto o artista não assume isso como facto, fica-se numa pura e, provavelmente, errada ilação.

“Tive um padrão de educação completamente diferente do hodierno. Cresci a saber que devia ter confiança em mim e a única forma de cultivar o referido espírito era estudar. Na minha época de miúdo, o ensino tinha como base a educação moral e cívica. Isso foi/é muito importante para a edificação de uma sociedade”.

Por exemplo, “nós tínhamos o hábito de ir aos hospitais com a finalidade de orar em prol dos enfermos. Por vezes, desviávamos o dinheiro de lanche para fazer a acção de graça como comprarmos frutas, as quais ofertávamos aos centros de saúde. Tínhamos esse lado humano que, actualmente, já não se observa na sociedade”. Infelizmente, “o homem desenvolve-se e pratica actos hediondos. O homem tornou-se desumano”.

Muitas (in)certezas

Para fundamentar a diferença que se manifesta entre a nossa e a sua geração, Ídasse Tembe não perdeu tempo e elaborou uma narrativa real: “Eu conheço casos perturbantes, cujos nomes dos protagonista não posso citar, de pessoas que minam a vida dos pais para ficarem com os seus bens.

Vendem a sua casa para utilizarem o dinheiro na compra de uma discoteca. Esta é uma realidade que nós não conseguimos compreender em relação ao rumo do ser humano. O mundo é uma incerteza”.

O pintor, que também faz parte de uma geração que se chamou Charrua, reitera que, no passado, qualquer jovem moçambicano tinha um projecto de vida.

Uma perspectiva com base na qual se orientavam as suas acções. Em contradição, actualmente, “muitos jovens concluem a formação universitária e não têm nenhuma perspectiva em relação ao trabalho. É em resultado disso que a geração contemporânea tem uma preocupação racional de encontrar soluções diante dos problemas com que se debate. Não acho que isso seja rebeldia, mas penso que se calhar seja uma busca de soluções incertas. Ora, o Governo precisa de encontrar ferramentas à altura – não no sentido de choque ou de ser reactivo – para resolver este tipo de problemas”.

Uma geração alcoolizada

Diante da inércia do Governo – em determinados tópicos como, por exemplo, a preservação da saúde pública dos cidadãos – nem vale a pena referir que esta devia ser a sua missão primordial, garantir o bem-estar geral do povo. O que acontece, todavia, nos dias que correm “a juventude é algo que nunca existiu na cabeça dos nossos dirigentes.

Por isso, eles, os jovens, já não têm norte. Levam uma vida ao deus-dará. Há que se compreender que a juventude precisa de uma bengala para poder se apoiar”. É que nos dias que correm, “é comum encontrar adolescentes e jovens – em espaços públicos como, por exemplo, os estabelecimentos de ensino – totalmente embriagados”.

A partir daqui, uma série de questões – que uma tal de sociedade civil não coloca – podem ser elaboradas: “Como é que é possível que numa sociedade como a nossa, por exemplo, o Governo permita a existência de uma fábrica de bebida alcoólica tão perigosa como a Tentação? Como é que um Governo permite que se fabrique e que circule esta bebida tóxica nas proximidades das escolas do país?”

A verdade é que, na visão de Ídasse Tembe, o autor da obra A Cabeça de Joseph, se alguém, por qualquer razão, vasculhar a pasta de um aluno do ensino secundário geral é normal que encontre resíduos de bebidas alcoólicas.

Ora, “se não haver uma intenção nesse sentido, acredite- se, isso é uma tentativa de quebrar a continuidade de tudo o que se pretende para o desenvolvimento de Moçambique. Porque se se criar uma geração (totalmente) alcoolizada pode-se crer que ela não pensará em nada relativamente ao futuro do país”.

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