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Hélder Monteiro: um moçambicano de mão cheia

Hélder Monteiro: um moçambicano de mão cheia

Ora aqui está um jovem que não tem dúvidas sobre o que quer: criar uma associação de aeromodelismo. Ninguém o conhece, poucos sabem que ele criou, há alguns meses, na Índia, em trabalho do fi m de curso, um “Ornithopter”ou microaeronave, em português. Criar, para fins de entretenimento, um “Ornithoper” custa 1800 meticais. E eis que, neste desconhecido, de apenas 22 anos de idade, meteu-se-lhe na cabeça que o seu projecto tem utilidade para o país. Por exemplo, pode ser usado na área de vigilância e em lugares a que o homem não tem acesso.

(@Verdade) – Quem é Hélder Monteiro?

(Hélder Monteiro) – Em primeiro diria que sou sonhador e sou sortudo. Com esforço próprio, tive sempre o impulso de querer aprender mais sobre as coisas. (@V) – Foi sempre bom aluno?

(HM) – Sempre. No fi nal do ensino secundário, que frequentei na Escola Secundária Josina Machel, foi-me atribuída uma bolsa de estudo pelo governo indiano, em parceria com o Instituto de Bolsas de Estudos do Ministério da Educação. Fui a Índia em 2006, para frequentar o curso de licenciatura em engenharia mecânica, em Visvesvaraya National Institute of Technology Nagpur.

(@V) – Teve sucesso?

(HM) – Terminei o curso e na defesa obtive 94 valores de 100, em Maio do presente ano e a minha licenciatura com uma percentagem total de 74.5%.

(@V) – O que faz nos tempos livres?

(HM) – Em tempos de lazer gosto de ler, de tocar guitarra, de fazer ginástica, de estar com amigos e, por que não, de estar no facebook.

(@V) – Formou-se em engenharia mecânica na Índia. Que diferenças são mais flagrantes entre Moçambique e Índia?

(HM) – A Índia e Moçambique são dos países extremamente opostos culturalmente e socialmente. Existem coisas em comum, mas se falarmos de cultura eu considero-os diametralmente opostos.

(@V) – Como?

(HM) – A Índia tem uma história milenar e é uma das civilizações mais antigas do mundo, enquanto nós estamos ainda a gatinhar. A Índia é um país muito belo e um dos cantos do mundo onde vês a valorização total da cultura, da ciência, etc.

(@V) – Nós não valorizamos estes aspectos?

(HM) – Tudo na cultura da Índia tem referência com o passado, enquanto nós pensamos mais no futuro. Eles preocupam-se em valorizar tudo e todos os que lutaram para fazer o país estar onde se encontra hoje. Na Índia é tradicional o casamento entre pessoas da mesma casta, região e religião para não haver mistura de raças e não incorrerem no risco de perder a cultura milenar. Casamentos na Índia não são por amor, mas sim algo arranjado para poder manter os hábitos e costumes passados, eles acreditam que amor é algo que cresce com o tempo.

(@V) – A alimentação é muito diferente?

(HM) – Realmente, tive difi culdades em ajustar-me devido aos hábitos alimentares que levava de Moçambique. Embora pobres, eles têm uma alimentação bem saudável. Em cada refeição não pode faltar chappatis (apas) e molho dal (sementes de lentilha), para além de um caril e dahi (yogurte). No pequeno-almoço raramente comem pão, eles têm lá idli (arroz fermentado cozido), paratha (pão achatado com batata) e poha (arroz achatado), e as grandes e famosas chamussas feitas de aloo (batata). Porém, a culinária indiana varia de região para região e é bastante diferente da nossa.

(@V) – Desenvolveu, como trabalho de fim de curso, um microavião. Que utilidade um dispositivo do género pode ter para o nosso país?

(HM) – Tive sempre imenso interesse em aeronáutica. Na selecção do tópico de projecto de defesa, eu como chefe do grupo decidi que deveríamos fazer algo diferente na área, porque no caso de, posteriormente, decidirmos continuar os nossos estudos de pós-graduação, teríamos uma base. Decidimos trabalhar no projecto de “Microaeronaves com Asas Oscilantes” do inglês “Ornithopter”, e fi zemos um pássaro mecânico, dirigido por um dispositivo de controlo remoto. Ele emite tais movimentos da sua contraparte biológica.

Foi feito por nós no Instituto. Aliás, robôs com inspiração biológica são tema de pesquisa mundialmente. O nosso projecto, se bem modulado, pode ser usado na área de vigilância quando equipado com microcâmaras que enviam informações para uma base de controlo; também na área militar para enviar informações sobre intrusos numa determinada área protegida. Estas microaeronaves também podem ser distribuídas por zonas de difícil acesso para o homem, onde haja ocorrência de incêndios, por exemplo, numa fl oresta e, quando equipadas de sensores bioquímicos, podem medir a dimensão das chamas para saber o quão elas se expandiram no local em questão. Têm também utilidade no monitoramento do meio ambiente e, claro, servem para o entretenimento dos entusiastas da aeronáutica.

(@V) – É possível desenvolver o mesmo projecto em Moçambique? Há condições para tal?

(HM)-Com um pequeno investimento, é possível. Mesmo em casa pode-se fazer, basta apenas ter conhecimentos de electrónica, aerodinâmica de pássaros, e cinemática de máquinas. Mas algumas partes como circuitos integrados, resistores, capacitores, micro-controladores e micromotores de grande RPM devem ser adquiridas fora do país, visto que não temos fábricas em Moçambique que produzem dispositivos electrónicos. Mas se for para montar um negócio do género no país é possível.

(@V) – Quanto custaria a produção de um microavião?

(HM) – 50 dólares (1800 meticais), mas apenas para entretenimento.

(@V) – E para outros fins?

(HM) – 200 dólares (7200 meticais).

(@V) – Que mais pode criar?

(HM) – Tenho como especialidade principal a construção mecânica, dinâmica de máquinas e mecânica de fractura. Para além do pássaro mecânico que fiz na Índia, também trabalhei na construção de robôs controlados sem fi o por computadores, usados para automação de laboratórios do Instituto. Desenhei algoritmos em MATLAB para posicionamento estratégico de robôs sem fi o para missão de vigilância. No domínio de engenharia mecânica gosto de criar e de trabalhar na solução de problemas que envolvem vibrações de máquinas, pois esta é uma das razões para que estas se limitem ao funcionamento contínuo.

(@V) – Pretende criar um clube de aeromodelismo? O que já fez para dar corpo ao seu objectivo?

(HM) – Esse é um dos grandes sonhos que tenho, o de criar um espaço onde possa criar interesse nos moçambicanos para se envolverem na área do aeromodelismo. Principalmente na produção de aviões de pequena escala que podem ser usados para competições no país e pelo mundo fora. Pretendo organizar workshops de como construir estas máquinas, nos quais o público-alvo será constituído por estudantes de escolas secundárias e universitárias e todos os entusiastas em aeromodelismo.

Até agora, o que fiz foi identifi car se existe algum clube semelhante em Moçambique, e por acaso existem clubes de aeromodelismo mas estão mais ligados ao pára-quedismo e outros existem apenas de nome. Caso haja possibilidade para a minha integração nos clubes para dar um impulso nas actividades e formar um novo horizonte não descartaria a hipótese. Espero conseguir apoios para que este sonho se torne realidade

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