O Síndrome de Imuno Deficiência Adquirida (SIDA), uma doença contraída de diversas formas, dentre elas a prática de relações sexuais desprotegidas, o uso de objectos cortantes e picantes não desinfectados, continua terrivelmente mortífera em todo o mundo. A SIDA é uma das fases de infecção no estado mais avançado, provocada pelo Vírus de Imunodeficiência Humana (HIV).
A sociedade na qual estamos inseridos é assolada por esta doença que tem vindo a dizimar homens, mulheres, crianças, e com maior incidência jovens. Em Moçambique as faixas etárias mais propensas à infecção são de 15 aos 49 anos de idade. As mulheres são as mais contaminadas, segundo estatísticas oficiais.
Este sábado, 01 de Dezembro, o mundo assinala o Dia de Combate ao SIDA, uma pandemia que tem causado danos irreparáveis em diversos sectores da sociedade. Desestabiliza famílias, o que chama a atenção para uma maior reflexão sobre a doença, não só nesta efeméride, mas sempre. Haja consciência de que quem discrimina e rejeita mata mais que o próprio vírus.
SIDA não é simplesmente uma palavra. O “S, inicial da palavra síndroma, significa conjunto de sinais e sintomas que permitem ao técnico de saúde avaliar e diagnosticar o indivíduo que os apresenta. O “I” equivale a imuno e refere-se ao sistema responsável pela defesa do organismo quando é atacado por microrganismos patogénicos que causam doenças.
O “D” vem de deficiência, que significa falha ou mau funcionamento de uma célula, órgão, sistema de órgãos, aparelho ou o organismo no seu todo. O “A” significa adquirida. Implica dizer que a dita anomalia não nasceu com a pessoa, mas sim teve-a ou adquiriu-a ao longo da vida. Assim, se o mundo parar e reflectir em torno desta pandemia que faz muitas famílias levarem as mãos à cabeça, sempre que um membro seu está infectado, é, sem dúvidas, possível garantir a contração da aquisição da doença.
Majuana e Argentina são duas mulheres seropositivas com histórias distintas. Gentilmente deram a cara, quebraram o silêncio, para exteriorizar o que passam na vida. Além de lutar contra o vírus da SIDA, sobrevivem à rejeição no seio das suas famílias e da comunidade em que estão inseridas. Ao contrário de Muajuma, de 39 anos de idade, que foi contaminada pelo seu marido, Argentina, 43 anos, não se lembra como contraiu.
O seu marido fez o teste e acusou negativo. Desde o momento que descobriram o seu estado sorológico a vida nunca mais foi a mesma. Abatidas aos poucos pelo HIV/SIDA, as donas de casa contam, com muita mágoa, como resistem à doença, à estigmatização e lutam pela vida num ambiente em que nem os próprios maridos lhes acarinham.
Sentada numa das bermas da Avenida Eduardo Mondlane, na cidade de Nampula, onde se dedica à venda de bolinhos fritos, o sorriso fulgurante de Muajuma, de 39 anos de idade, não esconde uma dolorosa realidade: está infectada há quatro anos. Aos 16 anos de idade deixou a casa dos seus pais para construir uma família feliz ao lado do seu amado marido. Porém, os insondáveis desígnios da vida trouxeram-na esta doença letal.
Natural de Moma, província de Nampula, onde aos 14 anos de idade, Muajuma engravidou do seu namorado (12 anos mais velho), um jovem desempregado que conhecera havia dois anos. Foi o primeiro (e viria a ser o único) homem da sua vida. A primeira reacção foi tentar abortar, mas o temor de acontecer o pior inibiu-a.
Ela escondeu dos familiares o seu estado durante algum tempo. Os progenitores só vieram a descobrir a situação aos seis meses de gestação. Começaram as pressões dentro de casa para viver com o pai do filho que esperava. Volvido sensivelmente um ano e meio, após o nascimento do bebé, passaram a viver juntos na casa dos parentes do namorado.
Mais tarde, Muajuma e o seu namorado decidiram começar a uma nova vida na cidade de Nampula. “Chegámos a Nampula por volta de 1992. Nessa altura, o meu marido não trabalhava, vivíamos de pequenos negócios que fazíamos”, conta. Na considerada capital do norte a vida não foi fácil para ambos, mas, afirma, nunca deixaram de ser um casal feliz. Dessa união surgiram mais filhos, ou seja, com andar do tempo, o agregado familiar cresceu. Agora é constituído por sete pessoas.
Traída pela fidelidade
Quando tudo parecia correr bem, eis que o abismo tomou conta da vida de Muajuma. Há quatros, ela resolveu fazer o teste, após o seu parceiro ter sido internado por várias vezes devido à tuberculose. E o resultado foi o inesperado. Questionou o seu esposo sobre a situação, este, por seu turno, negou ter-se envolvido com outras mulheres, porém, mais tarde, confessou as suas inúmeras infidelidades.
“Não imaginava que o meu marido tinha as suas aventuras extra-conjugais, pois ele sempre me tratou como se fosse única mulher na vida dele”, afirma e acrescenta: “Não queria acreditar no resultado do teste. Fiquei em estado de choque”.
Muajuma foi contaminada com o vírus da Sida pelo seu marido, sem pertencer a nenhum grupo de risco. A sua rotina era feita entre casa e o mercado dos Belenenses, local onde ela se dedicava à actividade informal para ajudar na renda familiar.
“Eu apenas mantinha relação sexual com o meu marido. Sempre fui fiel a ele e acreditava que ele também fosse, até porque nunca demonstrou quaisquer indícios de infidelidade. Era um companheiro e um verdadeiro amigo”, comenta com desgosto.
Entretanto, a pior dor daquela dona de casa não é apenas o facto de ter de conviver com a doença, mas a estigmatização por que passa no bairro onde mora. “Os meus filhos são a minha maior força. É por eles que eu luto contra esta doença e a rejeição no meu bairro”, diz.
Apesar de não se ter separado do seu marido, Muajuma diz que ainda guarda mágoas do seu parceiro, pois sempre acreditou que estava muito segura ao lado dele. “Ele poderia ter evitado essa situação, mas levou-me consigo. Isso me deixa bastante revoltada”, afirma.
A história de Argentina
No bairro de Xipamanine, na cidade Maputo, o @Verdade descobriu Argentina, de 43 anos de idade. Ela tem uma história temerosa, marcada por uma união conjugal forçada pela família, violência psicológica e discriminação desde que se soube que está infectada pelo vírus do Sida, em 2005.
Segundo as suas palavras, foi forçada a viver maritalmente com Colaço, de 54 anos de idade. Nesta relação, só ela sabe, realmente, o que tem passado, mas, sem hesitação, afirmou que a sua vida é um verdadeiro calvário, principalmente desde o tempo em que algumas pessoas ficaram a saber que é seropositiva. Apontam-na dedos acusadores. Olham-na com desdém. Segregam-na. Porém, ela considera- se um exemplo de muitas mulheres que suportam a dor da rejeição pela própria família por causa da infecção pelo vírus do HIV/SIDA.
Em 2005, Argentina engravidou. Passados alguns meses adoeceu e ficou muito tempo acamada. Depois de percorrer algumas unidades sanitárias sem melhorias na sua saúde tentou uma outra sorte de cura no Hospital Geral da Machava, onde atendendo o conselho de uma enfermeira, fez um teste de HIV/SIDA, cujo resultado acusou positivo. Ao receber a má notícia sentiu o chão a desaparecer-lhe dos pés, pois, segundo afirmou, para além do mau relacionamento com o marido, acabava de ter mais um motivo para pensar em desistir da vida.
Ao descobrir que era seropositiva, levou horas a fio num dos corredores daquele hospital à procura de uma melhor forma de transmitir a informação ao marido. Teve pesadelos em plena luz do dia e sem estar a adormecer. Agitou-se. Soergueu-se.
“Mas não tinha outra alternativa senão contar ao meu parceiro o que se passava comigo e sensibilizá- -lo para também fazer o teste e juntos vencermos este dilema. Ganhei coragem e contei tudo. Para o meu espanto, a sua reacção foi positiva e aceitou, naturalmente, ser submetido ao teste de HIV/SIDA e o seu resultado foi negativo”.
Argentina contou que a antes de ficar infectada o marido proibiu-a de trabalhar e com a doença a sua situação financeira ficou complicada. Começou a ter problemas para conseguir dinheiro no sentido de garantir uma dieta alimentar de acordo com a doença de que padece. Apesar da dieta alimentar sem qualidade toma os anti-retrovirais. Mas o seu estado de saúde deteriorou-se, o que pôs o casal cada vez mais distante um do outro. Assim vivem hoje.
Ela precisou de ajuda para superar os obstáculos pelo estado de saúde e pela rejeição. Contou-nos que o pessoal do hospital e da Associação Girassol fez um grande trabalho para pô-la novamente de pé. Ergueu a cabeça e lutou pela vida. A sua filha goza de boa saúde, apesar de estar também infectada. Juntas estão em Tratamento Anti-Retroviral (TARV), mas a insuficiência alimentar persiste e ela não tem dinheiro.
“Estou muito triste porque meu marido não me encoraja e nem me apoia para continuar a cuidar de mim e da minha filha. Eu e a minha filha iniciamos com o TARV. O meu sistema imunológico está bem porque tenho um CD4 elevado. Mas a nossa saúde pode piorar porque não temos uma dieta alimentar boa”, disse.
O casal foi aconselhado a usar sempre o preservativo nas suas relações sexuais, como forma de evitar a contaminação pelo vírus que causa a SIDA. “Apesar desta situação, amo o meu marido, embora esteja a viver uma relação conturbada. Vivemos bem, não sofro preconceito e nas relações sexuais usamos preservativo”, assegura Argentina.
A discriminação no bairro
Desde que alguns amigos e familiares ficaram a saber do estado serológico de Argentina, começaram a olhar para ela com desprezo e como se estivesse num iminente risco de vida. Mas a força de vontade para vencer as adversidades que surgiram com a doença tornaram-na numa verdadeira guerreira onde aprendeu a aceitar a sua condição de rejeitada na sociedade.
Passou a incutir nas pessoas que a SIDA não é o fim da vida, mas um momento oportuno para viver positivamente através de uma vida organizada, regrada de modo a servir de exemplo para as pessoas que pensam que tudo acabou com a doença.
Argentina realça que muitas pessoas nas comunidades, bairros e grandes centros urbanos, condenam os seropositivos onde, ao invés de lançarem pedras para os infectados pelo vírus da SIDA, deviam tratar este grupo com carinho, afecto, amor, valorização, atenção e acima de tudo olhá-los como pessoas comuns.
Mesmo nos dias em que não tem o que comer, Argentina toma o medicamento. “Se eu não o fizer, estarei a hipotecar a minha saúde e deixando o vírus degradar o meu sistema imunológico”, explica e visivelmente consciente da necessidade de se medicar. Segundo ela, pessoas singulares e colectivas pertencentes à Associação Girassol da Mulher, movidas pelo espírito de solidariedade, têm fornecido alguns géneros alimentícios como arroz, feijão, óleo e roupa para ela e sua filha.
Incidência das infecções no país
“Há no país 1.4 milhões de pessoas infectadas pelo HIV/ SIDA, 200 mil são crianças, 550 mil são homens e mais de 850 mil são mulheres”.
Ultimamente, a situação da incidência das infecções pelo HIV/SIDA mostra cenários, diga-se, arrepiantes, para um país cujo desenvolvimento depende dos mesmos jovens que estão a ser dizimados pela pandemia.
Nos últimos tempos, há indicação de os números de infecções ultrapassarem as previsões devido ao maior fluxo de gente de uma fronteira para outra. Em Moçambique os maiores índices de infecções já não ocorrem no Centro. Indica-se o Sul que tem uma taxa de contaminação de pouco mais de 17%.
Segundo o Ministério da Saúde (MISAU), Moçambique enfrenta uma epidemia generalizada de HIV, com uma prevalência de 11,5% em adultos de 15-49 anos de idade, e 1,2% em crianças de 0-14 anos.
Ao todo, no país há 1.4 milhões de pessoas vivendo com HIV/SIDA, das quais 200 mil são crianças e 550 mil são homens, muito dos quais em idade reprodutiva. Mais de 850 mil mulheres, com 15% de prevalência em mulheres grávidas e com grande variação em regiões e províncias.
Conforme os números mostram, o HIV/SIDA não é simplesmente uma questão de saúde pública. Ameaça qualquer área vital para o desenvolvimento nacional. Agrava a pobreza. Isto exige que diferentes sectores e actores da sociedade adoptem uma reformulação de política de sensibilização, consciencialização e formas de lidar com este mal.
Enquanto isso, de acordo com o MISAU, no país há 294 unidades sanitárias nas quais o tratamento anti-retroviral está em curso, abrangendo 274.204 adultos e 25.597 crianças. Nas mesmas unidades sanitárias faz-se circuncisão masculina como forma de prevenir o contágio nos homens.
Alguns números para reflexão
O Relatório Final do Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e SIDA em Moçambique 2009 (INSIDA) indica que 11.5% dos moçambicanos adultos de 15-49 anos estão infectados com o HIV. Há mais mulheres infectadas comparativamente com os homens.
Os residentes em áreas urbanas, de 15-49, anos têm prevalência de infecção mais alta comparativamente com os residentes em áreas rurais. Entre mulheres nas áreas urbanas é de 18.4% comparada a 10.7% nas áreas rurais, e a prevalência entre homens nas áreas urbanas é de 12.8% comparativamente a 7.2% nas áreas rurais.
No geral, as mulheres são infectadas em idades mais jovens comparativamente aos homens. Entre os 35-39 anos e em idades mais avançadas, a prevalência não difere entre mulheres e homens. Notam-se importantes variações por província na prevalência da infecção por HIV.
Tendo como base a Província de Niassa (3.3%), a prevalência entre mulheres de 15-49 anos é cerca de cinco vezes maior na Zambézia e em Manica (15.3% e 15.6%, respectivamente) e cerca de 10 vezes maior em Gaza (29.9%). Isto também aplica-se aos homens de 15-49 anos, ainda que entre eles as diferenças por província sejam menores que entre as mulheres: a prevalência varia de 3.3% em Nampula para o máximo de 19.5% em Maputo Província.
No geral, a prevalência entre mulheres de 15- 49 anos varia de 6.1% na região Norte para 14.4% no Centro e 20.2% no Sul. Entre os homens da mesma faixa etária a prevalência varia de 4.9% no Norte para 9.9% no Centro e 14.2% no Sul.
Como foi já mencionado anteriormente, a prevalência da infecção entre os residentes de áreas urbanas na faixa etária de 15-49 anos é significativamente maior que entre os residentes de áreas rurais, e isto aplica-se às regiões Centro e Norte. Entretanto, na região Sul, a prevalência entre os residentes de áreas rurais é mais elevada que a prevalência entre os residentes de áreas urbanas.
Enquanto isso, dados contidos na Agenda 2025 dão conta que comparando a situação de seroprevalência de Moçambique com a experiência de alguns países da região, admite-se que, até esse ano haverá entre 15 a 20 porcento de infecções.
Prevê-se ainda que estas contaminações, com consequências no desenvolvimento da sociedade, uma vez que afectam os adultos, maioritariamente o grupo etário mais activo e produtivo, terão um efeito nos recursos humanos dos serviços governamentais, especialmente aqueles cuja força de trabalho é móvel e de risco.
Incluem-se aqui trabalhadores de construção civil, construção de estradas, condutores de camiões de mercadoria, mineiros, forças policiais, militares e paramilitares, e quadros de nível superior especializados que, por razões de serviço, têm que viajar por todo o país ou fora dele.