Jogar um futebol vistoso e quanto ganhar, carrega consigo um peso, uma responsabilidade. A fama passa a preceder o desempenho. Parece que em alguns países, como Brasil e Holanda, a pressão natural de vencer um jogo nunca é completamente superada se, além da vitória, a equipe não demonstrar também um espetáculo condizente com a história de quem já teve esquadrões como a Seleção de 1970 ou a Laranja Mecânica de 1974. E o que acontece, então, quando dois países como esses encontram-se?
O que esperar de quem tem tanta tradição de jogo ofensivo numa partida decisiva como a desta sexta-feira, em Port Elizabeth?
A resposta “um jogo aberto” pode até ser verdadeira, mas, para as seleções brasileira e holandesa que estão na África do Sul 2010, a análise é ligeiramente mais complexa. Passa pelas opções táticas de Dunga e de Bert Van Marwijk e pelas semelhanças que guardam entre si.
Não deixa de ser curioso: tanto Brasil como Holanda chegam invictos aos quartos de final da Copa do Mundo da FIFA e com campanhas parecidas – os brasileiros, com três vitórias e um empate, e os holandeses, com quatro triunfos; uns com oito golos a favor e os outros, com sete; ambos com apenas dois sofridos.
E, no entanto, os dois lados tendem a escutar uma mesma desconfiança: por que a equipe não joga mais à frente; não toma mais iniciativa? A resposta está na capacidade de sair em velocidade para contra-atacar, a arma que tem caracterizado brasileiros e holandeses nestes últimos vitoriosos tempos.
“Das equipes europeias, a Holanda talvez seja a que tem uma qualidade técnica mais próxima daquela dos sul-americanos”, analisa Dunga ao comentar a rapidez e a qualidade com que Arjen Robben, Wesley Sneijder e companhia são capazes de liquidar suas partidas. “Eles têm tradição de formar equipes que jogam bem. Não é uma equipe que só marca, ou que só tem jogadas de bola longa. Eles têm jogadores de muita técnica e nós temos que estar prontos para isso”.
Diz muito a respeito da semelhança entre as duas equipes o fato de que, ao passo que Dunga destaca a proximidade dos holandeses com aquilo que normalmente vem da América do Sul, Van Marwijk chama atenção para um aspecto brasileiro que soa como virtude europeia: a solidez defensiva. “ O Brasil tem uma linha defensiva com seis jogadores impressionantes, além, claro, de jogadores ofensivos prontos para fazer a diferença. É uma equipe sólida”, resume o treinador holandês, usando palavras que provavelmente caberiam para descrever sua própria seleção.
Equilibradas entre uma boa defesa e um ataque veloz e mortal, tanto Brasil quanto Holanda sentem-se mais cômodos quando o adversário toma a iniciativa, ataca e, com isso, abre espaços. A tendência, então, é a de que a partida dos quartos de final tenha algo de jogo de xadrez; de entender quem tratará de partir para a ofensiva, mesmo sabendo do perigo que significa fazê-lo diante de um adversário com contra-ataque tão mortal.
“Precisamos estudar com calma as atuações dos holandeses, mas com certeza é uma equipe que vai jogar. Não sei se vai agredir-nos, mas vai entrar para jogar”, previu Kaká pouco depois dos 3 a 0 sobre um Chile que também entrou nos oitavos de final para jogar – até mesmo agredir – e pagou caro por isso.
Os olhos do avançado Luís Fabiano até brilham só de pensar em mais um jogo em que possa ter espaços, e não em que enfrente uma defesa cerrada. “Pelo que eu pude perceber, a Holanda ataca bastante e tem jogadores de características ofensivas. Acho que eles vão partir para cima de nós e procurar o resultado. Por isso, temos que ter cuidado, porque eles são muito perigosos”, analisa o camisa nove. “Por outro lado, toda seleção que parte para cima do Brasil corres sérios riscos.”
Nem é preciso avisar Bert Van Marwijk sobre isso. Se sua equipe já tem ganho fama por permanecer à espreita, aguardando a hora certa de dar a machadada capital, contra um rival que age da mesma maneira – e é no mínimo tão perigoso quanto -, o treinador já prevê um cenário diferente. “Em todas as nossas partidas até agora, nós tivemos controle do jogo: fizemos sete golos e sofremos apenas dois e praticamente não corremos riscos. Mas acho que isso vai mudar na partida contra o Brasil”, admite o técnico holandês.
Tanto brasileiros quanto holandeses vêm de campanhas brilhantes nas eliminatórias e vitórias consecutivas na África do Sul. Enquanto uns têm Robinho voando para puxar contra-ataques pela esquerda, outros têm Dirk Kuyt.
Para um Kaká resolvendo jogadas rápidas na base das arrancadas, a resposta é um Arjen Robben.
Luís Fabiano de matador de um lado, Robin Van Persie do outro.
Armas e propostas parecidas, talvez parecidas até demais. Mas alguém, cedo ou tarde, terá que ceder. Quem? E, principalmente, como?